Time acrobático vinculado a US Navy, a Marinha norte-americana, o Blue Angels é internacionalmente reconhecido por seus aviões pintados nas cores azul e amarelo, que realizam apresentações com extrema perícia. O esquadrão também é o segundo mais antigo grupo de demonstração aérea do mundo, formado em 1946, quase 15 anos depois do francês Patrouille de France. Originalmente, integravam o Blue Angels apenas três Grumman F6F-5 Hellcat, executando manobras simples. O modelo teve vida curta e a unidade logo recebeu quatro Grumman F8F Bearcat, que passaram a realizar o consagrado voo em diamante. Para garantir o apoio necessário nos deslocamentos pelos Estados Unidos, o time recebeu, em 1949, um Douglas R4D Skytrain, a versão da US Navy do famoso DC-3. No mesmo ano, chegaram os jatos Grumman F9F-2 Panther, que se tornaram um dos mais famosos aviões da história dos Blue Angels.
Ao longo das décadas, uma série de novas aeronaves fez parte do time, como o Grumman F11F-1 Tiger, o primeiro avião supersônico dos Blue Angels. Da mesma forma, os aviões de apoio também foram sendo substituídos por modelos maiores, como o Douglas R5D Skymaster e o C-121J Constellation. Atualmente, os Blue Angels voam com seis F/A-18C Hornet e um C-130 Hercules, sendo este um dos diferenciais do esquadrão. O show é dividido em duas partes, a primeira com o veterano e poderoso cargueiro tático Hercules, que demonstra toda sua capacidade ao realizar uma apresentação de alta performance. A segunda parte prevê a apresentação de seis F/A-18, que promovem um espetáculo em que os pilotos esbanjam perícia com manobras extremamente complexas.
Movimentos precisos
Para quem já assistiu às apresentações da Esquadrilha da Fumaça, é inevitável algumas comparações, ainda que injusta com ambos os esquadrões. O time brasileiro apresenta um show mais estético, com manobras que lembram um balé aéreo. Os movimentos acrobáticos são fluidos e relativamente lentos por conta da performance dos aviões – até 2013, os T-27 Tucano. Já os Blue Angels têm uma apresentação mais técnica, com manobras de elevado grau de dificuldade e movimentos acrobáticos precisos. Ainda assim, ambos os grupos de demonstração prezam pela máxima dificuldade de suas manobras, dentro do perfil de cada unidade e cada aeronave.
O show com os F/A-18 é dividido em duas partes. Primeiro quatro aeronaves decolam e realizam manobras de baixa velocidade, com diversas formações, sempre se mantendo extremamente próximas umas das outras. Por conta da alta performance do avião, que exige grandes raios de curva, o segundo grupo, formado por dois aviões, entra em cena para evitar um gap no show. A dupla de caças apresenta basicamente manobras de alta velocidade, incluindo cruzamentos e voos de dorso em ala. Esse grupo também é responsável por uma passagem em baixíssima velocidade, com os dois F/A-18 perfazendo elevado ângulo de ataque e mantendo a sustentação praticamente nos motores. Ao final, as seis aeronaves reúnem-se para uma formação delta.
A chegada ao esquadrão do KC-130F Hercules aconteceu em 1970. Na época, ao mesmo tempo em que os Blue Angels recebiam novos aviões de caça para suas demonstrações aéreas, a necessidade de um adequado apoio logístico crescia, o que resultou na incorporação do novo cargueiro. Devido à sua capacidade de transporte, que incluía de suprimentos a pessoal de apoio, o avião ficou conhecido como Fat Albert Airlines – uma alusão ao personagem gordo do desenho animado Fat Albert and the Cosby Kids. Os pilotos, porém, perceberam que as qualidades de voo do Hercules o credenciavam a participar do show, e foi o que aconteceu. Em pouco tempo, o modelo passou a ser responsável pela abertura da apresentação, executando um voo de 15 minutos em média. Mas um time de acrobacia aérea, reconhecido por audácia e manobras radicais, pedia mais do C-130.
Passagens baixas e pousos curtos seriam insuficientes para entreter o público, o que levou à criação de uma série de manobras especiais para o Fat Albert, como a decolagem em poucos metros com o auxilio de JATO, o acrônimo para Jet-Assisted Take Off. Durante a feira Sun ‘n Fun 2014, AERO Magazine recebeu da US Navy um convite para embarcar no icônico C-130 azul, amarelo e branco dos Blue Angels, uma oportunidade ímpar, já que o Fat Albert é o único cargueiro utilizado por um time acrobático.
Os F/A-18 realizam manobras com elevado grau de dificuldade e movimentos precisos
Experiência única
Chegamos ao hangar utilizado como base de apoio, no aeroporto de Lakeland Linder, no horário combinado. A oficial de relações públicas dos Blue Angels, Kathryn Macdonald, dá as boas vindas antes de realizar uma breve apresentação sobre o voo e transmitir informações sobre procedimentos de emergência, além de alertar sobre algumas restrições importantes, como levar volumes a bordo do C-130 – somos autorizados a transportar apenas uma câmera fotográfica tipo DSLR já com a objetiva escolhida instalada. Um furgão nos leva até o famoso Fat Albert, para uma seção de fotos e uma apresentação detalhada do avião, com um pedido de desculpas pelo horário, já que o sol às 15h desfavorece a captação de imagens. Só que a janela de voo previa uma decolagem pontualmente às 16h. Após uma seção de fotos e uma visita ao cockpit, a tripulação promove uma simpática recepção da Fat Albert Airlines, a “linha aérea mais radical do mundo”. O comandante do voo, o major Mike Van Wyk, apresenta a tripulação e garante: “Será um voo curto, de apenas 15 minutos, mas inesquecível”.
Embora tenha ingressado na Naval Air Station Pensacola somente em 2003, o major Mike já é um veterano aviador, com um vasto currículo que inclui experiências reais de combate no Afeganistão, durante a Operation Enduring Freedom. Além disso, já participou de missões pontos do globo, em países como Austrália, Bangladesh, Japão, Cingapura, Coréia do Sul e Tailândia. Ele ingressou nos Blue Angels em 2012 e já acumula mais de 1.500 horas de voo na equipe. O comandante reúne sua tripulação para um característico briefing dos Blue Angels, com as informações sendo apresentadas gritando, no melhor estilo dos fuzileiros navais.
C-130 mantém 24º de nose down durante o pouso
Após o briefing, feito sob as asas do C-130, o major Mike avisa que o voo é realmente radical para quem não está acostumado, pois envolve manobras de alta performance e elevadas cargas g. Seguindo sua sugestão, em vez de voarmos no cockpit, optamos pelo deck de cargas, onde, segundo ele, é possível perceber melhor todas as manobras. “Você sentirá tudo isso sem saber a posição exata do avião, é uma experiência única”, acrescenta. Um grupo de aviadores da Guarda Costeira embarca conosco para sentir a experiência de voar na Fat Albert Airlines.
Cintos afivelados e o sistema de áudio transmite o checklist lido nos moldes dos fuzileiros: “Fueeeeel puuuuumpppp – ooooooooon”. Enquanto acompanhamos os preparativos, o sargento Chris Villalobos faz as vezes de comissário, distribuindo os sacos plásticos para o caso de enjoo e se certificando de que todos estão com os cintos de segurança ajustados e afivelados. “Seu envelope para o caso de enjoo. E não se esqueça: se passar mal e vomitar fora, limpa o avião”, debocha Villalobos, sorrindo e torcendo para que todos passem mal a bordo.
Sem gravidade
Com os motores a pleno, o Hercules segue para o ponto de espera. Enquanto taxia, Macdonald, a oficial de comunicação, pendura-se em uma barra que cruza a cabine do cargueiro e dois outros militares seguram uma “escada” presa literalmente no meio do avião. É o prenuncio de que a decolagem está próxima e que será realmente radical. “Cleeeeeeeaaaaar taaaaakkkkkkeeee-oooofffff”, anuncia o sistema de áudio. E os motores roncam alto... A decolagem será a que os Blue Angels chamam de low-transition/maximum effort climb. Ou seja, após arotate, a pouco mais de 108 nós, nivelamos a menos de 24 pés da pista, mantendo um rasante e acelerando para 173 nós. À baixa altitude, o colchão de ar ajuda a criar uma vibração interna ainda maior do que a sentida normalmente em um C-130. Segundos depois, o chão está a 45 graus, mostrando claramente que subimos com máxima razão. São 5 segundos até nivelarmos. Neste momento, tudo o que está solto na cabine sente a ausência de gravidade.
Descolamos do banco, ficando suspensos uns centímetros no ar, apenas por restrições do cinto de segurança, que luta para nos manter presos a ele. Os militares que estavam segurando na escada agora flutuam mais de um metro longe do chão e a oficial Macdonald está com os pés para o alto segurando na barra próxima à rampa de cargas. Uma enorme pancada contra o assento e percebemos que a gravidade voltou a atuar, colocando todos no chão com grande violência.
Nivelamos a 200 pés e logo o C-130 realiza uma curva de grande inclinação, com um bank angle de 60 graus. Vem, então, a primeira curva para o início da Parade Pass. Forças resultantes da aceleração g fazem o corpo pesar e a câmera passa de 1 kg para mais de 5 kg em segundos. Seguimos acelerando para 260 nós e mantendo um raio de curva apertado, com as asas inclinadas 60 graus em relação ao horizonte. Iniciamos uma descida com uma razão incomum até mesmo para o C-130 e nivelamos já alinhados com a pista, agora cruzando a mais de 370 nós e distantes cerca de 10 metros do solo. É possível saber o limite da cabeceira ao sentir o Hercules subindo rapidamente, para uma nova curva, desta vez realizada com o mínimo de raio e 60 graus de inclinação. Uma curva extremamente apertada nos coloca paralelos à pista. Outra curva de reversão, mantendo o minimus radius turn, e já temos a certeza de que estamos alinhados com a pista. Mais uma passagem rápida e outra curva de alta performance para o corpo começar a sentir as constantes variações de força e a ausência de referência.
Lenda aeronáutica
Exercícios de respiração, assim como sugeriu o major Mike, ajudam, mas a cada curva o corpo pede mais oxigênio. Somos jogados de um lado para o outro, multiplicando várias vezes nosso peso normal enquanto o C-130 brinca com sua enorme sobra de potência e a resistência que o transformaram em uma lenda na aviação mundial.
Se o orgulho briga com o corpo para não passar mal, o Hercules mostra seu ego. Seguimos para uma exibição de ação tática a baixa altura em terrenos acidentados e hostis, desviando de obstáculos rapidamente. O corpo flutua e mergulhamos para o que os militares chamam de assault landing. Temos 24 graus de nose down e logo tocamos a pista. Ronco dos motores com reverso máximo e freios aplicados, e temos uma desaceleração violenta, paramos em menos de 460 m. Conforme desaceleramos, a rampa de carga é aberta e, no cockpit, os pilotos hasteiam a bandeira norte-americana. O cheiro de queimado, uma mistura de borracha com metal, toma a cabine. Logo estamos dando ré, utilizando apenas a força do reverso, parando de frente para o público.
Após o espetáculo, o avião volta a acelerar e taxia até o ponto de parada, onde novamente estaciona utilizando a força do reverso, que, sem qualquer dificuldade, auxilia a manobra do poderoso C-130. Com o assoalho felizmente limpo, desembarcamos com a certeza de que o Fat Albert é um dos responsáveis pela fama dos Blue Angels, que apresenta um dos mais espetaculares shows aéreos do mundo.
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