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sexta-feira, 10 de março de 2017

A implantação dos caças F-5 no Brasil sob a ótica de um tenente

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F-5E Tiger II do 425th TFTS na Williams AFB em 1973 – Foto: Northrop
Por Teomar Fonseca Quírico
Piloto de Caça – Turma 1970
Aproveito o tempo, agora disponível pela Reserva, para resgatar algumas dívidas que acumulei ao longo da carreira com a justificativa da falta de tempo, mas que, na verdade, escondia a velha preguiça de colocar no papel as idéias que tantas vezes pululam em nossas mentes.
Este artigo é um desses resgates, dívida assumida há tanto tempo com meu antigo Comandante de Base e Presidente da ABRA-PC, Maj-Brig Menezes, que sempre me cobrava algumas linhas que falassem da implantação dos F-5 no Brasil. Tanto eu demorei que deu até tempo para meu dileto amigo Schittini, excepcional caçador tanto de pé-e-mão quanto de espírito, escrever um excelente artigo a respeito.
Para não ser repetitivo, vou procurar abranger o período anterior à chegada das aeronaves no Brasil, uma vez que o artigo do Schittini cobriu toda a fase imediatamente posterior a esse evento. Com a finalidade de resgatar a história, vou falar da implantação dos F-5 na FAB, da forma como eu vivi e sob a ótica de um Tenente, posto que eu tinha quando fui selecionado para compor o grupo que se deslocaria para os EUA a fim de fazer o curso da aeronave.
Naturalmente que essa visão é diferente daquela de oficiais mais antigos, que viveram a mesma situação na condição e, principalmente, com a responsabilidade de mando e de decisão, o que poderá suscitar novos artigos que virão enriquecer cada vez mais a história da caça no Brasil.
Meu primeiro contato com o processo de modernização que viria a ocorrer com os F-5 deu-se no ano de 1972, no mês de setembro, durante um churrasco, no Rancho Azul, de encerramento de uma reunião da aviação de caça em Canoas, quando o então Ten-Cel Barros, comandante do 1o. Gp.Av.Ca. e oficial mais antigo dentre todos os comandantes, dirigindo-se em nome da caça ao comandante do COMAT da época, falou que a Caça queria a aeronave Fiat G-91Y para substituir os T/TF-33 que estavam cheios de limitações.
Tal afirmativa decorria da avaliação feita poucos meses antes, quando alguns comandantes de Unidades de Caça tiveram a oportunidade de voar essa aeronave na Itália e voltaram maravilhados com a sua performance, comparada, naturalmente, com a dos TF-33 que voávamos.
T-33 - Coleção Camazano (2)
T-33 da FAB – Foto: Camazano

Ocorre que logo após isso acontecer, os mesmos comandantes tiveram a oportunidade de se deslocar para os EUA onde voaram o F-5A na Base Aérea de Williams. Claro está que já não era mais o Fiat G-91Y o avião dos nossos sonhos, e sim o F-5A, fato que me trouxe um primeiro ensinamento para minha carreira operacional – quando estamos muito defasados tecnológica e operacionalmente com o que existe no restante do mundo, qualquer coisa um pouquinho melhor do que temos já nos cativa o pensamento.
Anos mais tarde eu traduziria essa experiência dizendo que: “…quando a gente não consegue mais entender direito o que está escrito na revista Fighter Weapons(1) , então já passou da hora de atualizarmos nossas aeronaves e, consequentemente, nossos conceitos”.
De qualquer forma, já estávamos no ano de 1973 quando soubemos, lá no Sul, que o Brasil havia comprado não a aeronave F-5A dos E.U.A, e sim o F-5E e a versão biplace do F-5A, o F-5B, uma vez que os F-5F (biplace do F-5E) ainda não existiam naquela ocasião. Soubemos, também, que haveria um processo de seleção dos pilotos que iriam fazer o curso da aeronave nos EUA, e que deveriam ser líderes de esquadrilha (no mínimo) e serem aprovados num exame do idioma inglês.
F-5B 4802 1º GpAvCa, SC, 22abr90 - Camazano
F-5B 4802 1º GpAvCa, SC, 22abr90 – Camazano

Nessa ocasião, a minha turma estava para iniciar o curso de liderança de esquadrilha no 1o/14o G.Av. e nosso comandante decidiu priorizar nossas missões para que pudéssemos participar do processo de seleção. Essa é mais uma dívida que acumulei ao longo da carreira, e devo, à visão e comprometimento com a instituição do então Ten.-Cel. Petersen e do seu Oficial de Operações, Maj.Gatti, a oportunidade que tive, uma vez que, se seguíssemos a rotina normal dos vôos, poderia acontecer de não termos a qualificação exigida no momento necessário.
Creio que foi durante o mês de agosto ou setembro de 1973 que fizemos o teste de inglês na Embaixada Americana, processo ao final do qual logrei êxito em ultrapassar a média mínima exigida. Ao final deste ano fui transferido, “ex-ofício”, para o 1o Gp.Av.Ca., uma vez que era essa a Unidade que seria responsável pela implantação da nova aeronave na FAB. Vieram de Fortaleza o Ten. Bellon e o Ten. Bosco, de Porto Alegre apenas eu, que nos juntamos aos oficiais de Santa Cruz que também haviam passado no exame.
Alienado do jeito que eu era, ainda não sabia que havia dois cursos a serem realizados nos EUA: o curso completo da aeronave, que totalizava cerca de 80 horas de vôo e que cobria todas as missões de emprego operacional, tinha a duração de 10 meses e previa mudança de sede; e o curso de traslado, que cobria apenas a fase de transição diurna e por instrumentos, com cerca de 3 meses de duração, sem direito de levar família.
Corria o mês de fevereiro de 1974 quando saiu o rádio divulgando a seleção dos oficiais para cada um dos cursos. Para o curso completo iriam: o Comandante do 1o Gp.Av.Ca. (Ten.-Cel. Rubens), o S-4(2) do 1o Gp.Av.Ca. (Maj.Gildo), dois capitães comandantes de esquadrilha (Cap. Lazzarini e Cap.Bellon), e dois tenentes (Ten. Carrocino e eu). Para o curso de traslado foram selecionados o Cap. Tacariju, Cap. Berto e Cap. Bosco. Havia, ainda o Maj. Duncan, que faria as missões de transição diurna e de instrumentos tendo em vista a sua designação para compor a Comissão de Fiscalização e Recebimento de Material (COMFIREM) da aeronave em Palmdale.
Não sei, exatamente, qual foi o critério utilizado para essa seleção, mas o meu sentimento, até hoje, foi de que alguns oficiais do Grupo não “engoliram” muito bem minha indicação, como se eu tivesse “caído de para-quedas na Unidade” e tirado uma vaga daqueles que lá já se encontravam. Tampouco soube por que eu iria com o grupo inicial de cinco pilotos e o Carrocino iria mais tarde, sozinho, fazer também o curso completo.
Afora esta questão meramente subjetiva, na minha visão de Tenente, o escalonamento de antiguidade feita na indicação dos oficiais que iriam fazer o curso completo era extremamente salutar – o Ten-Cel Comandante da Unidade: afinal era ele quem devia conhecer tudo sobre a aeronave tendo em vista a sua responsabilidade pelas decisões; o Major, oficial de material, uma vez que a logística é setor fundamental no emprego de uma aeronave nova; dois capitães antigos, comandantes de esquadrilha, para que a vivência operacional dos mesmos proporcionasse condições de se estabelecerem as novas doutrinas de emprego; e dois tenentes para voar e combater, dar instrução e render dividendos para a Força, tendo em vista o longo tempo de serviço à frente.
À época, comparando com a implantação dos Mirage, considerei um passo à frente esse escalonamento de antiguidade e o fato de todos os oficiais fazerem o curso completo da aeronave, uma vez que todos teríamos a mesma base de partida para as discussões relativas ao estabelecimento da doutrina operacional a ser implantada. Além disso, a presença dos dois capitães e dois tenentes na equipe era a certeza de uma permanente disponibilidade para o vôo, fato esse que não ocorria com oficiais mais antigos, tendo em vista o seu maior envolvimento com as questões administrativas da Unidade.
Em verdade corria entre nós, oficiais mais modernos, o papo de que em Anápolis havia um certo “pano preto” para liberar aos oficiais mais novos determinadas missões ou manobras com o Mirage, talvez devido exatamente aos fatos acima citados, situação essa que só se modificou com a chegada de capitães mais novos para voar o avião.
Verdade ou não, o fato é que o sentimento que nutríamos quando embarcamos para os E.U.A, principalmente nós, mais modernos, era de que não faríamos nenhum “pano preto” na formação dos novos pilotos na aeronave, quando do nosso regresso. Olhando agora para trás e analisando a experiência vivida, creio que esse sentimento levou-nos a subestimar um pouco o avião e/ou a superestimar a nós próprios, levando-nos a alguns acidentes e incidentes que poderiam ter sido evitados.
De qualquer forma, embarcamos de 5oA(3) e mala e cuia, no início do mês de junho de 1974, com destino a Lackland Air Force Base (A.F.B.), San Antonio, Texas, onde passamos cerca de dois meses freqüentando um curso do idioma inglês para estrangeiros. À exceção de um oficial médico da Marinha do Brasil, Cmt.Luciano, que se encontrava em San Antonio fazendo um curso de especialização, não havia ninguém mais nos aguardando no aeroporto. Assim sendo, nos aboletamos no carro dele e em outros dois que alugamos, e saímos em busca de um lugar para nos alojarmos.
lackland
O aperfeiçoamento no inglês foi muito interessante, principalmente pelos jargões próprios do dia-a-dia do militar americano, e que acabamos aprendendo. Siglas como GI, TDY, PCS, AWOL, FUBAR, SNAFU e gírias como “scrounge”(4) e outras, passaram a fazer parte do nosso vocabulário e foram de grande valia posteriormente.
GI – Governement Issue (propriedade do governo)
TDY – Temporary Duty (Viagem)
PCS – Permanent Change of Station (transferência de unidade)
AWOL -Absent whitout license (VI)(5)
FUBAR – Fucked Beyond Any Recovery (Danificado além do reparo)
SNAFU – Situation Normal All Fucked Up (Situação normal na maior bagunça)
Entretanto, afora esse aperfeiçoamento do idioma, eu diria que a primeira experiência que tivemos com a USAF foi a pior possível. Lackland, por sediar uma escola de idioma e por reunir todos os estrangeiros que se dirigem à USAF para algum curso, era uma verdadeira babel. Havia militares de variados países e de todos os níveis. Por isso, o nivelamento era generalizado e feito por baixo, e ficamos chocados, ao receber nos folhetos de “boas-vindas”, orientações de como nos comportar, de que não deveríamos furtar nada no BX(6) , e outras coisas nesse padrão.
Recordo-me do dia em que o Ten.-Cel. Rubens recebeu uma comunicação de que devia procurar o “Chief Master Sargeant”(7) para tratar de um assunto pessoal. Pois bem, a forma em que a comunicação estava escrita levou nosso Comandante a perder as estribeiras e a falar para o Comandante americano que na nossa Força Aérea hierarquia é posto e que não havia o caso de um Tenente-Coronel ter que procurar um mais moderno para justificar alguma coisa.
Não obstante todo o ocorrido, conviver com pessoas de diversos países é uma experiência extremamente gratificante, haja vista a singularidade de cada cultura. E se a utopia de um mundo sem guerra passa pelo respeito às diferenças de cada povo, Lackland foi uma boa experiência, creio que até mesmo para o americano, que bem ou mal, acaba aprendendo a respeitar os demais.
Era mais ou menos início de agosto quando nos deslocamos para Phoenix, capital do Arizona, onde se encontrava a Base Aérea de Williams, sede do 425o. Tactical Fighter Trainning Squadron (T.F.T.S.), Esquadrão responsável em fazer a transição para o F-5 de todos os pilotos estrangeiros cujos países tivessem adquirido a aeronave.
Nossa chegada em Phoenix já foi completamente diferente, pois nossos anfitriões do 425o. T.F.T.S. já haviam providenciado um ônibus para pegar-nos no aeroporto, cercando-nos de todos os cuidados que merecia um grupo com crianças pequenas, mulher grávida, etc. (e olha que nessa ocasião ainda não havia a aparelhagem de som do Lazzarini e minha!).
Proporcionaram todo o apoio para que nossa estadia fosse a melhor possível. Não há como negar que, quando a gente chega num ambiente operacional, o tratamento é outro! Nessa ocasião, re-encontramos com os nossos graduados que já lá estavam, e haviam sido indicados para fazer os diversos cursos de manutenção contratados na USAF e nas empresas fornecedoras dos equipamentos.
F-5B da USAF
F-5B da USAF no Vietnam

Williams AFB era uma Base do antigo Air Training Command (ATC), que tinha o 425o TFTS (do antigo Tactical Air Command – TAC) como unidade hóspede. Era uma organização que possuía três pistas paralelas, onde operavam os T-37 e T-38 do ATC e os F-5 do TAC, realizando cerca de 600 saídas diárias, mas que recentemente foi desativada dentro do programa de redução dos efetivos militares nos Estados Unidos.
No que diz respeito especificamente ao 425o TFTS, como foi dito anteriormente, sua missão era fazer a transição dos pilotos estrangeiros para o F-5. Nesse sentido, quando lá chegamos, ainda havia um grande número de pilotos vietnamitas que se preparavam para retornar ao seu país e operar a aeronave no esforço de guerra que ainda era intenso. A maioria dos instrutores de Willians AFB havia retornado recentemente de um “tour” de combate no Vietnam.
Meu instrutor, Capt. Josh Merril, havia voltado de seu segundo “tour” de combate – no primeiro, voando F-100, havia sido abatido durante a recuperação de um ataque, e no segundo, voando F-4, conseguiu concluir o número de missões previstas. Ou seja, o ambiente que encontramos, conquanto de instrução, transpirava experiências vividas e recentes de combate.Talvez por isso, pelas experiências de combate e pelo aprendizado com os pilotos vietnamitas, nosso vôo foi inicialmente cercado de extrema cautela por parte dos americanos. Certamente eles não desejavam repetir os incidentes e acidentes provocados pelos nossos amigos asiáticos e, por isso, entramos numa rotina de instrução padrão 1F-1 (primeira missão de instrução de Caça) no antigo 1o/4o G.Av., em Fortaleza.
Após o período de instrução teórica no Centro de Instrução Técnica (C.I.T.) deles, onde tivemos excelente rendimento (ninguém mandou provocar o Bellon!!), iniciamos nossos vôos de adaptação ao avião. Algumas particularidades são dignas de se destacar, em função daquilo que, posteriormente, implantamos ou tentamos implantar no Brasil.
A primeira delas diz respeito às provas de emergência que, periodicamente o oficial de Segurança de Vôo aplicava a todos os pilotos do efetivo.
Naturalmente nós, brasileiros, também éramos checados da mesma forma. O único grau aceitável era 100% de acerto pois, com qualquer resultado diferente disso, o piloto era suspenso de vôo até realizar uma nova prova com esse rendimento. E para se atingir esse acerto era OBRIGATÓRIO escrever todas as emergências críticas EXATAMENTE como elas se encontravam escritas no “checklist”, inclusive com as mesmas palavras e as mesmas vírgulas.
A tese era a de que, numa emergência crítica, os procedimentos a executar têm que estar na massa do sangue, tipo ato reflexo, sem raciocinar. A nós parecia um exagero essa rigidez, mas não havia reclamação: ou fazia do jeito que eles queriam ou não havia vôo.
Northrop F-5E (Tail No. 11418). (U.S. Air Force)
Northrop F-5E (Tail No. 11418). (U.S. Air Force)

Creio que daí decorre o comentário do Schittini a respeito de um vôo que fizemos juntos, onde minha única observação ao vôo dele foi a de que a rotação de um dos motores no táxi de regresso estava 0,5% defasada do previsto. Êta exagero, mas foi assim que aprendemos, e foi assim que tentamos implantar no Brasil, mas não funcionou.
Não que sejamos piores do que eles, menos padronizados, doutrinados etc. Em verdade somos diferentes deles, temos outra cultura e cada um, a seu modo, é eficiente naquilo que faz.Um outro aspecto digno de realce, diz respeito aos brifins dos vôos da madruga. Em nenhuma situação era dado brifim no dia anterior para o vôo que iria ocorrer na madruga do dia seguinte. Considerando que alguns brifins eram previstos ser de 2:30h, acrescente-se 30 min. para guarnecer, isto significava que para uma decolagem às 07:00h da manhã o brifim iniciava-se às 04:00h da madruga, e a saída de casa às 03:00h da matina!!
A tese era de que alguns comentários ou observações feitas durante o brifim no dia anterior poderiam se perder ao longo do tempo e provocar acidentes exatamente pela não observância do combinado em brifim. E isso é tão mais crítico quanto mais crítica for a missão. Também tentamos implantar isto em Santa Cruz.
Recordo-me de passar diversas vezes de madrugada na Av. Brasil, para participar de brifim para o primeiro vôo da manhã! Creio que durou apenas pouco tempo, e logo voltamos à nossa rotina antiga de brifim no dia anterior e apenas uma recordação dos detalhes da missão imediatamente antes de guarnecer. Uma vez mais: não que sejamos menos doutrinados do que eles, acredito que temos apenas uma outra cultura. Mas é bom realçar como aprendemos no passado, por que talvez em combate real as coisas tenham que funcionar de forma diferente!
Uma outra experiência digna de realce foi uma reunião com o comandante da 9a Força Aérea, força a qual o 425o TFTS estava subordinado, a respeito dos índices de segurança de vôo que as unidades subordinadas estavam tendo. Nesse dia foi suspenso o vôo e dirigimo-nos todos para um auditório localizado numa Unidade, fora de Williams, onde se concentraram todos os pilotos de todas as Unidades de Caça e Ataque subordinadas.
F-4C Phantom II da USAF
F-4C Phantom II da USAF, pronto para receber o armamento

No horário aprazado o Brigadeiro comandante da 9a Força pousou no aeródromo, pilotando o seu F-4 Phantom, dirigiu-se ao auditório e iniciou o brifim apresentando a queda nos índices de segurança de vôo das unidades subordinadas. Recordo-me de ele ter questionado o porquê dos diversos acidentes aéreos nas unidades de ataque, durante treinamentos de combate aéreo, se essa não era a missão precípua das unidades.
Lembro-me de ele ter comentado que não havia necessidade de os EUA entrarem em guerra com a antiga URSS para perderem aviões de combate e, eventualmente, a guerra, por que os seus próprios pilotos já estavam se encarregando de fazê-lo. E como medida corretiva, dirigindo-se aos comandantes e oficiais de operações das Unidades, que estavam todos sentados na primeira fila, ameaçou destituí-los do comando caso não houvesse uma redução no número de acidentes e uma melhora nos índices de segurança de vôo.
Para mim, tenente à época, esta experiência foi um choque – a começar pelo fato de ver um Brigadeiro voando um F-4, segundo pela forma de abordagem do assunto, terceiro pela medida corretiva anunciada e, finalmente, pela nossa própria presença no brifim, estrangeiros que por força da atividade eram tratados de forma igual a seus pares americanos.
Além de vivenciarmos essas experiências, tomamos contato, também, com o Guia de Brifim, que vem a ser um “checklist”, uma orientação para o instrutor contendo toda a seqüência do brifim, e todos os comentários na preparação de uma missão de Caça. A Emergência do Dia, procedimentos durante o Cheque de Última Instância e outros tantos procedimentos que hoje estão incorporados a nossa rotina operacional e que existiam de forma apenas empírica, não sistematizada, na nossa doutrina de então foram, desta forma, padronizados.
Foi dentro desse ambiente que iniciamos nosso vôo, cercados de cuidados extremos por parte dos nossos instrutores.
Claro está que neste mundo de Deus não há nenhuma sociedade genética ou culturalmente predestinada a ser melhor que uma outra. Nossos mestres, veteranos do Grupo de Caça na Itália, já haviam demonstrado que somos tão bons pilotos quanto aqueles dos países mais desenvolvidos do mundo, e a única diferença reside no equipamento que se opera.
E conosco não foi diferente e após um início cercados de extremos cuidados – nosso vôo de 4 aviões foi antológico pela duração e comentários elementares feitos durante o brifim -, logo adquirimos a confiança dos nossos amigos americanos e começamos a nos concentrar naquilo que realmente interessava: o emprego operacional da nova aeronave.
A Base de Williams, por encontrar-se no meio do deserto, tinha quase sempre excelentes condições meteorológicas para o vôo, o que nos dava um baixíssimo índice de abortivas. Apesar destas condições (CAVOK(8) , na terminologia da aviação), nossa ida e regresso da área de instrução era seguindo um rígido procedimento de vôo por instrumentos, com várias trocas de freqüência e contato com diversos órgãos de controle, uma vez que cruzávamos várias aerovias até chegar à área.
Foi a primeira vez que tomei contacto com a aviação civil restringindo o tráfego militar, inclusive nas nossas missões de navegação a baixa altura onde, por diversas vezes, tínhamos de subir para determinada altitude para atender a restrições impostas.
Tempo CAVOK, perfil de vôo por instrumentos! Entretanto, na única vez que o tempo ficou encoberto em Williams, saímos ciscando visual, no meio das nuvens, uma vez que a regra estabelecida desde um incidente num vôo com um piloto vietnamita, proibia o vôo em condições de instrumento com aluno estrangeiro na ala.
Naturalmente que isto provocou um comentário irônico e bem-humorado do nosso Maj. Duncan, que não perdeu a oportunidade para ressaltar as eventuais incongruências da cultura americana.
Tivemos destaque em todas as fases de vôo, mormente na fase de emprego operacional da aeronave, quando vários de nós ultrapassaram as médias de emprego obtidas pelos pilotos americanos. Em verdade, nas trocas de experiências havidas durante as conversas entre os vôos, nossos instrutores sempre reconheciam que voávamos muito bem, infelizmente acrescentando apenas o detalhe de que “voávamos muito bem táticas ultrapassadas no tempo!”
Northrop F-5E (S/N 72-01401) do 425th TFTS, 58th TFTW, Williams Air Force Base, Ariz., em March 1974. (U.S. Air Force)
Northrop F-5E (S/N 72-01401) do 425th TFTS, 58th TFTW, Williams Air Force Base, Ariz., março de 1974. (U.S. Air Force)

Voamos cerca de 80 horas no nosso curso em Williams, onde cumprimos todo o leque de missões possíveis de se realizar. Pela primeira vez tomamos contato com a missão de tiro aéreo sendo realizada contra um dardo (que era de madeira revestida de alumínio)(9) , num circuito em “8”, com tiro livre durante as curvas, sendo uma ascendente e a outra descendente. Era novidade, era operacional, mas era caro, e talvez por isso não tenhamos conseguido manter essa missão após alguns anos no Brasil.
Nossas missões de interceptação sempre envolviam um “Ground Controlled Interception” (G.C.I.), e aprendemos a incluir nossos controladores nos brifims para um perfeito trabalho de equipe quando em vôo. Realizamos, também, missões operacionais que terminavam num estande tático, com emprego de munição inerte de treinamento.
Finalmente, no pacote das missões de combate, aprendemos a manobrar em linha de frente tática, dentro dos conceitos de caça engajado e caça livre, conceitos que mudaram por completo a forma com que vínhamos executando essas missões no Brasil.
Nesse sentido, vale a pena questionar se hoje, decorridos 29 anos do nosso curso na USAF, ainda estamos voando os mesmos conceitos de Linha de Frente Tática, Caça livre, Caça engajado, posição de cobertura, etc, pois estes conceitos foram desenvolvidos numa época em que não existiam os mísseis BVR(10) , mísseis “all-aspect”, sistemas AWACS(11) , Data-link e outros que certamente modificaram nossa arena de combate.
Pela experiência vivida temo que, uma vez mais, estejamos voando muito bem, táticas defasadas no tempo e que tenhamos retornado ao patamar em que estávamos quando fomos fazer nosso curso de F-5, mas isso é papo para uma outra ocasião.
No início de janeiro de 1975 concluímos nossas missões de treinamento em Williams. Durante todo esse período, somente os brasileiros estavam realizando curso no 425 oTFTS. Apenas no final, foi que apareceu uma equipe de Taiwan na qual havia um tenente, que também iria realizar o curso completo da aeronave.
Durante esse período conversávamos muito a respeito de como conduzir a implantação da aeronave no Brasil, quando do nosso regresso. Estou certo de que o fato de termos na equipe o Comandante da Unidade, o Oficial de Material e dois capitães antigos (ambos comandantes de esquadrilha), favoreceu sobremaneira, a forma como tudo ocorreu posteriormente, pelo menos no que diz respeito à doutrina de emprego do novo avião.
De Williams deslocamo-nos para Palmdale, Los Angeles, onde estava a fábrica da Northrop e a nossa COMFIREM, e aonde receberíamos nossas primeiras aeronaves para o traslado para o Brasil. Nosso Comandante definiu a equipe que faria o primeiro traslado, e eu estava entre os pilotos indicados.
Fizemos os vôos de experiência nas primeiras aeronaves F-5B recebidas pela nossa COMFIREM e, à exceção de um pequeno problema surgido com o Lazzarini (que durante um estol de tráfego acima de 20000 pés teve “flame-out” em uma das turbinas que acabou motivando uma “Change” na TO-1(12)), tudo correu conforme previsto.
No dia 06 de março iniciamos o traslado das três primeiras aeronaves para o Brasil, três F-5B, e cruzamos com o Ten. Carrocino em San Antonio, iniciando sozinho o périplo que havíamos concluído. Pousamos no dia 12 de março de 1975 na Base Aérea do Galeão, dando início a uma nova era na Aviação de Caça do Brasil.
Para mim, ainda Tenente à época, foi um privilégio ter participado de tão nobre missão. Mas acima de tudo, foi para mim uma honra e um privilégio ter tido a oportunidade de conviver com oficiais mais antigos do mais alto gabarito, profissionais na mais ampla acepção da palavra, que me ensinaram o verdadeiro sentido do dever e de compromisso com a nossa instituição e que tanto contribuíram para o engrandecimento da Força Aérea e, em particular, da Aviação de Caça Brasileira.
Teomar Fonseca Quírico
Piloto de Caça – Turma 1970
NOTAS
(1) “Fighter Weapons” = do inglês “armas da aviação de caça (combate)”. Trata-se do manual técnico que descreve a utilização e desempenho de variados armamentos aéreos.
(2) S-4 = designação da área de material de um esquadrão. As outras áreas são respectivamente S-1 pesssoal, S-2 informações e S-3 operações.
(3) Uniforme 5o A = uniforme da FAB que naquela época equivalia ao passeio completo (calça, túnica e capa do quepe na cor azul baratéia, sapato preto, camisa azul clara e gravata preta).
(4) “scrounge” = é um verbo em inglês ( to scrounge) que tem o significado de “surrupiar” em benefício do serviço. Por exemplo tirar uma peça do suprimento do esquadrão vizinho para concertar o avião do seu esquadrão.
(5) V.I. = vôo por instrumentos. Na gíria da FAB significa sair do quartel sem autorização oficial (fugir).
(6) “BX” = do inglês “Base Exchange”. É o reembolsável (supermercado) da Base Aérea.
(7) “Chief Master Sargeant “= traduzido por “Chefe dos Sargentos”. A Força Aérea Americana tem cinco graduações de sargentos ( sargeant, staff-sargeant, technical-sargeant, master-sargeant e chief master-sargeant. Na FAB só temos três graduções ( terceiro, segundo e primeiro). O mais aproximado seria chamá-lo de “Sub-oficial mais antigo”.
(8) CAVOK = código utilizado em meteorologia aeronáutica para designar que a visibilidade atmosférica está maior do que 10 km, que não existem nuvens abaixo de 1.500 metros e que não há turbulência nem trovoadas. Vem do inglês “Ceiling And Visiblity OK”, ou seja: teto e visibilidade “jóia”!
(9) Dardo = alvo rebocado para ser utilizado em tiro aéreo. Tratava-se de um planador similar a uma gaivota de papel. Era feito de estrutura tipo “favo de mel” de papelão recoberto por fina camada de alumínio. Tinha aproximadamente uns 4 metros de comprimento.
(10) “BVR” = do inglês “beyound visual range” (mísseis que podem atacar alvos além do horizonte visual do piloto).
(11) “AWACS” = do inglês “airborne warning and control system” (aeronave que executa controle e o “alerta” de tráfego aéreo na área combate).
(12) “TO-1” = do inglês “technical order” ou seja: manual “ordem” técnica. Em aviação os vários manuais referentes a uma aeronave são agrupados por números. O manual “traço um” (-1) é direcionado aos pilotos.

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