A Suécia é um país neutro. Ou seja, não assume nenhum lado durante uma guerra entre outras nações, e em retorno espera não ser atacado por quaisquer delas. Para reforçar essa posição, em vigor desde 1815, e não depender de ninguém para se defender, os suecos, mesmo com poucos recursos, criaram um arsenal de combate respeitável, com projetos originais e peculiares, como foi o caça supersônico Saab J 35 Draken, o Dragão.
A indústria aeronáutica sueca estava estabelecida logo no início dos anos 1950. Nesse tempo, a Saab já havia desenvolvido os caças a jato J 29 Tunnan, que voou pela primeira vez em 1947, e o J 32 Lansen, de 1952. Ambos foram considerados aviões extraordinários, mas ainda não voavam na velocidade do som, como já faziam o F-100 Super Sabre nos EUA e o MiG-19 na URSS. E a resposta da Suécia para essas ameaças veio em dobro.
A fabricante sueca pulou a etapa de projetar uma aeronave capaz de voar a Mach 1 (1.225 km/h ao nível do mar) e partiu logo para algo capaz de superar Mach 2, duas vezes a velocidade do som, o equivalente a 2.448 km/h. Pensando no longo prazo, o programa do primeiro caça supersônico sueco foi iniciado em 1949, ano em que a força aérea do país (Flygvapnet) lançou um pedido por um caça superior ao Tunnan.
Os requisitos eram extremamente exigentes, ainda mais se levado em consideração a tecnologia da época. A Flygvapnet pediu um caça supersônico, capaz de voar a cerca de 1.700 km/h, com alta velocidade de subida e uma excelente altitude operacional, para alcançar bombardeiros nucleares.
Além da necessidade da alta performance, o avião ainda teria de ser fácil de manter, mesmo por pessoal não especializado, e condições de operar sob as mais duras condições climáticas da Suécia, inclusive no inverno, e pousar e aterrissar em “bases aéreas de emergência”, no caso as estradas do país. Outra pedido na lista era a capacidade de realizar ataques contra alvos terrestres.
Dragãozinho
Para alcançar a alta velocidade e altitude exigidos pelo comando aéreo sueco, a SAAB decidiu fazer um caça com asas em delta, ou melhor, em “duplo-delta”. O conceito foi exaustivamente testado com modelos em escala reduzida em tuneis de vento e no “banco de ensaios” voador, o protótipo Saab 210 Lilldraken (Dragãozinho, em sueco).
A partir de 1952, o Lilldraken impulsionado por um motor turbojato realizou mais de mil voos testando diversas configurações. E a estranha asa, com bordas em diferentes ângulos, se mostrou acertada. O avião de testes não só podia alcançar grandes velocidades, como também era altamente manobrável, atributos que seriam potencializadas no Draken.
O primeiro protótipo do J 35, já nas dimensões do modelo de série, decolou pela primeira vez no dia 25 de outubro de 1955, nove meses depois do Dassault Super Mistère, o primeiro caça supersônico desenvolvido na Europa. Mas o caça francês voava a apenas Mach 1,1, marca que acabou pulverizada pelo Draken ainda na década de 1950.
O desenvolvimento do Draken, porém, foi dos mais complexos. Até o avião entrar em serviço foram precisos mais cinco anos de testes, avaliações e modificações no projeto. O modelo foi declarado operacional somente em 1960, quando a força aérea sueca recebeu seus primeiros caças que podiam voar a velocidade supersônica, lado a lado ou até mais rápidos que as potenciais ameaças que voam pelos arredores da Suécia durante a Guerra Fria.
As garras do Draken
O primeiro Draken plenamente operacional foi o J 35B (“Bertil”), introduzido em 1961. Essa versão do caça podia disparar alguns dos armamentos mais avançados desse tempo. Também era o início da era dos mísseis, e o avião da Saab podia levar os modelos Rb24, guiado por calor, e Rb27, orientado por radar. Esses mísseis eram as versões suecas dos mísseis norte-americanos AIM-9 Sidewinder e AIM-26 Falcon, fabricados sob licença na Suécia.
Para treinar os novos pilotos supersônicos suecos, a Saab desenvolveu a versão Sk 35C (Sk de Skolflygplan – “Avião Escola”), com dois assentos. Mas foi a partir das evoluções acrescentadas na série J 35D (“David”) que os pilotos tripantes da Flygvapnet começaram a arrepiar seus capelos por baixos dos capacetes.
O J 35D recebeu melhorias no sistemas de armas de ataque ao solo e o motor, fornecido pela Volvo, ganhou mais potência. Com o fôlego renovado, agora o Draken foi liberado para voar a Mach 2. Até então, a velocidade do caça era limitada em 1.900 km/h. A versão D ainda originou o modelo J 35E (“Erik”), especializado em missões de reconhecimento, com o nariz e asas adaptados para levarem até sete câmeras fotográficas.
O modelo seguinte, o J 35F (“Filip”), introduzido em 1965, foi a versão mais numerosa do Draken, com mais de 400 unidades produzidas – ou convertidas para o padrão F. Nesse modelo, a Saab redesenhou o cockpit e acrescentou um pós-combustor mais avançado no motor, o que aumentou a capacidade de aceleração e subida do caça em 25% em relação ao já potente J 35D.
As modificações do J 35F ainda incluíam tanques de combustível maiores, o que elevou a autonomia da aeronave, e mais dois pontos de fixação de armamentos. Ao todo, o caça podia levar até oito mísseis – três em cada asa e mais dois sob a fuselagem.
Nos anos 1970, os pilotos suecos levaram o Draken ao limite com manobras que antes eram consideradas impossíveis. A mais famosa era a “Cobra Sueca”, em que parte traseira do caça assumiu a frente por um breve momento e depois retornava a posição original, como o bote de uma cobra. Essa manobra foi aperfeiçoada pelo piloto russo Viktor Pugachev, que a bordo do caça Sukhoi Su-27 executou a “Cobra de Pugachev“, com um movimento ainda mais impressionante.
O Draken é o que pode se chamar de “caça-compacto”. A aeronave tinha apenas 15,3 metros de comprimento e 9,4 m de envergadura de asas. Também era leve: a versão J 35J pesava 7,420 kg e podia decolar com peso máximo de 12.430 kg.
A configuração de combate típica do Draken era composta por dois mísseis Rb24, dois Rb27 e dois tanques de combustível com capacidades entre 500 litros e 1.275 l cada. Com esse leque de armas (e os tanques de maior capacidade), o caça sueco podia percorrer cerca de 3.250 km ou permanecer voando por cinco horas, em missões de patrulha aérea.
A última versão do Draken foi o modelo J 35J (“Johann”). Nessa versão, proposta no início da década de 1980, o já então veterano dragão sueco entrou na era digital com um pacote especial de conversões. As novidades eram o radar de maior alcance (de 40 km para quase 80 km), motores de menor consumo e sistema de armas no “estado da arte” daquela era, habilitando o caça a utilizar armamentos mais precisos.
Sucesso de exportação
A Suécia também ofereceu o Draken para exportação, mas somente para países neutros. Essa política, no entanto, acabou escondendo do mundo um avião de combate de oferecia boa performance por preços competitivos. O caça da Saab venceu quase todos os contratos que disputou, superando concorrentes de peso, com o Lockheed F-104 Starfighter e o Dassault Mirage III.
Os usuários estrangeiros do J 35 foram a Finlândia, Dinamarca e Áustria – os dois últimos ainda eram nações neutras (reconhecidas pela ONU) quando compraram o Draken. A Suíça foi o único país neutro que recusou a proposta sueca, optando pelo caça da Dassault.
O J 35 e suas diversas versões voaram com a força aérea da Suécia de 1960 até 1999, quando os últimos modelos foram finalmente substituídos pelo ainda mais avançado JAS 39 Gripen, e não pelo Vigeen. O Draken foi o primeiro exemplo da indústria aeronáutica sueca no segmento de aeronaves de combate e superioridade aérea, resultando em avanços que permitiram o desenvolvimento do Gripen NG, o próximo caça de defesa do país escandinavo e também da Força Aérea Brasileira.
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