Companhias aéreas com grandes frotas de aeronaves não funcionam plenamente sem um centro de manutenção próprio e consertar um avião não é tão simples como reparar um ônibus. Esses centros funcionam 24 horas por dia em ritmo de fábrica, com milhares de funcionários e incontáveis processos que envolvem desde costureiros a químicos e especialistas em computadores de última geração, entre muitos outros profissionais.
A Tam Linhas Aéreas possui a maior “oficina” de aviões do Brasil e da América Latina, em São Carlos, no interior de São Paulo. A instalação, no mesmo terreno do Museu Asas de um Sonho (com atividades temporariamente suspensas), tem capacidade para realizar serviços de manutenção em mais de 220 aeronaves comerciais por ano.
E a companhia abriu seus hangares com exclusividade para o Airway e mostrou todos os processos realizados em seu centro de manutenção. A instalação completou 15 anos neste mês com números expressivos e uma coleção de certificações de autoridades aeronáuticas de diversos países.
Por dentro da “fábrica da Tam”
Dona da maior frota de aeronaves comerciais do Brasil, com mais de 160 aparelhos, a Tam precisa de um centro de manutenção com dimensões colossais. São quatro hangares, sendo um deles “tamanho família”, capaz de receber ao mesmo tempo dois jatos widebodies (de grande porte), como os Airbus A330 e Boeing 767 da empresa. E o que acontece ali dentro é impressionante.
Assim como os automóveis, aviões também têm um cronograma de revisões programadas pelo fabricante, determinadas por tempo, ciclos (pousos e decolagens) e horas de voo (a “quilometragem” da aviação). São os chamados “checks”, que no Centro de Manutenção da Tam podem levar de quatro a até 34 dias para serem concluídos, dependendo dos processos aos quais a aeronave deve ser submetida.
Os aviões chegam ao centro a partir do aeroporto de São Carlos, que fica ao lado da instalação da Tam. Os modelos enviados ao “Check C”, um profundo processo de manutenção realizado em aeronaves comerciais em média a cada dois anos, são praticamente desmontados peça por peça, revisados por centenas de especialistas, testados à exaustão e remontados com extremo cuidado para voar novamente.
O tamanho e o ritmo de trabalho frenético do Centro de Manutenção da Tam é muito parecido com o de uma fábrica. O processo é uma linha de desmontagem e montagem, onde as “entranhas” dos aviões são enviadas a laboratórios e salas com clima controlado operados por profissionais que mais parecem cientistas.
“Os checks realizados no Centro da Manutenção da Tam são certificados pelas principais autoridades da aviação mundial. Os processos realizados aqui são fundamentais para manter os níveis de conforto e, sobretudo, segurança de nossa frota de aeronaves. E nós levamos isso muito a sério, mais do que muitos passageiros podem imaginar”, contou Alexandre Peronti, que começou no centro da Tam como estagiário de engenharia em 2001 e hoje é o diretor do complexo em São Carlos.
Costureiros, químicos, engenheiros e “nerds”
Os diferentes componentes desmontados dos aviões da Tam são enviados para 24 oficinas diferentes, cada uma com função específica. Um dos processos mais sensíveis é a revisão dos computadores de bordo, que são realizados por verdadeiros mestres em computação com ajuda de supercomputadores avaliados em US$ 3 milhões de dólares equipados com softwares que custam outras dezenas ou até centenas de milhares de dólares.
Uma aeronave como o Airbus A320 possui quase uma centena de computadores, com funções de navegação, piloto-automático, controle de radar, comandos, entre outros. A caixa-preta, que na verdade é laranja, também é analisada periodicamente nessa oficina. Todos esses componentes são retirados do avião, desmontados e testados, em processos que envolvem muitos fios, gráficos eletrônicos e uma delicada limpeza das placas de circuitos realizada manualmente com pinças “aterradas” para não disparar eletricidade estática nas peças.
A Tam também possui a oficina de radomes melhor avaliada da América Latina, segundo o FAA, o departamento de aviação civil americano que é referência mundial no assunto. Para quem não sabe, radome é o “nariz” do avião e atrás dele fica escondido o radar. E trata-se de uma peça extremamente complexa, que exige um manejo cuidadoso e mãos habilidosas.
O radome é uma superfície que ao mesmo tempo deve ser resistente, para suportar a força aerodinâmica e eventuais “birdstrikes” (choque com pássaros), e translúcida para permitir o “vazamento” das ondas de radar. Por isso, o componente é construído com uma combinação de tecidos especiais, fibra de carbono e mantas de titânio.
As rampas de fuga dos aviões também são testadas periodicamente em uma sala especial com carpete para danificar ao material. Após inflados, os equipamentos devem permanecer estáveis por seis horas. O centro de manutenção da Tam também possui um exército de costureiros com máquinas de corte a laser, responsáveis por produzirem os estofamentos dos assentos (de passageiros e tripulantes) das aeronaves – a Tam troca as coberturas das poltronas de seus aviões a cada um ano e meio.
Há ainda oficinas de motores, hangar de pintura, manutenção de freios e rodas, revisão de geradores elétricos e trens de pouso e até uma gráfica de adesivos, onde a Tam imprime suas próprias etiquetas de alertas e informações aos passageiros.
“Os funcionários do centro da Tam sempre participam de cursos de atualização, alguns até fora do Brasil. O time ainda trabalha com uma filosofia de melhoramento contínuo, sugerindo diversas formas que tornam os processos mais eficientes e menos onerosos”, contou Peronti, durante nossa visita pelas oficinas.
“Joia” de São Carlos
O Centro de Manutenção da Tam emprega atualmente cerca de 1.300 pessoas distribuídas em três turnos, sendo mais da metade natural de São Carlos. A chegada da companhia a cidade no interior de São Paulo fez crescer o número de oportunidade de empregos de alta formação na região e também movimentou as universidades, que investiram em cursos de especialização aeronáutica.
“Quando a Tam chegou a São Carlos eu estava no último semestre de engenharia mecânica com enfase em indústria aeronáutica. Fui aprovado no programa de estágio e nunca mais saí”, contou o diretor do centro, que circula pelas oficinas de terno, bota com bico de proteção e capacete.
As oficinas da empresa também podem ser contratadas por outras companhias aéreas nacionais e estrangeiras ou até clientes privados e militares. E a prefeitura de São Carlos tem planos que podem ajudar a aumentar a movimentação do centro de manutenção da Tam.
O aeroporto de São Carlos poderá se tornar em breve um terminal internacional, o que permitirá a clientes estrangeiros enviarem suas aeronaves diretamente para as mãos da Tam sem a necessidade de passar por um aeroporto internacional tradicional. Essa mudança também livra as companhias-clientes de impostos de importação temporária, como ocorre atualmente.
Aviões, especialmente modelos com motores a jato, são máquinas de altíssima complexidade e mantê-los em ordem é um trabalho árduo e burocrático que muitos passageiros nem imaginam enquanto observam a paisagem do alto pela janela da aeronave.
O Centro de Manutenção da Tam também faz parte do grupo Latam, por isso atende com frequência aeronaves da Lan Airlines, companhia chilena parceira da empresa brasileira. As instalações de manutenção das duas companhias – o centro da Lan fica em Santiago do Chile – dão conta da manutenção de 70% da frota combinada das empresas, que passa de 320 aeronaves.
“É um trabalho que nunca termina e a cada dia aumenta, por isso, temos que estar sempre preparados”, completou o “chefe” das oficinas da Tam, que também ficou de olho para que eu não tocasse em nada e não apertasse nenhum botão.
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