Por Vinícius Casagrande
A remota ilha de Santa Helena, território ultramarino britânico no Atlântico Sul, conhecida por ter sido o exílio de Napoleão Bonaparte, não podia ter voos comerciais por causa de seus ventos fortes de até 90 km/h.
Isso mudou com a ajuda de um avião brasileiro. A única aeronave que provou ter condições de fazer essa ligação comercial com segurança foi o E190, da fabricante brasileira Embraer.
O aeroporto de Santa Helena foi concluído em meados do ano passado após investimentos de 285 milhões de libras esterlinas (R$ 1,2 bilhão). No entanto, logo após a entrega das obras, ele chegou a ser chamado de “o aeroporto mais inútil do mundo”.
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No dia 14 de outubro, a ilha de Santa Helena recebeu o primeiro voo da companhia aérea Airlink, uma subsidiária da South African Airways, com um avião Embraer 190. A rota parte de Johannesburgo, na África do Sul, e faz uma escala em Windhoek, na Namíbia.
Aeroporto foi considerado inseguro por causa dos ventos
Nos primeiros testes realizados com um Boeing 737-800 da companhia aérea Comair, uma subsidiária da British Airways, as fortes rajadas de vento próximas à cabeceira da pista fizeram com que a companhia desistisse de voar para a ilha. Os pilotos do voo de teste tiveram de fazer três arremetidas até conseguirem pousar somente na quarta tentativa.
No relatório apresentado, os pilotos afirmaram que o aeroporto local não apresentava as condições mínimas de segurança para a operação de voos comerciais regulares.
A pista de 1.950 metros foi construída no alto de uma montanha entre dois rochedos. Isso faz com que a área final da aproximação para o pouso tenha fortes rajadas de vento, que mudam constantemente de direção e velocidade e podem chegar a mais de 90 km/h.
Embraer 190 fará voos regulares para a remota ilha de Santa Helena (foto: Divulgação)
Pilotos brasileiros decidiram desafiar os ventos
Os pilotos brasileiros da Embraer, no entanto, avaliaram que o jato produzido pela fabricante brasileira tinha condições de operar com segurança na ilha. O comandante Guilherme de Miranda Cará, diretor de treinamento e operações de voo da Embraer, decidiu utilizar o primeiro protótipo do Embraer 190 para fazer testes na ilha. “A gente sabia que tinha o avião ideal para voar ali”, afirma.
Antes de decolar rumo à ilha de Santa Helena, toda a equipe de testes fez diversos voos nos simuladores do avião, reproduzindo as mesmas condições que encontrariam no local. Depois de concluir o treinamento, a equipe do comandante Cará partiu de Recife (PE) com destino à ilha de Santa Helena.
O avião utilizado estava equipado com diversos sensores para captar todos os dados necessários para uma análise precisa sobre as condições de pouso no aeroporto local. Durante os testes, foram feitos 12 pousos. Algumas arremetidas foram feitas apenas para coleta de dados.
“Fomos muito bem preparados, e os dados coletados mostraram que é possível operar com segurança. Provamos com dados, e deixou de ser apenas uma opinião dos pilotos. Mas, realmente, é um aeroporto que exige uma condição especial”, afirma o comandante Cará.
Antes dos testes feitos pela Embraer, a Airlink não tinha nenhum avião Embraer 190, apenas do modelo Embraer 145. Com a possibilidade de voar para a ilha de Santa Helena, a empresa adquiriu 13 aviões do modelo 190, que também serão utilizados em outras rotas da empresa. “Mas, com certeza, isso foi um diferencial importante”, afirma Cará.
Um avião “esportivo”
O comandante afirma que as operações com o avião brasileiro foram possíveis em virtude de algumas características particulares do Embraer 190. “Nosso avião é extremamente fácil de operar e com muita performance e potência disponível. Ele tem uma pilotagem que eu diria que é quase esportiva”, diz.
Os aviões devem pousar sempre com o vento de frente. Com ventos traseiros, há diversas restrições, pois os aviões devem se aproximar com velocidade maior em relação ao solo e têm mais dificuldade para frear. Nessas condições, normalmente, os ventos não podem ser superiores a 18 km/h. No caso do Embraer 190, o avião pode pousar com ventos traseiros de até 28 km/h.
Com isso, caso encontre rajadas de vento muito fortes em uma cabeceira, os pilotos têm mais condições de inverter o sentido da aproximação e pousar pela cabeceira oposta. No caso do aeroporto de Santa Helena, é justamente a cabeceira que tem a predominância dos ventos frontais a que tem mais rajadas de ventos causadas pelo relevo do terreno.
Outro ponto apontado pelo comandante Cará como diferencial do Embraer 190 para pousar no aeroporto de Santa Helena é o sistema de controle de potência dos motores, que permite que os comandos manuais dos pilotos se sobreponham ao controle automático. “Isso permite uma resposta mais rápida e foi fundamental para o avião receber a autorização para pousar em Santa Helena”, afirma.
Airlink comprou 13 aviões do modelo E190 (foto: Divulgação)
Mudanças nos procedimentos de pouso
Para pousar na ilha de Santa Helena, os pilotos da companhia aérea Airlink também tiveram de receber um treinamento especial. O aeroporto local é classificado com de categoria C, o que exige uma preparação diferente dos pilotos. Outros aeroportos de categoria C são Santos Dumont, no Rio de Janeiro, Congonhas, em São Paulo, e London City, em Londres, na Inglaterra.
Para a operação em Santa Helena, os pilotos da Embraer determinaram algumas modificações nos procedimentos de aproximação para pouso. A descida, por exemplo, deve ser realizada com um ângulo maior. “Isso faz com que o avião passe por cima das zonas de turbulência”, afirma o comandante Cará.
Outra mudança está relacionada ao desligamento do piloto automático do avião. Normalmente, ele é desligado somente alguns segundos antes do pouso. Em Santa Helena, a determinação da Embraer é que os pilotos assumam os controles do avião no início do procedimento de aproximação para o pouso, de três a quatro minutos antes do pouso. A intenção é que o piloto não seja pego de surpresa caso tenha de fazer alguma manobra em função das rajadas de vento.
A preparação dos pilotos da companhia aérea Airlink pode ser feita nos centros de treinamento da Embraer em São José dos Campos (SP), em Nashville, nos Estados Unidos, ou em Lisboa, em Portugal. No primeiro semestre do ano que vem, a empresa vai abrir um novo centro de treinamento em Johannesburgo. O projeto está sendo feito em parceria com a própria Airlink.
A ilha de Napoleão
A ilha de Santa Helena é conhecida por ter servido de exílio a Napoleão Bonaparte após ser derrotado na batalha de Waterloo. A casa onde ele morou — com o mobiliário original — é uma das principais atrações turísticas da ilha.
Durante séculos, a ilha viveu isolada do mundo. O único acesso possível era feito pelo navio St. Helena, do Royal Mail, que leva cerca de cinco dias para chegar à ilha. Nas próximas semanas, a ilha também deve ganhar seu primeiro hotel de luxo