Ironicamente o Electra II começou muito mal! Nascido no final dos anos 50, o quadrimotor americano incorporado por empresas do porte como American Airlines e Eastern Air Lines parecia ser mais um acerto vitorioso da Lockheed, fabricante de um sucesso anterior como o Constellation. Tudo mudaria em Fevereiro de 1959, no começo daquele mês o primeiro Electra II da American, matriculado N6101A se acidentou, ainda que a investigação inocentasse a aeronave, ficou a mancha sobre o modelo. Meses depois, em 29 de Setembro de 1959, o N9705C da Braniff International desapareceu sem qualquer pedido de socorro, sua asa foi encontrada bem distante do local onde os destroços foram localizados. Era a deixa para o FAA paralisar a operação de todos os modelos. Sem nenhuma evidência, os aviões retornaram ao voo. Em 17 de Março de 1960, o N121US da Northwest voava entre Chicago e Miami, um piloto da USAF descreveu o seguinte cenário: um, dois, três flocos de fumaça branca e por fim um rastro de fumaça negra marcando no céu azul um arco finalizando em um pasto, o resultado? Foram 63 mortos, alias 64, o avião morria ali, empresas cancelavam encomendas, políticos pediam a interdição “forever” do tipo nos céus do país. Não menos importante, os jatos surgiam, tal como Caravelle, DC-9, Boeing 737, somado ao fator rejeição da clientela, por que voar o Electra II? Ferida, a Lockheed partiu para uma investigação profunda que detectou que uma fraqueza estrutural transmitia a vibração dos motores para a asa, que devolvia para o suporte do motor e neste vai e vem insano, a asa “pulava fora” da aeronave. Foram 160 aeronaves foram fabricadas e todas retrofitadas pelo fabricante.
A American Airlines queria se livrar do avião e o disponibilizou ao mercado, fato que não passou despercebido por Linneu Gomes, fundador da REAL e este tratou de adquirir cinco aviões junto a American. No entanto, os aviões nem vestiram o uniforme verde da REAL, a empresa foi vendida para a VARIG. Rubem Berta, então presidente desta, ordenou o cancelamento da encomenda e fracassou. Em 9 de Setembro de 1962 chegou o primeiro Electra II, matriculado PP-VJM (felizmente preservado no Museu Aeroespacial no Rio de Janeiro). O avião foi aplicado em rotas domésticas e até voos entre Recife e Lisboa (via Ilha do Sal), o chamado Voos da Amizade. Trazia um bom conforto, sem poltrona do meio, uma “salinha” na parte traseira que se tornou um verdadeiro clube dentro da aeronave. Começava ali uma história de 29 anos de operação nos céus brasileiros. Até a chegada dos Boeing 727-100 na VARIG, o Electra II foi o rei soberano nas rotas domésticas da companhia.
A sorte do avião mudou em 1975, uma decisão do então D.A.C (Departamento de Aviação Civil) dizia: apenas quadrimotores na ponte aérea. Sobrava quem nessa decisão? Os Vickers Viscount da VASP e os Lockheed Electra II da VARIG. Adeus para o Dart Herald, Fairchild FH227 e NAMC YS11. Desta data até 1991 o Electra II se tornou o ícone da mais prestigiada e importante rota do Brasil, a Ponte Aérea RIO-SP. Nada mais, nada menos que 9 dezenas de voos diários com este tipo. O sucesso era tal que a VARIG foi atrás de mais 4 aviões, no final dos anos 70 e meio dos anos 80. Vale um parêntese aqui, um empresário trouxe um Electra em configuração executiva, o PT-DZK, de Baby Pignatari, operado entre 1971 e 1976.
Os anos 80 trouxeram cobranças quanto a aposentadoria da aeronave, mas Hélio Smidt, então o manda-chuva da VARIG era completamente apaixonado pelo avião e protegia a sua paixão a todo custo, a pressão vinha da VASP e TransBrasil, as duas eram “obrigadas” a locar os aviões da VARIG para seus voos na Ponte Aérea, para a Cruzeiro não fazia diferença, sua dona era a VARIG. Mas o velho Smidt morreu em 1990, sua união ao avião era tal que o traslado do corpo entre GRU e CGH foi realizado em um Electra, o PP-VLC, no dia seguinte durante o enterro, uma esquadrilha de Electras sobrevoou o cemitério, mas junto ao esquife, descia também a proteção do aeronave e a pressão política da VASP, então privatizada, fez com que o Boeing 737-300 se tornasse apto para a rota e assim em 11 de Novembro de 1991 o PP-SOL da VASP entrou na malha do pool, seguido do PP-VOS e PP-VOT da VARIG, no final do mês o PT-TEH da Transbrasil entrou no samba e assim os Electra II iniciaram o seu phase-out.
O ano 1992 mal havia iniciado, era 5 de Janeiro, um domingo, o PP-VJN, famoso por ser o “Electra Assombrado” – ver mais aqui – transportou o últimos passageiros pagantes, a segunda-feira amanheceu com os aviões PP-VJN e PP-VJO escalados para voos de despedida com passageiros frequentes, autoridades, gente famosa e imprensa. Coube a dupla de comandantes Sergio Lott e Pedro Goldstein executarem tais voos. Ao cortar os motores, o PP-VJN virava uma folha inesquecível da aviação comercial Brasileira. Em raro bom senso no que se refere a preservação histórica no Brasil, o PP-VJM, primeiro de todos, foi trasladado para o Campo dos Afonsos e lá está para os visitantes do MUSAL. Os demais aviões foram alocados para venda e não tiveram muita sorte, foram o antigo Zaire em uma odisseia incrível – contada aqui – pelo Lito do Aviões e Músicas, que “se fez mecânico” justamente nesta icônica aeronave. Vale muito mesmo ler o seu relato sobre a operação do avião no continente Africano.
Costumo dizer que alguns aviões vestem uma pintura e se torna até difícil admirar o tipo com outra roupa, por exemplo Boeing 737-200, eu vejo um VASP nas cores 1986-2005 na minha frente é instantâneo, o Boeing 767-200 e o arco-íris da TransBrasil, o DC10-30 Intercontinental na VARIG, as vezes até podemos ver beleza em um tipo com outra roupa, mas no caso do Electra, ele é VARIG, não há outra combinação possível ao equipamento.
PP-VJL (1024) – 1962/1993 – Seguiu para Blue Airlines como 9Q-CDK
PP-VJM (1025) – 1962/1992 – Preservado no MUSAL
PP-VJN (1037) – 1962/1993 – Seguiu para Blue Airlines como 9Q-CDI, acidentado em 02.1999
PP-VJO (1041) – 1962/1993 – Seguiu para Filair como 9Q-CXU
PP-VJP (1049) – 1962/1970 – Desmontado após incidente em Porto Alegre.
PP-VJU (1119) – 1967/1993 – Seguiu para Blue Airlines como 9Q-CDG, acidentado em 03.1995
PP-VJV (1126) – 1967/1993 – Seguiu para New ACS como 9Q-CRS, acidentado em 01.1994
PP-VJW (1124) – 1968/1993 – Seguiu para a Interlink Congo como HR-AMM.
PP-VLA (1139) – 1970/1993 – Seguiu para a Filair como 9Q-CGD, acidentado em 07.1994
PP-VLB (1137) – 1970/1993 – Seguiu para Filair como 9Q-CUU.
PP-VLC (1093) – 1970/1993 – Seguiu para Blue Airlines como 9Q-CDL
PP-VLX (1063) – 1976/1993 – Seguiu para a Air Spray como C-FQYB, acidentado em 10.2000
PP-VLY (1073) – 1977/1992 – Seguiu para a New ACS como 9Q-CRM.
PP-VNJ (1050) – 1986/1993 – Seguiu para a Interlink Congo como HR-AML.
PP-VNK (1040) – 1986/1994 – Seguiu para a Filair como 9Q-CDU. Acidentado em 07.2003
Assim foi a história de cada um desses aviões que por 29 anos estiveram no Brasil, e pasmem, eram chamados pelo Rubem Berta de “pato feio”, sorte da VARIG ter tido o tipo na frota
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