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sábado, 5 de novembro de 2022

AERONAVES FAMOSAS: English Eletric Lightning F.6

Capa 1Pioneiro em Mach 2, era um caça de pesquisa, mas acabou se transformando num poderoso interceptador de tempo claro.

Último caça totalmente projetado na Grã-Bretanha, o BAC Lightning começou como um aparelho de pesquisa supersônica e foi a primeira tentativa séria daquele país no sentido de possuir um avião capaz de manter voo nivelado além da barreira do som. Sua história remonta a 1947, dois anos depois da Segunda Guerra Mundial, quando a English Electric recebeu um contrato de pesquisa (designado ER.103) de um caça para Mach 1,5 a grandes altitudes.

A empresa era nova entre as indústrias britânicas de aviões. Tradicional fabricante de equipamentos elétricos, entrara no ramo aeronáutico (em 1938) quando a Grã-Bretanha tentava aumentar sua força diante da ameaça de guerra com a Alemanha. A fábrica ficava em Preston (Lancashire), e passou toda a guerra produzindo aeronaves projetadas por outras indústrias, embora tivesse desenvolvido a capacidade de fazer seus próprios produtos, de modo a explorar o know-how e as instalações adquiridos durante o conflito.

O engenheiro-chefe da English Electric, W. E. W. (“Teddy”) Petter, um brilhante projetista, havia sido responsável pelo avião STOL (short take-off/landing – pouso e decolagem curtos), em cooperação com o Exército, pelo Westland Lysander, pelo caça-bombardeiro bimotor da mesma companhia (F.37/35 Whirlwind) e pelo English Electric B.3/45 Canberra. O Canberra foi o primeiro bombardeiro a jato da RAF, tendo conquistado a distinção de ser escolhido para serviço na Força Aérea dos EUA (com a série Martin B-57).

O XA847 (o primeiro dos P.1B) voou em 1957. Impulsionado por motores Avon, tinha radar AI-23, cockpit elevado e tanque ventral.
O XA847 (o primeiro dos P.1B) voou em 1957. Impulsionado por motores Avon, tinha radar AI-23, cockpit elevado e tanque ventral.

Enquanto os especialistas britânicos tradicionais resistiam adentrar pelo terreno desconhecido das asas enflechadas e do supersônico, Petter não teve constrangimentos e conseguiu apoio e incentivo da fábrica, que precisava de trabalho com urgência. Por essa época, a Hawker ainda produzia seus Fury a pistão e aperfeiçoava o caça a jato P.1040, de asa reta; a Supermarine encerrava a fabricação do Spitfire e desenvolvia o Attacker, também de asa reta; a Gloster estava às voltas com o projeto do Meteor; e a De Havilland fabricava seu Vampire.

O trabalho básico de pesquisa para um supersônico enflechado já havia sido elaborado na Alemanha, durante a guerra em túneis aerodinâmicos; mas a nova asa e a “barreira do som” ainda assustavam. O Miles M.52, avião experimental supersônico, acabou cancelado em 1946 porque os riscos para o piloto pareciam injustificavelmente elevados.

A pesquisa alemã havia demonstrado que a inclinação das asas para trás podia retardar e reduzir o arrasto da onda de choque; mas sabia-se também que as asas enflechadas tinham tendência a perder sustentação nas pontas, levantando o nariz ou estolando a asa. Os caças alemães a jato Messerschmitt Me 163 e Me 262 usaram enflechamento apenas moderado e jamais voaram além da barreira do som. Ainda era preciso descobrir se uma aeronave tripulada poderia ou não ultrapassar essa barreira sem perder o controle.

O mês de outubro de 1947 testemunhou dois acontecimentos que assinalaram, para o resto do mundo, a nação que passaria a liderar o desenvolvimento no Ocidente de caças a jato. No começo daquele mês, o protótipo XP-86 Sabre da North American fez seu voo inaugural nos Estados Unidos. Era o primeiro caça com asa enflechada do pós-guerra no mundo ocidental, e estava destinado a tornar-se um dos maiores aviões de combate de todos os tempos. No dia 14 do mesmo mês, o Bell X-1, avião-foguete experimental, pilotado por “Chuck” Yeager e lançado de um Boeing B-29 a grande altitude, quebrou a barreira do som em voo nivelado; ele atingiu Mach 1,06 a despeito de sua asa reta e com uma relação espessura/corda de 10%. Enquanto a Grã-Breianha abandonava a pesquisa supersônica, os EUA seguiam com a série X-1, alcançando Mach 2,42 a 21.335 m, em dezembro de 1953. Sabendo dos processos obtidos do outro lado do Atlântico (o X-1 fez seu primeiro voo em 9 de dezembro de 1946), o Ministério dos Suprimentos concedeu à English Electric um contrato de estudos para o ER.103, em maio de 1947. Nos dois anos seguintes, o conceito amadureceu no F.23/49.

Protótipo do P.1 (WG760). Percebe-se bem a primitiva tomada de ar tipo Pitot e a asa modificada para testar o bordo de ataque de ângulo variável.
Protótipo do P.1 (WG760). Percebe-se bem a primitiva tomada de ar tipo Pitot e a asa modificada para testar o bordo de ataque de ângulo variável.

Equação empuxo/arrasto

Para obter algum avanço notável no desempenho, Petter precisou projetar um avião com muito empuxo (impulso) e pouco arrasto aerodinâmico (resistência ao avanço). Hoje se pensaria logo num pós-queimador, mas em 1947, quando o ER.103 mal se esboçava, esse dispositivo (então chamado “reheat“, ou “reaquecimento”, na Grã-Bretanha) achava-se numa fase primitiva. Tudo o que seu projetista pôde fazer foi instalar o máximo de empuxo numa fuselagem estreita e pequena, usando um par de potentes propulsores. Duas turbinas se encontravam em desenvolvimento: a Armstrong Siddeley Sapphire e a Rolls-Royce Avon, ambas de fluxo axial, muito mais eficientes que as de fluxo centrífugo instaladas no Meteor e no Vampire. Petter decidiu começar com duas Sapphire, que em meados da década de 50 mostravam-se muito mais confiáveis que as Avon, com seus problemas de pulsação.

Para minimizar a área frontal, os propulsores foram superpostos, ficando “escondidos” atrás do piloto. Essa disposição vertical só havia sido usada antes no malsucedido Sukhoi Su-15 (que voou em janeiro de 1949 e não deve ser confundido com o Sukhoi Su-15 Flagon, que voou em meados da década de 60). Tendo disposto os motores para resultar numa fuselagem aerodinamicamente “limpa”, o próximo passo consistiu em projetar uma asa com o mínimo de arrasto. Isso foi conseguido com o máximo ângulo possível de enflechamento — 60° no bordo de ataque. Conseguiu-se uma asa semelhante à do tipo delta clássico, mas com uma “incisão” no bordo de fuga.

Tal enflechamento permitiu uma relação moderada espessura/corda (5%), obtendo-se um bom volume útil para o combustível (ao contrário da pequena asa de 3,3% do Lockheed F-104 Starfighter, por exemplo) e espaço suficiente para alojar o trem de pouso. Em contrapartida, resultou também numa estrutura extremamente pesada, bem mais que a de qualquer outro caça, exceto o Sukhoi Su-7 “Fitter-A”.

21d73559dc6bbbfeb190980fa557002cF-6 #2Outra “ousadia” de Petter foi colocar o estabilizador num plano mais baixo que a asa. Essa disposição, sugerida pelos resultados das pesquisas em túneis aerodinâmicos americanos e alemães, encontrou forte oposição nos burocráticos altos escalões da aviação britânica. A discussão só ficou resolvida com a construção do Short SB.5, um aparelho subsônico experimental simplificado, que imitava a forma do English Electric e permitia variar o enflechamento da asa e a posição do estabilizador entre um voo e outro. O SB.5 demonstrou o acerto da configuração de Petter, além da eficácia das “indentações”(“notches“) no bordo de ataque (conceito pioneiro nos meios aeronáuticos americanos), para prevenir a perda de sustentação na ponta da asa quando o enflechamento é grande.

Com os bons resultados dos voos experimentais do SB. 5, a English Electric recebeu sinal verde para construir dois protótipos do F.23/49 com propulsores Sapphire, designados P.1 e P.1A. O P.1 (número de série WG760) voou em Boscombe Down no dia 4 de agosto de 1954, pilotado por R. P. Beamont, chefe da equipe de provas da empresa. Tinha uma tomada de ar simples, do tipo Pitot, em forma de ovo e suas turbinas desenvolviam 3.402 kg de empuxo cada uma. No dia 11 de agosto, em seu terceiro voo, o P.1 ultrapassou a velocidade do som em vôo nivelado, tornando-se o primeiro avião britânico a registrar tal feito.

O segundo protótipo (P.1A, número de série WG763) era semelhante ao P.1, mas possuía freios aerodinâmicos e dois canhões Aden na fuselagem dianteira. Voou em 18 de julho de 1955, sendo apresentado, no mesmo ano, na exposição aeronáutica de Farnborough. Os dois aviões foram usados em diversas experiências, inclusive disparo das metralhadoras em voo supersônico, testes com um tanque auxiliar ventral, uma forma modificada de asa e um primitivo pós-queimador. Descobriu-se num desses voos que o aparelho carecia de estabilidade direcional em voo supersônico, problema que acarretou três aumentos sucessivos na área da deriva. Enquanto isso, a equipe de projetos trabalhava num possível aperfeiçoamento de produção, o P.1B, impulsionado por turbinas da série Avon 300, dotadas de pós-queimador de quatro estágios, radar Ferranti AI-23 e cockpit mais elevado para melhor visibilidade traseira. O armamento consistia em dois canhões na parte superior da fuselagem e um módulo ventral com capacidade para mais dois canhões ou dois módulos retráteis de 22 foguetes não-teleguiados de 50 mm, ou ainda dois mísseis infravermelhos (originalmente o De Havilland Firestreak e depois o Red Top). Três protótipos foram encomendados em 1954 e, no fim de 1956, mais vinte aviões de pré-série, para ensaios de todo o sistema de armas.

F MK 6 #2Até meados de 1956, a RAF esteve planejando um novo interceptador pesado para qualquer tempo (OR.329), destinado a dois tripulantes e armamento com mísseis infravermelhos grandes (Red Dean e depois Red Hebe). A proposta da Faire venceu a concorrência com um caça de asa delta e duas turbinas RB.128. Mas esse avião prometia tornar-se extremamente dispendioso, numa época em que o governo britânico chegava à conclusão de que a ameaça não era o bombardeiro tripulado, mas o míssil balístico. Abandonou-se então o OR.329 e a RAF recebeu um aparelho muito mais barato, baseado no P.1B armado com mísseis leves para interceptação em tempo claro.

O primeiro P.1B (XA847) voou dia 4 de abril de 1957, com turbinas Avon de 6.545 kg de empuxo cada e pós-queimador. Chegou a Mach 1,2 sem pós-queimador, e em 25 de novembro de 1958 a Mach 2 em voo nivelado. Seguiu-se a ele, em 3 de abril de 1958, o primeiro dos vinte P.1B de pré-série. A parte o radar do nariz (no difusor cônico da tomada de ar, agora introduzido) e novos propulsores, esses aparelhos traziam poucas alterações em relação aos protótipos iniciais; o quarto tinha a deriva aumentada.

Encomendou-se um lote de vinte P.1B, série que recebeu a designação “Lightning” F Mk 1 em outubro de 1958. No dia 29 de outubro de 1959, o Lightning decolou e em junho de 1960 começaram as entregas à 74.ª Esquadrilha em Coltishall.

Aperfeiçoamento progressivo

As encomendas seguintes foram de 28 F Mk 1A e 21 T Mk 4, estes últimos biplaces de treinamento fabricados segundo o mesmo padrão de equipamentos. Diferiam do Mk 1 por incluir rádio de UHF e sonda de reabastecimento em voo. O F 1A (XM169) voou em 16 de agosto de 1960; por sua vez, as entregas começaram perto do fim do ano. O primeiro T.4 de série voou em 15 de julho de 1960, e dois anos depois eles começaram a equipar a 226. ª Esquadrilha.

O próximo monoplace foi o F.2, com turbinas Avon 210 e pós-queimador totalmente variável, oxigênio líquido e piloto automático. Construíram-se 44, e o primeiro (XN723) fez seu voo inaugural em 11 de julho de 1961. As entregas ao regimento de Leconfield (19.ª e 92.ª Esquadrilha) ocorreram por volta do fim de 1962. Muito mais tarde (para serviço em 1968), 31 acabaram convertidos para o padrão do F.2A, com sua grande deriva, bordo de ataque da asa de ângulo variável e previsão para um tanque ventral com capacidade para 2.773 litros de combustível em lugar do antigo, de 1.136.

9cc3c3aaeef12bdadaffee3a6651d826O F.3 trouxe uma Avon 301, mais potente, mísseis de ataque Red Top, radar e instrumentação aperfeiçoados, deriva ampliada e tinha previsão para tanques sobre as asas para vôos de traslado (destinados a um possível deslocamento até a Malaísia); removeram-se os dois canhões do nariz. O primeiro F.3 (XP693) voou no dia 16 de junho de 1962, e as entregas para Leuchars (23.ª e 74.ª Esquadrilha) começaram durante 1964, seguidas por um reequipamento da unidade de Wattisham. Foram fabricados 62 Lightning F.3. No dia 29 de março de 1962, o T.5 (equivalente de treinamento do F.3) fez seu primeiro voo. Produziram-se vinte, para entrega a partir de 1965. O Lightning F.6 consistia essencialmente num F.3 de última série com asa modificada e o grande tanque ventral do F.2A. Um total de 62 deixou as linhas de montagem, equipando primeiro (em 1966) a 5.ª Esquadrilha em Binbrook, depois as unidades baseadas em Leuchars e em Wattisham. Na época, nove esquadrilhas operavam o Lightning F.2, inclusive a 19.ª e a 92.ª na Alemanha.

Para o mercado de exportação, incrementou-se a capacidade de ataque ao solo do F.6 com um módulo de dois canhões Aden na frente do tanque ventral (característica posteriormente adotada pela RAF no F.2A e F.6) e acrescentaram-se dois pilones externos nas asas, cada um com dezoito foguetes de 68 mm ou uma bomba de 455 kg. Na configuração monoplace, esse modelo tornou-se o F.53, trinta e quatro dos quais adquiridos pela Arábia Saudita e doze pelo Kuwait. Em 1969, os aparelhos sauditas foram usados em missões de ataque contra alvos no Iêmen. O Kuwait os desativou no fim da década de 1970, mas a Arábia Saudita ainda os usava em meados dos anos 1980, na qual foram substituídos pelo McDonnell Douglas F-15 Eagle. Na Grã-Bretanha, o Lightning (uma mistura de F.3 e F.6, apoiados por T.5) foi desativado em prol do Tornado durante a década de 80.

O Lightning se revelou um projeto bastante original, que resultou num interceptador de velocidade ascensional, aceleração e manobrabilidade excepcionais. Como todos os caças britânicos anteriores, de início apresentou pequena capacidade interna de combustível, mas depois — também como seus antecessores — demonstrou notáveis características de pilotagem.


FONTE: Top Gun

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