Capaz de decolar e aterrar em simples estradas no campo, o Saab Viggen foi um dos mais versáteis aviões europeus.
Raros países, além das superpotências, fabricam seus próprios aviões militares. A Suécia é uma dessas exceções. Há mais de setenta anos que esse país, com população praticamente igual à da cidade de São Paulo, desenvolve com sucesso inédito seus próprios modelos. Com tal limitação, lançar-se ao projeto de um avião militar polivalente Mach 2 é algo que precisa dar certo logo da primeira vez.
Para atingir Mach 2 a Suécia criou o Saab 35 Draken, um “duplo delta” construído em várias versões, das quais 606 foram entregues. Quando, no fim da década de 50, planejava-se o Sistema 37 (como foi chamado o sistema de armamentos), a nova geração não necessitava de mais velocidade, mas sim maior versatilidade e tamanho para transportar um poderosíssimo radar de interceptação e enorme quantidade de armas. Tudo isso numa forma aerodinâmica especial, que conciliasse a velocidade supersônica com a necessidade vital dos suecos (desconhecida até então por outros países): um avião capaz de operar em estradas afastadas, no campo, onde não possa ser destruído por um ataque preventivo no começo de uma guerra inesperada.
Os suecos planejaram o Sistema 37 para conter virtualmente todo o efetivo de sua força aérea, a Flygvapen. Tal complexo abrangia não só o veículo aéreo (Saab-37), mas também o conjunto impulsor, a estrutura, equipamentos de ar e de solo, instalações de teste e treinamento, até mesmo bibliotecas e listagens de computador. Incluía ainda a rede operacional de contato com o Stril 60 — o sistema de controle eletrônico da defesa aérea do extenso território sueco. A Suécia não tinha recursos suficientes para sediar tantos aviões quanto precisava em seu vasto litoral e em sua fronteira norte, mas o Sistema 37 foi, sem dúvida, o que existia de mais avançado entre os modernos aviões de combate do mundo na época.
Cauda no nariz
Após longas pesquisas na Saab AB (Saab-Scania, depois da grande fusão de 1968) e em institutos governamentais, chegou-se a uma configuração aerodinâmica única para o novo avião. Poderia ser também um duplo delta como o seu predecessor, mas difere deste por ter uma enorme asa traseira em forma de delta modificado, suplementada por vasta superfície canard (isto é, uma cauda localizada à frente, no nariz). Tal característica é muito mais adequada, pois nos momentos de maior risco — decolagem e aterrissagem — a superfície roda o aparelho, levantando-lhe o nariz, ao invés de comprimir-lhe a cauda. Quando empurram para baixo os profundores convencionais aumentam o peso efetivo do avião, exigindo maior comprimento de pista.
Além disso, as superfícies frontais facilitam o uso de flapes poderosos, para se obter maior força ascensional e controle mesmo a baixas velocidades — enquanto uma asa delta sem cauda, como a do Dassault Mirage III, requer flapes no sentido oposto, empurrando para baixo ao invés de para cima. Para aumentar seu poder, as superfícies frontais receberam flapes também no bordo de fuga. Graças à sua construção metálica em módulo de colmeia, como quase todas as partes da estrutura, essas superfícies são excepcionalmente precisas e suaves.
O passo seguinte foi avançar a cabina pressurizada o máximo logo atrás do grande radar, cuja localização impossibilitava posicionar as tomadas de ar no nariz. Os testes com várias configurações levaram à opção por entradas laterais ovais à frente do canard. Projetadas de forma simples, sem difusores nem ângulos de parede variáveis, elas oferecem total proteção contra o gelo. Os dois dutos alimentam um grande turbofan com pós-queimador que, pela primeira vez num avião militar, foi dotado de reversor de empuxo, para aumentar a desaceleração do aparelho nas aterrissagens em pistas curtas.
Os aviões de combate anteriores usavam motores britânicos. A Saab manteve negociações com a Rolls-Royce, única fabricante [na época] com ampla experiência em motores turbofan, pós-queimadores e bocais variáveis complexos que incorporavam reversores. Mas, na última hora, o governo britânico decidiu cancelar o projeto do avião de transporte HS.681 V/STOL (vertical/short take-off and landing, decolagem e pouso verticais e em pista curta) e seu motor Medway, forçando a Saab a buscar outra solução. O problema acabou sendo resolvido com a adoção do Pratt & Whitney JT8D, um motor civil subsônico para aviões de passageiros, que os suecos reprojetaram para combate supersônico com pós-queimador.
A tarefa, decididamente a maior no gênero jamais empreendida na Suécia, foi cumprida com êxito total pela Volvo Flygmoror, que, a partir daí, desenvolveu a série RM8 de motores. Com exceção dos motores russos usados no Tupolev Tu-26 “Backfire” e em alguns outros modelos soviéticos, os RM8 foram os motores mais potentes que os de qualquer outro avião militar.
Uma das principais necessidades era não só STOL, mas também aproximações para aterragens a pique e grandes ângulos de subida após a decolagem. Esperava-se que, na decolagem, o avião atingisse 10.000 m em apenas 100 segundos após soltar os freios — o que foi conseguido — e, na aterragem, que realizasse pousos sem arredondamentos a uma razão de descida de 300 m por minuto. As rodas principais do trem de aterrissagem foram projetadas em tandem com poderosos freios antiderrapagem que se dobram para dentro de rasos compartimentos na asa e na fuselagem. Na parte traseira desta, havia um anel ejetor, feito de titânio. Normalmente, o grande espaço entre seu extremo anterior a fuselagem ficava aberto, para reduzir o arrasto. À velocidade supersônica, fechava-se a abertura e o ejetor servia como um imenso bocal supersônico secundário, com a boca variável de pós-combustão localizada no centro. Logo depois da aterrissagem, assim que a roda do nariz tocava o chão, a compressão do trem sinalizava ao reversor pré-armado, que fechava o bocal normal do jato e puxava o avião para trás, dirigindo o jato de gás para a frente pelas três fendas ejetoras acima das asas e embaixo da fuselagem.
A asa possuia quatro amplas superfícies de controle operadas por unidades hidráulicas. Todas eram elevons e agiam como profundores, como flapes durante a aterrissagem e em diversos modos como ailerons. A cauda triangular vertical, larga e de leme com servocomando, dobrava-se horizontalmente sobre a asa esquerda. Havia também uma aleta ventral fixa.
A Saab foi contratada para construir sete protótipos, além de alguns modelos de teste. Sabia-se, no começo dos anos 60, que seriam necessárias várias versões, pois nenhum avião de combate polivalente pode ser tão eficaz quanto suas variantes específicas. A questão é, portanto, diminuir as diferenças, de modo que todas tenham o maior número de pontos em comum. O Saab-37, planejado para executar missões distintas das do Saab 35 Draken, teve seu projeto congelado em 1963; em abril de 1964, o programa foi apresentado de modo completo, com mais de oitocentos aparelhos em quatro versões.
Embora a inflação tenha erodido o número de aparelhos do programa, o Viggen (trovão, nome do martelo do deus Thor) teve suas variantes aumentadas para seis.
Começo com o pé direito
O primeiro protótipo voou a 8 de fevereiro de 1967. Sem defeitos nem problemas sérios, a versão inicial, o AJ37, entrou no serviço ativo da Flygvapen com o esquadrão F7 em Satenäs, em junho de 1971, substituindo o Saab A32A Lansen. Era basicamente um avião de combate para qualquer clima. Monoplace, leva consigo cerca de 600 kg de equipamentos eletrônicos distribuídos em cinqüenta conjuntos, entre os quais um avançadíssimo radar Ericsson de antena plana coberta por um grande domo adaptado a voos supersônicos sob mau tempo. Esse domo podia ser deslizado para frente, permitindo acesso à antena.
Havia também um sistema digital de controle de fogo com computador Philips para dados atmosféricos. Uma tela Marconi HUD (head-up display, visor ao nível dos olhos), um sistema ECM (electronic counter-measures, contramedidas eletrônicas), um radar Doppler Decca Tipo 72, um radar altimétrico Honeywell, TILS (tactical instrument landing system, sistema de aterrissagem tática por instrumentos) e um sistema de orientação através de varredura de microondas para aterragem em voo cego.
Em suportes ejetáveis sob as asas podiam ser carregados 7.000 kg. Entre as armas estavam o grande míssil Saab RBO4E antinavio, o supersônico Saab RBO5A ar-superfície, a versão TV do Hughes AGM-65 Maverick e RB24 (Sidewinder) ou RB28 (Falcon), estes últimos ar-ar. Além de tudo isso, havia lugar também para um canhão Aden de 30 mm ou uma ampla variedade de bombas e foguetes. O AJ37 integrava duas esquadrilhas de F6 em Karlsborg, duas de F7 em Satenäs e uma de F15 em Söderhamm.
A versão seguinte, que voou pela primeira vez em julho de 1970, foi um biplace de treinamento, o SK37. Contando com um cockpit extra à ré ocupando o lugar do tanque principal da fuselagem e de parte do equipamento eletrônico, esta variante tinha, ainda, uma capota em tandem equipada com periscópios duplos para o instrutor e uma extensão inclinada para trás no topo da deriva. Essa versão entrou em serviço em junho de 1972.
Cabine
Para não aumentar o tamanho do avião e manter os custos sob controle, o JA 37 foi projetado como monoplace. Isso reduz as despesas com treinamento e manutenção de tripulações de voo; por outro lado, aumenta muito a carga de trabalho na cabine, levando a uma eventual redução do desempenho. Para compensar isso, a Saab procurou fazer a cabine o mais ergonômica possível. O piloto tinha suas tarefas facilitadas por três telas de tubos de raios catódicos (CRT), acionadas por um sistema de mostradores eletrônicos (EDS). Esse sistema incluia um HUD para voos a baixa altitude e combate aéreo, uma tela de radar para interceptação em qualquer tempo, um mostrador tático que apresentava a situação de combate e um videomapa sintético. Um retransmissor de dados seguro permitia comunicações com o sistema de defesa aérea STRIL 60 para coleta de dados sobre alvos aéreos. A rede nacional de radares do STRIL 60 proporcionava vigilância e alerta antecipado. Estava integrada não só aos esquadrões de interceptadores J-35F/J-35D Draken e JA 37, mas também as posições de mísseis terra-ar, baterias antiaéreas e unidades de defesa civil. Procurou-se reduzir tanto quanto possível a fadiga do piloto pela otimização do sistema automático de controle de voo (que reduz a sensibilidade aos golpes de ar) e pela instalação, na espaçosa cabine, de um confortável assento ejetável zero-zero assistido por foguetes.
Variante para missões de reconhecimento
O SF37, um monoplace de reconhecimento, fez seu primeiro voo em maio de 1973. Substituiu o S35 Draken e podia levar todos os tipos de armamento carregados pelo AJ37 e pelo SK37. Não possuía, porém, radar de ataque. Em vez disso, o nariz, de aspecto visual bem diverso do dos outros, estava equipado com quatro câmaras para baixa altitude, duas para altitudes elevadas, uma câmara IR (de infravermelho), além de uma variedade de miras especiais, sensores e instrumentos registradores de dados. Nos suportes externos das asas havia mísseis RB24 de autodefesa, tanques alijáveis e casulos de ECM. Um número substancial de SF37 esteve em serviço.
O SH37 era uma versão de reconhecimento marítimo para qualquer clima, que podia também ser utilizado para ataque, mas que normalmente operava apenas sobre o mar, registrando e informando toda atividade estranha. O SH37, que voou pela primeira vez em dezembro de 1973, tinha no nariz um radar de vigilância e uma câmara para fotografar sua tela. Os três suportes sob a fuselagem levavam um tanque alijável no suporte central, um casulo para reconhecimento noturno no esquerdo e outro multissensor Red Baron (“Barão Vermelho”) no direito. Inúmeras câmaras e gravadores faziam parte de sua carga, enquanto os suportes das asas eram ocupados por mísseis ar-ar RB24 ou casulos de ECM ativos ou passivos. O SH37 serviu com uma esquadrilha de F13 e em conjunto com o SF37 em esquadrilhas mistas de F17 e F21.
Interceptador para todos os climas
O JA37, último dos principais Viggen, requereu tanto empenho e investimentos quanto o original AJ37. Este novo avião de defesa sueco estava para sua versão inicial assim como o Tornado F.2 da RAF estava para o IDS Tornado, multinacional. Apesar de sua capacidade secundária para missões de ataque, o JA37 era, antes de mais nada, um interceptador para todo clima. Contava para isso com estrutura de fuselagem, motor, radar, eletrônica e armamentos inteiramente modificados.
O primeiro desafio foi reprojetar o motor para satisfazer às exigências da missão de caça. Recorreu-se então a uma pesquisa da Pratt & Whitney da década de 60. Em vez de possuir turbina de dois estágios e compressor de baixa pressão de quatro, como no RM8A, o RM8B passou a ter turbina e compressor de baixa pressão, ambos de três estágios, com todas as palhetas modificadas, além de outra turbina de alta pressão e sistema de combustão de quatro queimadores. O reversor de fluxo (reverso) foi mantido. O motor resultante oferecia maior empuxo em todas as velocidades e altitudes (o empuxo de decolagem, por exemplo, aumentou de 11.790 kg para 12.950 kg), além de proporcionar maior confiabilidade funcional em grandes altitudes e nas manobras forçadas.
Para se obter maior manobrabilidade, o número de elevons com servocomando sob cada asa elevou-se de três, nas versões anteriores, para quatro no JA37. Outra mudança externa que possibilitou mais estabilidade direcional foi o leme de direção mais alto utilizado no SK37. As alterações mais importantes ocorreram, porém, nos armamentos e na eletrônica.
Radar de caça multimissão
Um dos maiores aperfeiçoamentos realizados no JA37 foi seu radar de pulso Doppler (PD), desenvolvido apenas a partir de 1960, e que revolucionou a guerra aérea. Nesse radar, o sinal de rádio é processado de modo a eliminar tudo, exceto os objetivos de vital importância. Detectam-se até alvos sem velocidade radial relativa ao caça. Não há sinais de relevo e o mau clima pouco interfere. A tela, assim, permanece limpa, acusando apenas os dados necessários. A imagem que o piloto vê é inteiramente sintética, porém nítida, exata e informativa. O JA37 estava, portanto, equipado com o melhor radar de caça multimissão em serviço num avião não-americano na época, ultrapassado apenas pelo do Tornado F.2. Dotado de visão para baixo e capacidade anti-ECM, ele também iluminava o alvo para o armamento básico ar-ar de médio alcance — o míssil BAe Dynamics Sky Flash (designado como RB71 na Flygvapen), que podia ser transportado em número de até seis sob as asas.
Armamento
Para a função de caça o JA 37 era armado com um canhão integrado Oerlikon KCA de 30 mm, com 150 projéteis, e uma combinação de mísseis ar-ar orientados por infravermelho RB24 (AIM-9L Sidewinder) e guiados por radar semi-ativo RB71 (BAe Dynamics SkyFlash). O canhão Oerlikon KCA de 30 mm era uma arma muito poderosa, com projétil pesado (360 g), velocidade inicial alta (1.050 m/s), 1 350 tiros por minuto; sua trajetória tensa mostrou-se importante na precisão da mira. Dentro da fuselagem havia alojamentos para novos itens, como navegação inercial, computador digital central e um sistema automático de controle de vôo, produzido em conjunto pela Saab-Scania e Honeywell.
Em condições visuais, os alvos mais distantes podiam ser atingidos com os RB24 Sidewinder; em más condições atmosféricas ou contra alvos situados a média distância eram usados os RB71 SkyFlash. A localização do casulo fixo do canhão do lado esquerdo da fuselagem permitia conservar todos os três pontos de fixação situados sob a fuselagem característicos das outras variantes do Viggen.
Além deles, sob as asas havia mais quatro pontos de fixação. Uma carga típica de armamento consistia de dois RB71 nos cabides subalares internos, um tanque auxiliar sob a linha central e quatro RB24 nos outros cabides das asas e da fuselagem. Pensou-se para o JA 37 ser equipado com o AMRAAM AIM-120 do tipo “dispare e esqueça”, assim que esta arma estivesse disponível, no final da década de 80, mas tal nunca aconteceu.
Na configuração de cargas especificada para a função de ataque ao solo do JA 37 consistia em um total de 24 foguetes de 135 mm transportados em quatro casulos. Para assegurar uma alta taxa de disponibilidade, o JA 37 foi projetado para ter uma manutenção fácil, mesmo quando feita por recrutas. Um dos sinais disso era a quantidade de painéis de acesso, que cobriam 25% da superfície total da aeronave e podiam quase todos ser alcançados confortavelmente do solo.
O sistema JA37 foi desenvolvido a partir dos AJ37 e dos Saab 32 Lansen modificados. Um destes últimos resolveu a maioria dos problemas do aperfeiçoamento do radar para o voo. O êxito desses esforços foi tal que o primeiro JA37 a voar, em 4 de novembro de 1977, deu início à série, com 149 aparelhos encomendados, que, somando-se aos 180 modelos anteriores, elevaram a força de Viggen sueca a 329. As entregas começaram em 1979. Em 2005 o ultimo Viggen foi retirado de serviço, sendo substituído pelo Saab 39 Gripen.
Versões do Saab Viggen
Saab AJ37: versão original de ataque ao solo: motor Volvo Flygmotor RM8A com 11 790 kg de empuxo estático, sete suportes exteriores de armas e capacidade secundária ar-ar.
Saab JA37: avião interceptador para todo clima, inteiramente reprojetado; motor RM8B com 12 750 kg de empuxo; radar de pulso Doppler; casulo de canhão KCA de 30 mm e possibilidade de até seis mísseis ar-ar RB71 Sky Flash de médio alcance e RB24 Sidewinder; capacidade secundária de ataque 7-3 ao solo.
Saab SF37: avião monoplace de reconhecimento terrestre; motor RM8A; nariz sem radar, mas com ampla faixa de câmaras, gravadores e vários tipos de sensores.
Saab SH37: avião monoplace de reconhecimento marítimo para todo clima; motor RM8A: carregava diversos sensores, inclusive infravermelho, e radar de vigilância no nariz.
Saab SK37: avião biplace de treinamento; cockpit elevado para o instrutor, com periscópios: leme mais alto e opção de armas do AJ37.
– Giordani –
FONTE/IMAGENS: Guerra nos Céus #4; Aviões de Guerra #86
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