Há 80 anos, mais precisamente em novembro de 1942, entrava em ação aquele que viria a ser um dos mais icônicos (talvez até iconoclasta, em termos de conceito) das aeronaves de caça e caça-bombardeiro produzidos e entrado em operação na Segunda Guerra Mundial: o Republic P-47 Thunderbolt.
Longe de ser uma aeronave delicada em termos de design (diferentemente do charmoso Supermarine Spitfire ou mesmo do North American P-51 Mustang), o P-47 (P de pursuit, perseguição) marcou a passagem americana pela II Guerra Mundial por ser uma aeronave desajeitada, de aparência, abrutalhada, mas, acima de tudo incrivelmente robusta, capaz de suportar os maiores e inimagináveis danos e ainda assim conseguir ser conduzida de volta à sua base.
Sobre isso, dizem, segundo algumas fontes, que era ditado corrente a seguinte frase: “Se quer mandar uma foto para sua namorada, faça diante de um P-51 Mustang. Mas se você quer chegar em casa para ela, voe um P-47”
Também foi a aeronave escolhida pela Força Aérea Brasileira para marcar o ingresso do país no conflito, no front italiano, onde na mão de seus pilotos fez um sem número de missões exitosas no famoso 1o. Grupo de Aviação Caça, o famoso “Senta a pua!”.
Gênese
Alexander Seversky foi um russo que emigrou para os Estados Unidos em virtude da revolução bolchevique de 1917.
Nos Estados Unidos, Seversky se dedicou à construção aeronáutica, fundando a Seversky Aircraft Corporation, tendo como responsáveis de engenharia, dois outros emigrados do leste europeu pós revolução bolchevique: Michel Gregor e Alexander Karvteli.
Em 1935, após algumas tentativas, finalmente a empresa de Seversky consegue um contrato para construção de um caça para o corpo aéreo do exército americano, a Army Air Force (AAF, ainda não era a Força Aérea dos Estados Unidos, a USAF, só criada em 1947, quando o ‘P’ mudou para ‘F’, de fighter, lutador): o Seversky P-35, aeronave que pode ser considerada o avô do P-47 Thunderbolt.
Entretanto, o P-35 e sua evolução,, o Republic P-43 Lancer, rapidamente foram introduzidos e logo se tornaram obsoletos frente a evolução de seus contemporâneos, como o alemão Messerschimitt BF-109.
O esforço de Seversky para manter sua companhia nos contratos governamentais, no entanto custou-lhe alguns prejuízos financeiros e por conta disso, os investidores acabaram por forçá-lo a deixar o comando da companhia que havia fundado, que foi reorganizada e deu origem à Republic Aviation Corporation.
Vendo a necessidade de apresentar algo à AAF, a empresa acabou por optar por um novo projeto de aeronave, e neste momento, a agora Republic Aviation liderada por Alexander Kartveli, inicia o projeto do P-47.
Inicialmente o P-47 em seu conceito original era um caça leve, dotado de motor Allison V-1710 V-12, dotado de armamento leve, com duas metralhadora .50 no nariz e quatro .30 nas asas.
Denominado XP-47 e XP-47A o projeto contudo nasceu inferior aos BF-109 e Focke-Wulf FW190 alemães, o que levou Kartveli a praticamente refazer o conceito, criando uma aeronave de caça maior e de maior desempenho
Alguns conceitos nortearam o projeto posterior da aeronave: capacidade de suportar danos, grande poder de fogo, oferecer conforto ao seu piloto e, sobretudo, ser uma aeronave tão veloz quanto possível, e a partir disso, nasce o conceito do XP-47B, a primeira versão da aeronave.
O XP-47B era uma aeronave diferente para a época: Basicamente era um avião construído em torno do motor radial de 18 cilindros e 46 litros Pratt & Whitney R-2800 de 2.000 hp, girando uma hélice de quatro pás Curtiss de 3,7 m de diâmetro. Um enorme turbocarregador fabricado pela General Electric, e o seu interresfriador situados entre o cabine do piloto e a cauda, era o responsável pelo carregamento forçado do motor, e o ar ainda passava por um supercarregador antes de chegar aos cilindros. O aspecto ovalado da entrada de ar do motor se deve justamente a entrada de ar para o turbocarregador.
Para dar resistência, foram adicionadas diversas placas de blindagem em torno da cabine e os tanques de combustível autosselantes contribuíam para a resistência e robustez da aeronave diante da artilharia inimiga tanto antiaérea quanto ar-ar.
O poder de fogo era garantido pelas 8 metralhadoras .50 nas asas. Também havia pontos nas asas e no ventre da aeronave para o transporte de bombas, foguetes e tanques de combustível suplementares.
O espaço para pilotagem era enorme e ainda o piloto ainda dispunha de ar-condicionado para melhorar seu conforto.
Voou pela primeira vez em 6 de maio de 1941 e estreou em na Europa em novembro de 1942.
Premido pelas circunstâncias de uma guerra em andamento, embora os Estados Unidos ainda não tivessem entrado na guerra — só o fariam no dia seguinte ao do ataque japonês a Pearl Harbor, nas ilhas havaianas em 7 de dezembro de 1941 —, o P-47 não teve versão treinador, biplace. As primeiras decolagens foram marcadas pelas saídas da reta, para a esquerda, devido à brutal reação do torque do motor, algumas com consequências fatais.
Em ação
Nos céus da Europa, todavia, o P-47 foi recebido com ceticismo por pilotos sejam eles americanos ou ingleses. Apelidado por alguns de “garrafa de leite de 6 toneladas”, o P-47 era simplesmente enorme se comparado os Spitfires, Lockheed P-38 e mesmo os primeiros North American P-51B. O próprio Alexander Kartveli dizia que o P-47 era um “dinossauro. Mas um dinossauro em boas proporções.”
Era diferente de tudo, primeiro por empregar motor radial de 18 cilindros, enquanto o padrão era o tradicional V-12, personificado pelos lendários Rolls-Royce Merlin, Allison V-1710 e Daimler-Benz DB-601.
Também fora o caça de combate mais caro até então produzido.
As primeiras unidades de série foram despachadas para a Inglaterra em novembro de 1942 e em março de 1943, declarado operacional, participando de operações junto com os Supermarine Spitfire.
A despeito do ceticismo inicial, o Thunderbolt logo ficou conhecido por suas virtudes: devido à sua blindagem, era uma aeronave que protegia o piloto. O enorme motor radial de 2.000 hp com 52 inHg (polegadas de mercúrio, equivalente a 1,76 bar) de pressão de admissão absoluta,, era extremamente resistente a danos e sua potência, imprimia alta velocidade na aeronave, superior à congêneres aliadas e mesmo inimigas.
Também era notável sua manobrabilidade em grandes altitudes, taxa de rolagem e o turbocarregador era o seu diferenciador.
Mas se ele era imbatível em grandes altitudes, em baixas e médios níveis de voo apresentava suas deficiências, Sua autonomia e, principalmente, para sua razão de subida, inferior às dos Spitfires ingleses e BF-109 e FW190 germânicos foram alvos de críticas no front.
Ainda assim, os pilotos se adaptaram as características peculiares do P-47 e se valer de suas características de voo para fazer a diferença.
Se valendo de sua grande capacidade de mergulho, os pilotos passaram a se valer de voar mais alto, em relação aos bombardeiros, em missões de escolta, e quando do aparecimento das aeronaves adversárias, se valiam de sua incrível capacidade de mergulho para transformar energia potencial (altitude) em energia cinética e fazer o enfrentamento dos adversários.
Veja o comparativo de tamanhos entre o P-47 e outros caças:
Os alemães não eram, por razões óbvias, muito simpáticos ao Thunderbolt. Assustavam-se com a incrível resistência da aeronave, dizendo que ela era capaz de aguentar uma “incontável quantidade de chumbo” e permanecer voando, bem como sua velocidade atingida em mergulho. Circulares para pilotos alemães colocavam o P-47 em ligeira desvantagem em relação ao Bf-109 mas no front todos os pilotos alemães sabiam do que o P-47 era capaz e daquilo que o Bf-109 não o era.
Não era incomum ver essas aeronaves retornando de missões faltando partes da fuselagem e mesmo com o motor sem alguns cilindros, atingidos por projéteis. É famosa a foto de um P-47 cuja hélice tem um buraco de cerca de 20 cm de diâmetro, fruto de um obuz antiaéreo.
Inicialmente os Thunderbolts foram designados para escolta dos bombardeiros nos famosos “tapetes de bombas” aliados na Segunda Guerra Mundial, papel este desempenhado ao longo de 1943 e meados de 1944 até a chegada dos famosos North American P-51 Mustang com motor Rolls-Royce Merlin-Packard.
É importante salientar que embora o P-51 tenha voado antes e entrado em combate na Royal Air Force (Força Aérea Real britânica) com meses de antecedência em relação ao P-47, a aeronave era equipada com os motores Allison V-1710 V12 com supercarregador, o que o deixava uma aeronave adequada apenas para voos em baixas altitudes. Foi somente com a introdução do motor Packard V-1650 Merlin (versão produzida nos Estados Unidos do Rolls-Royce Merlin dos Spitfires) que o P-51 ganhou brilho e passou a ser aeronave de escolta dos bombardeiros nos reides sobre a Alemanha.
E embora tenha perdido o protagonismo para o Mustang nas missões de escolta, o Thunderbolt foi remanejado para outro tipo de missão não menos importante: A função de Caça Bombardeiro. Além de combates no ar, o P-47 passa a ter uma função de ataque ao solo, em missões de ataque a alvos específicos e para tal, além dos oito canhões 0.50, podia ser equipado com duas bombas de 250 kg sob as asas ou um par de lançadores de foguetes de três tubos, um em cada asa.
As missões de escolta, embora diminuídas em quantidade, também continuaram e cabia ao P-47, no retorno (quando ai os P-51 entravam em cena), se valer de voo a baixa altitude e atacar os chamados “alvos de oportunidade” no regresso.
Embora o caça americano mais lembrado da Segunda Guerra Mundial seja o North American P-51D Mustang e subsequentes, estes só entraram em campo na metade de 1944 e o grande sucesso em combate do P-51, em termos de números de vitórias, na visão de alguns não é tão relevante quanto as obtidas pelo P-47, uma vez que entre 1943 e 1944 compuseram a linha de frente da AAF combatendo pilotos alemães mais preparados em combate do que aqueles que voavam a partir de meados de 1944 e combatendo com o Mustang.
Vale a menção de que o primeiro caça a jato do mundo, o alemão Messerschmitt Me 262, foi destruído em agosto de 1944 por uma aeronave aliada, um P-47D pilotado pelo major Joseph Myer.
As variantes
Ao longo de sua trajetória operacional o Republic P-47 Thunderbolt foi sendo modificado, tanto em seu projeto e componentes quanto em modificações menores em unidades já operacionais. Assim, dentro da mesma variante surgiram outras incontáveis subvariantes, deixando o assunto extenso demais. Sendo assim, me concentrarei em apenas algumas delas, mais relevantes.
A variante mais produzida do P-47 foi a versão D, com diversas subvariantes produzidas e incorporando modificações menores. Vale o destaque para as versões D, cujas subvariantes introduziram a capota tipo bolha, que aumentou de sobremaneira a visibilidade do piloto, e a hélice Curtiss de 13 pés (3,96 m) de diâmetro, apelidada de “hélice com pás de remo” devido ao seu formato e que, segundo muitos pilotos, incrementou consideravelmente o desempenho da aeronave.
Também ao longo da carreira operacional da aeronave, os aviões já produzidos tiveram seus motores modificados. As versões originais de 2.000 hp foram sendo substituídas pelos motores de 2.300 hp, com o emprego de água na admissão e 58inHg absolutos na admissão (1,86 ba)r de pressão).
O emprego de água e metanol (o famoso MW50, methanol and water 50:50%) permitiu o emprego de 64 inHg (2,16 bar) na admissão e extrair 2.600 hp, enquanto o uso de Avgas 115/145 e MW50 permitiu elevar a pressão na admissão para 70 inHg (2,37 bar) e extrair 2.800 hp, ou 1 hp por polegada cúbica de cilindrada (61 cv/L).
Isso explica o porquê de em muitos relatos de pilotos de P-47, inclusive os brasileiros, mencionarem o P-47 produzir 2.300 hp.
Duas versões que merecem destaque são a P-47M e a P-47N. A primeira foi uma demanda surgida em 1944 com o emprego dos mísseis de cruzeiro alemães V-1 contra a Inglaterra. Tendo em vista a necessidade de uma aeronave veloz contra a V-1, tanto para seu abate por tiros quanto para o toque de asas (bastava bater a asa do interceptador contra a asa da V-1 para desestabilizá-la e derrubá-la), foi criada a versão M. Dotada de motor R-2800 com 2.800 hp, a versão tinha peso aliviado com o objetivo de imprimir mais velocidade à aeronave. Atingia 473 mph a 30 mil pés, ou 761 km/h a 9.144 m de altitude, sendo considerado o caça de motor a pistão mais rápido da guerra.
Foi produzida em pequenas quantidades e seu emprego contra a V-1 acabou ofuscado pelo veloz Hawker Tempest e o De Havilland Mosquito. Posteriormente foi alocada para combater contra os caças a jato alemães, mas nessa época (inicio de 1945) a guerra ja estava com os dias contados.
A segunda versão, a N, de 1944 foi a ultima versão do P-47 e a mais evoluída delas. Dotada de motor de 2.800 hp,, ela possuía maiores envergadura e autonomia como principais diferenças, além de aprimoramentos em seus componentes (turbocarregador, cabine, entre outras). O objetivo da versão N era o emprego no Pacífico onde a demanda era por aeronaves de combate de maior alcance.
Uma variante que merece destaque é a versão experimental denominada XP-47H. Dotada de motor Chrysler XIV-2220 de 36,4 littros e 2.500 hp, esse motor era um V-16 invertido, essencialmente dois V-8 ligados, e a potência deles era transmitida através de uma árvore que saia da metade do motor, onde as duas bancadas em “V” se uniam.
Era um motor problemático, pois usava alumínio na sua construção e os 16 cilindros em duas bancadas V-8 invertida deixavam o motor muito comprido. Enquanto um Rolls-Royce Griffon V-12 tinha cerca de 2 metros de comprimento, o Chrysler XIV-2220 tinha mais de 3 metros!
Dois protótipos do XP-47H foram montados no inicio de 1945, mas àquela altura a guerra já estava no fim e a demanda era por motores a jato. Segundo algumas fontes, o desempenho da aeronave ficou abaixo do esperado e por isso o projeto foi abandonado.
Esse motor merece destaque por ser o primeiro motor da Chrysler a empregar cabeçotes com câmaras hemisféricas, num conceito que viria a ser marca registrada da empresa posteriormente: Hemi.
O pós-guerra
Após a guerra, os P-47 ainda foram usados por algum tempo, até meados da década de 1950,, pelas forças armadas americanas. O ultimo P-47 operacional foi desativado em 1966 pela Força Aérea Peruana.
Embora fosse uma excelente plataforma de escolta e suporte para aeronaves, bem como pela sua resistência a danos em combate, o P-47 foi preterido para a Guerra da Coreia em favor do P-51.
Embora tenha brilhado na Europa, na Coreia o P-51 mostrou suas deficiências em especial na questão da vulnerabilidade do sistema de arrefecimento, o que fez muitos da linha de frente solicitarem a volta do P-47 para o conflito coreano.
Na Força Aérea Brasileira
O Brasil brilhou na Segunda Guerra usando o Thunderbolt.
Os 43 pilotos brasileiros do 1? Grupo de Aviação Caça realizaram 445 missões e mais de 5 mil horas de voos de combate, agindo em missões de ataque a alvos terrestres.
Em 27 de Janeiro de 1945 o Ten. Raymundo da Costa Canário pode testemunhar a robustez do Thunderbolt.
Em uma missão de ataque ao solo, o Tenente Canário somente percebeu a presença de uma chaminé quando a colisão era inevitável. Embora tivesse desviado do obstáculo, não pôde evitar que a asa direita batesse no obstáculo, perdendo 1,3 metro de asa. Mesmo avariado, o Tenente Canário retornou à sua base e, pasme, a aeronave foi reparada e voou ate o final da guerra quando depois integrou o 1? Grupo de Aviação de Caça, sendo desativada junto com as demais aeronaves em 1957.
Imagens do que o Thunderbolt era capaz de suportar:
Ao todo foram produzidos 15.636 Thunderbolts.
DA
Nota do Autor: Segundo algumas fontes, o Brasil teve a chance de escolher entre o P-51 Mustang e o P-47, mas optou pelo P-47 e os brasileiros brilharam no front usando a “garrafa de leite de 6 toneladas” Aliás, pessoalmente acho o P-47 um avião tão abrutalhado que ele se torna lindo! E em voo, essa impressão se desfaz!
Ficha Técnica
REPUBLIC P-47D-RE25 THUNDERBOLT | |
MOTORIZAÇÃO | |
Marca e modelo | 1 x Pratt & Whitney R-2800-59 Double Wasp, dupla estrela, turbocaregado, interarrefecido e supercarregado |
Potência (hp) | 2.000hp e 52 mmHd na admissão (2.300 hp com injeção de água e 56 mmHg na admissão; 2.600 hp com 64 mmHg e injeção de MW50 e 2.800 hp com 70 mmHg, injeção de MW50 e Avgas 115/145) |
Numero de cilindros | 18 |
Cilindrada ( L) | 45,96 |
DIMENSÕES (m) | |
Comprimento | 11,02 |
Envergadura | 12,40 |
Altura (até o leme) | 4,47 |
DESEMPENHO | |
Alcance (km) | 1.600 |
Velocidade máxima (km/h) | 686 |
Teto de serviço (m) | 12.800 |
PESOS / CAPACIDADES | |
Lugares | 1 |
Peso máximo de decolagem (kg) | 7.938 |
Peso vazio (kg) | 4.536 |
Capacidade de combustível (L) | 1.402 |
Consumo médio por hora (L) | 600 a 10.668 m de altitude pés (35.000 pés) |
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