Somar o que se aprendeu na Segunda Guerra Mundial às novas tecnologias dos anos 50 resultou no Convair B-36, extra-oficialmente batizado de Peacemaker (pacificador).
Com tudo que isso teve de bom, mostrou rapidamente problemas, como desempenho modesto, porém autonomia enorme como era absolutamente necessário, e grande capacidade de armamento.
A história do B-36 é tão grande e complexa quanto a própria aeronave, e tentamos resumi-la aqui para que se tenha uma visão completa ao menos dos fatores principais e características dessa máquina impressionante. Ao final, sugerimos dois livros para quem quiser saber muito mais.
Por ser grande, foi usado como plataforma para vários experimentos, um deles, voar com um reator nuclear, outro, ser usado para projetos e experimentos de aviões menores, caças parasitas, para atuarem como escolta em missões longas, além de exercícios quase inacreditáveis anteriormente, como ficar no ar por dois dias seguidos sem reabastecimento de combustível. Além disso, foi feito um único exemplar do XC-99, o maior avião de carga do mundo, com fuselagem mais alta e as mesmas asas e motores do B-36, e todos os sistemas principais de controle deste. Dessa versão foi planejado também uma variante de passageiros e um hidroavião, que nunca saíram do papel.
Para minimizar os problemas de desempenho, adotou-se quatro motores a jato, mantendo os seis motores a pistão, formando uma configuração que é o exemplo vivo da transição dos motores a pistão tradicionais para o motor a jato.
Houve também uma variação de projeto com asas enflechadas e apenas motores a jato, tentando substituir o próprio avião original, e que pelo tempo em que veio, concorreu com o B-52 na cotação da USAF, embora não de forma oficial .
O B-36 foi o primeiro bombardeiro classificado como intercontinental, ou seja, um avião que poderia atravessar oceanos para realizar sua missão em outro continente. A idéia surgiu em 1941, quando a Grã-Bretanha sofria bombardeios constantes dos alemães, e os americanos estavam em dúvida se e como basear bombardeiros em solo amigo, fora do continente europeu que vivia as invasões da Alemanha, e isso só poderia ser feito na própria Grã-Bretanha.
Para que no futuro esse problema geográfico fosse minimizado, foi emitido o requerimento para um bombardeiro com alcance de 12.000 milhas (19.312 km). Esse requerimento é bem completo, e tem várias combinações de carga e distância, sendo a mais básica de todas um raio de ação de 5000 milhas (8.046 Km) com 10.000 libras de bombas (4.554 kg), ou seja, 10.000 milhas ida e volta (16.100km).
Quando o B-36 começou a ser planejado, o que havia em combate era o Boeing B-17 Flying Fortress com 1.600 km de raio de ação e 1.816 kg de carga, e o Consolidated B-24 Liberator, com 1.850 km e 2.270 kg. Só um ano depois viria o Boeing B-29 SuperFortress, com 7.264 kg de carga de bombas e raio de combate de 3.057 km.
Assim, traçou-se o plano inicial baseado nos números necessários, e a Consolidated de Fort Worth, Texas, apresentou um desenho básico com seis motores radiais em configuração pusher (empurrador, com hélices voltadas para trás, para menor turbulência sobre as asas) e fuselagem, asas e empenagem com grande porcentagem de magnésio, para reduzir o peso total, item vital em aeronaves. Esse material economizou cerca de 860 kg.
Mais uma definição importante para reduzir o peso foi o sistema elétrico gerador de energia do avião, que era de 208 V, corrente alternada trifásica, permitindo por exemplo, motores de partida de cada motor com peso reduzido, dos normais 45 kg em motores grandes e com corrente contínua, para 10,4 kg.
Outras empresas concorreram, como a Northrop com sua primeira asa voadora de grandes dimensões, algo muito futurístico e que só viria a ser efetivado com o B-2 Spirit em 1989, desse mesmo fabricante.
Obviamente esses requerimentos tinham e têm fundos sócio-políticos, e a proposta da Boeing, de uma evolução do B-29 como base para um avião maior foi desconsiderada, pois ela já estava iniciando a produção deste, garantindo muito trabalho na região noroeste dos EUA.
Inicialmente planejado para ser construído em San Diego, logo depois do início do trabalho tudo foi transferido para Fort Worth, onde a fábrica da Convair ficava na base aérea de Carlswell, utilizando a mesma pista e facilitando muito o trabalho com a USAF. Durante esse processo, a empresa mudou o nome de Consolidated Aircraft Corporation para Consolidated Vultee Aircraft Corporation, abreviado como Convair, já sendo uma divisão aeronáutica da General Dynamics Corporation, empresa que existe até hoje e fabrica o famosíssimo F-16.
O motor escolhido foi o Pratt & Whitney “X-Wasp”ainda em desenvolvimento, de 28 cilindros em quatro filas de 7 cada um, e uma “torção” entre elas para ajudar no fluxo de ar, o fluido de refrigeração desse motor. Não há assim, cilindros escondidos um atrás do outro prejudicando esse fluxo, facilitando a refrigeração. Viria a ser o motor a pistão de produção normal mais potente da história da aviação.
Falar sobre um avião tão grande, pesado e complicado é impossível sem mencionar uma avalanche de dados numéricos, que, se podem parecer frios e enfadonhos algumas vezes, e comparações com o que conhecemos mais de perto se tornam no mínimo números divertidos. Há vários desses dados em seguida.
Nas asas, o B-36 acolhia 79.694 litros de gasolina de aviação distribuídos entre seis tanques nos primeiros modelos e dez nos finais, quando a capacidade de combustível aumentou. A espessura destas asas é atribuída como um dos grandes obstáculos a um melhor desempenho do B-36, já que o perfil deveria garantir uma sustentação de acordo com o peso do avião, o que limitava a velocidade. Um compromisso sempre, e um dilema. Alcance maior, mais combustível, asas mais espessas, menor velocidade.
Havia acomodações para a tripulação na parte frontal e posterior da fuselagem, com o compartimento de bombas entre eles. Havia um carrinho onde um tripulante podia deitar e se deslocar puxando-se por uma corda, dentro de um tubo pressurizado, que permitia a passagem de um compartimento ao outro.
Para verificar alguns itens dos motores, como tubulações de combustível, fiação elétrica e mais outros, passagens por dentro das asas podiam ser usadas em vôo, embora o espaço não fosse suficiente para grandes consertos.
Com o grande alcance, era necessário comida, bebida e banheiro, e o B-36 tinha tudo isso, com duas galleys, pequenas cozinhas que permitiam aquecer alimentos, além de áreas de descanso com camas fixadas nas paredes da fuselagem, e banheiro para uso em pé e sentado, conforme a necessidade.
Armamento de defesa era pesado, com oito torres de controle remoto com dois canhões de 20 mm cada. Uma torre no nariz, uma na cauda, Seis outras eram retráteis, duas em cima na parte dianteira e quatro atrás das asas, duas em cima e duas embaixo. Portas corrediças se abriam e as torres eram movidas para fora do avião, dando liberdade de giro.
Havia o problema de serem guiadas remotamente, através de um sistema de visores ótico-elétricos, onde os artilheiros se sentavam e miravam. Esses visores estavam colocados junto das janelas circulares e em forma de bolha que são vistas nas laterais , duas logo atrás da carlinga, duas na base do estabilizador vertical e duas à frente e mais abaixo destas. O sistema era sofisticado, mas pouco confiável, perdendo a calibração constantemente e tendo que ser “zerado” várias vezes durante cada missão.
A Convair sempre teve tradição em criar coisas novas e para o B-36 se criou um adesivo para metal, eliminando milhares de operações de rebitagem. Esse adesivo foi desenvolvido para uso em forma liquida e em fita adesiva, e teve dois nomes comerciais, de acordo com os dois fabricantes licenciados pela Convair. Eram o Metlbond e o Silabond. Havia a vantagem de maior durabilidade nas juntas, com testes comparativos mostrando que as mesmas peças resistiam a 12 milhões de ciclos sendo soldadas a ponto, 18 milhões com rebites e 240 milhões com o adesivo.
Outro grande desafio foi um sistema hidráulico com pressão de 3.000 libras por polegada quadrada (psi), quando tudo que se tinha eram sistemas para 1.500 psi. A necessidade surgiu pela área das superfícies de controle das asas, leme, profundores e o trem de pouso, todos muito maiores e mais pesados que os existentes. Apesar de parecer um preciosismo ter comandos leves em aviões militares, ficara claro que comparando bombardeiros de tamanhos similares, os que mais sofreram acidentes devido a manobras erradas foram sempre os que requeriam mais força física para pilotar. Com muita força, a delicadeza e precisão dos movimentos ficava comprometida, e o convite a acidentes estava feito. Os britânicos tinham esses dados comparativos de Lancaster e Halifax, ambos ingleses, e o Liberator americano, que voou baseado na Inglaterra com tripulações inglesas. Não era bairrismo, pois tripulações americanas voaram os três aviões e concluíram a mesma coisa que os ingleses.
O protótipo era bem diferente do avião que entraria em produção, o mais visível sendo a cauda com duas derivas verticais que evoluiu para apenas um estabilizador para reduzir a massa em 1.748 kg, e o trem de pouso principal com apenas uma roda com pneu de 110 polegadas de diâmetro em cada perna (2,80 metros), o que causava enorme pressão no solo e foi trocado para quatro rodas em cada perna. O motivo inicial era o espaço para recolher o trem nas asas e a falta de freios confiáveis para rodas múltiplas em cada trem, fato que foi solucionado ao longo do tempo de desenvolvimento do protótipo. Se permanecesse apenas a roda grande, apenas três pistas nos EUA poderiam receber o B-36, devido à resistência do piso. Com a redução para pneus de 56 polegadas em número de quatro em cada perna do trem principal, tudo se tornou mais normal, se é que algo podia ser classificado de normal em um avião tão grande e pesado.
É de se tentar imaginar o que era o desenvolvimento de um veículo tão complexo como esse sem computadores para ajudar, e apenas as asas tiveram mais de seis meses de modificações e testes em túnel de vento, com modelos em escala 1/26, antes que o primeiro protótipo fosse construído.
O B-36 também marcou o início do uso de computadores em projetos aeronáuticos. A Convair adquiriu em 1951 um computador chamado de REAC, que fazia cálculos de equações cerca de 300 vezes mais rápido que humanos com calculadoras mecânicas, reduzindo tempos e custos.
O motor X-Wasp foi finalmente batizado de R-4360 Wasp Major, com cilindrada de 4.363 polegadas cúbicas, razão do nome, equivalente a 71,5 litros. Pesava 1.545 kg e tinha 3.800 hp de potência máxima em sua última versão, à rotação de 2.700 rpm. A rotação normal de cruzeiro era 2.550 rpm. Foi usado em outros aviões da força aérea e ao menos em um bombardeiro leve da Marinha, e representou o mais alto degrau de complexidade desse tipo de motor. Era composto de quatro estrelas de sete cilindros cada, com total de 28 cilindros, arrefecidos a ar. Compressor movido mecanicamente por engrenagens e turbocompressores movidos por gases de escapamento aumentavam a potência.
Cada cilindro tinha 127 mm de diâmetro e 152,4 mm de curso, 2,55 litros por cilindro, Taxa de compressão de 6,7:1. Na potência máxima, cada pistão percorria 13 metros por segundo, com o motor consumindo 1.135 kg (1.576 litros) de gasolina de aviação por hora. Em cruzeiro, esses números eram obviamente menores.
Nesse desenho animado feito em computador é possível ver o movimento do virabrequim, pistões, bielas e válvulas. Os motores radiais têm normalmente uma biela mestra, onde as outras são fixadas. Árvore de manivelas (virabrequim) em vermelho, bielas em cinza, pistões em amarelo, válvulas em azul e varetas de acionamento das válvulas em marrom.
O torque, assunto pouco comentado em motores de avião, era notável. A 1.000 rpm, eram 116 m·kgf, indo até um pico de 1.037 m·kgf a 3.000 rpm, rotação de emergência que podia ser usada por cerca de meio minuto sem danos aos motores. Com a caixa da redução de relação 2,67:1 para transmitir a potência às hélices, o torque era multiplicado, e 2.765 m·kgf era o que chegava ao eixo da hélice, que girava à rotação máxima de 1.125 rpm.
Cada cilindro tinha corpo em aço e cabeçote em alumínio forjado. O restante do bloco, consistindo de várias peças devido à complexidade , era de magnésio, com as partes parafusadas entre si.
Os corpos dos cilindros eram todos intercambiáveis nas 28 posições. Apenas duas válvulas por cilindro, porém duas velas de ignição, para maior confiabilidade. Os mecânicos carregavam as velas de reposição em baldes, já que eram 56 em cada motor, 336 no total dos seis motores. Para trocar todas as velas de um motor instalado no avião, era necessário um dia de trabalho de um mecânico, devido à conformação radial do motor, e sua instalação dentro das asas. Comando de válvulas por varetas, passando por fora do bloco, como nos Volkswagens a ar. No virabrequim e nos comandos, mancais de rolamentos.
A alimentação era feita por um carburador de corpo quádruplo, um “quadrijet”, com 20 polegadas (508 mm) de diâmetro de entrada de ar, que se dividia para as quatro entradas. O compressor mecânico era posicionado logo após o carburador, e antes do duto de admissão que circundava os sete cilindros de cada estrela e tinha uma saída para cada um. Seu tamanho avantajado consumia 435 hp para ser movimentado, mas a potência que ele adicionava era de 1.930 hp , já que dobrava a pressão da admissão, de 30 polegadas de mercúrio para 60 (De uma atmosfera, “aspirado”, para duas, ou seja, uma atmosfera de sobrepressão).
Os turbocompressores eram em número de dois para cada motor, montados em paralelo. O objetivo é que eles mantivessem a potência gerada ao nível do mar até uma altitude de cerca de 10.000 metros. O diâmetro da roda da turbina era de 14 polegadas, e tinham também trocador de calor ar-ar, para permitir maior densidade do ar comprimido.
O controle de mistura era automático, algo não comum em aviões a pistão, mas que eram controlados pelo engenheiro de vôo que cuidava dos motores apenas.
Depois de algumas séries do motor onde melhorias eram implementadas, a partir do R-4360-53, passou-se a usar um sistema de injeção Bendix, mecânico, para maior regularidade, confiabilidade. Nessa mesma série havia injeção de água, usada em decolagem, que dava mais 8% de potência.
A lubrificação requeria uma quantidade de 190 galões (720 litros) de óleo, com controle automático de temperatura por sensores e válvulas que mudavam a quantidade de lubrificante que percorria o motor.
O fato dos motores estarem dentro das asas, com todo ar necessário para alimentação e arrefecimento entrando apenas pelas aberturas no bordo de ataque, fez com que a temperatura fosse algo a ser sempre preocupante, já que incêndios não foram tão incomuns nos primeiros tempos de operação. Posteriormente, canalizações mais bem projetadas por dentro das asas eliminaram esses problemas, e a injeção de combustível substituindo o carburador ajudou a solução a ser eficiente.
Mas os seis motores com potência combinada de 21.000 hp ainda eram pouco para o total de 126 toneladas de peso máximo de decolagem, provendo velocidade máxima de 520 km/h, teto de serviço de 11.643 m e uma velocidade ascensional que era claramente ruim, com 450 pés/min, significando uma subida de cerca de 80 minutos até o teto máximo. Essa razão de subida é da ordem de grandeza de aviões de uso geral e lazer, como por exemplo, um Piper PA-28 Cherokee como os usados no Aeroclube de São Paulo, cuja razão é de 500 pés/min em uso normal.
Em 8 de agosto de 1946, ao sair do hangar da Convair e fazer seu primeiro vôo, o B-36 pegou seu primeiro apelido, “Jesus Cristo”, pois era o que muita gente dizia ao vê-lo pela primeira vez.
A fabricação e manutenção requereu novidades para funcionar a contento. O maior prédio da Convair precisava ter o avião em posição angulada em relação ao eixo longitudinal, rodas apoiadas em trolleys para poder se deslocar para frente, com pequenos tratores puxando o avião sobre o piso da fábrica. Próximo do final da linha, a dianteira era levantada, baixando a cauda, para montar a última parte da deriva vertical. Nessa posição o avião era trazido para fora do galpão da fábrica.
Na manutenção dos motores, eram necessárias estruturas com coberturas para permitir o trabalho das equipes sem a necessidade de fabricar hangares especiais, maiores que os existentes, já que o tempo de manutenção era grande, com o avião muitas vezes parado por dias apenas para troca de componentes das asas. À noite no inverno, qualquer cobertura ou painel cortando o vento era bem-vindo.
Depois de diversos vôos, onde o desempenho verificado foi menor que o previsto, motores com o sistema VDT, Variable Discharge Turbine, foram propostos e testados, mas não chegaram a ser montados em nenhum avião. Esse sistema tinha um turbocompressor com saída de gases regulável, para permitir aproveitar o empuxo dos gases de escapamento como uma turbina, mas para funcionar, deveria ser feita uma alteração estruturalmente importante, montar as hélices à frente das asas, como na maioria dos aviões. Isso requeria muito tempo de projeto, muito custo, para uma potência máxima de 4.300 hp estimados.
Mas a General Electric já trabalhava a fundo no J47, um turbojato que seria utilizado no B-47 da Boeing, o primeiro bombardeiro de grande porte a jato, e um par desses motores com a mesma nacele foi testado em cada asa do B-36. As vantagens foram claras e muito mais simples de serem executadas no B-36, e assim, a partir do modelo D, todos os B-36 passaram a sair da Convair com mais quatro motores a jato, para um total de dez. Os exemplares anteriores foram convertidos para uso desses motores adicionais, diminuindo muito os problemas de desempenho do gigante. Esses motores eram usados nas decolagens, em mudanças rápidas de altitude e nas corridas de bombardeio, quando o avião deveria voar o mais rápido possível sobre o alvo. Isso nunca ocorreu em condição de guerra, já que o B-36 nunca entrou em situação de combate real. Os motores a jato permaneciam desligados no restante do tempo de vôo, e, para evitar arrasto excessivo e problemas de lubrificação por estar parado e submetido a baixas temperaturas em altitude, havia uma carenagem móvel, que fechava e deixava entrar apenas 5% do fluxo de ar na tomada deste, mantendo o eixo principal no motor girando.
A velocidade máxima subiu para 700 km/h com os jatos, com razão de subida duas vezes mais rápida, com 900 pés por minuto. A corrida de decolagem foi reduzida em 600 metros, notáveis melhoras que fizeram o avião celebrizado por seu raio de ação ser também melhor considerado no desempenho puro. Convertendo-se o empuxo dos motores a jato em hp, a potência total dos dez motores chegava a 44.000 hp em rotações de emergência, e 40.000 hp em vôo de cruzeiro, a altitude de pouco mais de 13.000 m, dois quilômetros mais alto do que conseguia com apenas os motores a pistão.
Usado como plataforma de testes, o B-36 teve várias tarefas facilitadas pelo espaço de sobra em seus compartimentos de bombas. Um deles foi o míssil Rascal, de grandes dimensões e guiado por câmera de televisão em seu nariz, podia atingir Mach 2 e ser lançado a até 160 km do alvo. No B-36 era instalado todo o sistema de direcionamento e um operador guiava o míssil por imagem, até o alvo.
Em julho de 1955 voou o NB-36H, sendo a letra N de nuclear. Até março de 1957 foram feitos 28 vôos de teste com um reator nuclear ativado a bordo, porém, sem gerar energia para movimentar o avião. Era o primeiro estágio do programa que visava construir um avião movido a energia nuclear, que seria usada para aquecer rapidamente o ar comprimido pelos estágios de compressão dos motores a jato. A rápida expansão do volume da ar seria direcionada à turbina e geraria o empuxo necessário à propulsão do avião, sem o uso de combustível líquido.
Vários problemas travaram o desenvolvimento, o maior deles a incerteza quanto à segurança em caso de acidente com o avião.
Outros dois programas que tiveram o B-36 como veículo de testes foram os de caças parasitas, primeiro o McDonnell XF-85 Globin, depois o FICON, que usava um Republic F-84 Thunderjet modificado, e mais adiante o Tom-Tom, que empregava dois F-84.
Os caças parasitas tinham uma função de proteção do bombardeiro. Carregados pelo B-36 até zona de perigo, seriam liberados em vôo e passariam a fazer a escolta do bombardeiro, combatendo eventuais caças inimigos. Após o ataque do B-36 concluído, os aviões se reacoplariam a este, desligariam seus motores e voltariam para casa de carona, só sendo soltos para pousar em separado.
O XF-85 era carregado dentro do compartimento de bombas, e o piloto só entrava no avião quando fosse necessário. Foi o único caça parasita que não precisava decolar nem pousar separado do bombardeiro-mãe, graças ao seu pequeno tamanho e as asas totalmente dobráveis.
No FICON (Fighter Conveyor – carregador de caça), o F-84 decolava acoplado ao B-36, recolhido parcialmente para dentro do compartimento de bombas por um sistema parecido com um trapézio. Para o pouso, era solto e descia independente. Havia um tanque de combustível dentro do B-36 para que o caça pudesse ser reabastecido quando preso a este.
O programa Tom-Tom, assim chamado por ter sido comandado pelo Major General Tom Gerrity e pelo gerente de contratos da Convair , Tom Sullivan, utilizava uma idéia originária do Dr. Richard Vogt, um alemão que emigrara para os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Ele advogava a idéia de aviões acoplados pelas pontas das asas, de forma a aumentar a área de sustentação do avião maior, e com isso, ampliar a autonomia do conjunto. Apesar de efetiva, fazer o acoplamento seguro e com o grau de movimento entre as aeronaves necessário e suficiente é que era o problema.
Antes do Tom-Tom no B-36, foi feito o similar TOW TIP para o B-29, até que houve um acidente em que os três aviões caíram, matando todos os tripulantes.
No B-36 imaginava-se que a maior estabilidade de uma aeronave maior fosse vantajosa, mas as turbulências geradas na região das pontas das asas (vórtices) eram ainda mais fortes que no B-29, e o programa foi cancelado justamente pela extrema dificuldade de aproximação e engate dos dois aviões, que provocou a quebra do sistema de engate em uma ocasião após várias oscilações para cima e para baixo do F-84, sem ferir ninguém.
Para todas essas variações e projetos experimentais, sempre era necessário mais tripulantes específicos para cada caso, mas em se falando de tripulação típica, o B-36 contava com os seguintes oficiais. Piloto e co-piloto, dois engenheiros de vôo para os motores, navegador, operador de rádio e bombardeador, mais dois artilheiros, todos esses no compartimento dianteiro. No traseiro, dois observadores para hélices e motores, dois artilheiros para os canhões superior e inferior, e mais um para os canhões de cauda. Quinze pessoas.
O RB-36, versão para reconhecimento, usava dezessete câmeras fotográficas em várias posições e tamanhos, além de equipamento elétrico e eletrônico adicional, e necessitava de mais sete oficiais, para um total de vinte e dois tripulantes.
Na tentativa de ganhar a concorrência para a substituição do B-36, a Convair fabricou dois protótipos com asas e empenagem enflechadas para trás, movido por oito motores a jato, tudo para mais velocidade. Foi chamado de YB-60 (Y de prototype), e voou em 18 de abril de 1952, apenas três dias antes do protótipo do B-52, que desde as primeiras avaliações, se mostrou com desempenho bastante superior. O YB-60 tinha maior capacidade de combustível, maior carga de bombas e voaria um pouco mais rápido e mais alto, mas ainda assim, não era páreo para o B-52, já que a diferença apenas na velocidade era de aproximadamente 200 km/h a mais para o avião da Boeing.
Algumas comparações curiosas, o “acredite se quiser” publicado no jornal da empresa Convair em outubro de 1957, mostrava:
– a envergadura de 70,1 metros é maior que a distância do primeiro vôo dos irmãos Wright;
– os 44.000 hp são o equivalente a nove locomotivas, ou 400 carros americanos médios da época;
– a carga de bombas de 38.136 kg é maior que o peso total de um B-24 Liberator totalmente carregado;
– o volume dos compartimentos de bombas é ligeiramente maior que o de três vagões de carga padrão;
– o volume total do avião, considerando interior de asas, fuselagem e demais partes, é o mesmo de três casas de cinco quartos (lembrem-se do padrão americano de espaço de sobra)
– os mais de 113.500 litros de combustível do B-36 permitiriam que um carro desse a volta ao planeta dezoito vezes;
– os mais de 43 km de fios elétricos poderiam fazer todas as ligações de 280 casas de cinco quartos;
– o sistema anti-congelamento do avião tem potência de 4.920.000 BTU por hora, o suficiente para aquecer um hotel de 600 quartos.
O avião era verdadeiramente grande, não tanto em comprimento, que era de 49,42 metros, mas sim na envergadura de 70,12 m, altura da cauda de 14,25 m e principalmente, no volume visual das asas, que tinham mais de 443,5 m² de área, e espessura na parte da raiz destas, junto da fuselagem, de 2,1 m.
Esse tamanho todo rendeu mais um apelido, magnesium overcast, que pode ser entendido como “nublado de magnésio”, um pouco de brincadeira com o tamanho da sombra que o avião fazia. Um outro não é algo tão específico desse avião, mas também foi usado, The Big Stick – O Grande Porrete. Já uma designação que não é um apelido, mas apenas uma forma de se referir ao B-36, era six turning and four burning — seis girando e quatro queimando — relativo aos seis motores a pistão e os quatro a jato.
O nome mais conhecido, porém, é Peacemaker — pacificador — fazendo figura para demonstrar que seu poder de ataque era tão grande que ele traria o medo ao inimigo, que nem mesmo começaria um conflito. Um belo nome, com esperanças e desejos embutidos, e criado em um concurso de funcionários da Convair. Nomes puramente ridículos foram sugeridos, e ainda bem, descartados, como Unbelievable (Inacreditável) e King Kong Bomber.
Contando os protótipos e todas as variações e versões, foram construídas 385 aeronaves, com operação normal de 1949 a 1959, apenas utilizado pelo mítico Comando Estratégico Aéreo (SAC) da Força Aérea dos Estados Unidos*.
Durante esse tempo, voou com armamentos convencionais e nucleares, e alguns acidentes ocorreram, inclusive dois deles com armas atômicas a bordo, porém sem a carga de plutônio ativada, onde apenas explodiram os detonadores do convencional TNT. Sem radiação liberada na atmosfera, portanto.
Há alguns poucos exemplares do B-36 em exposição nos EUA. O mais bem conservado deles, e o único abrigado dentro de um hangar está no museu da Força Aérea Americana -USAF, na cidade de Dayton, Ohio.
Para saber mais, dois dos vários livros escritos sobre a gigantesca aeronave.
Convair B-36. A Comprehensive History of America’s “Big Stick” – Meyers K. Jacobsen
Livro enorme e detalhado ao extremo, que além de descrever o avião em si, engloba todo o panorama histórico do período, e traz depoimentos de tripulantes que voaram o Peacemaker.
Magnesium Overcast . The Story of the Convair B-36 – Dennis R. Jenkins
Menos volume que o primeiro, e mais abrangência geral, ilustrado em profusão com desenhos dos manuais da USAF, porém, em tamanho menor do que o desejável. A quantidade de ilustrações chega a deixar o aficionado sem fôlego.
*Há um excelente filme sobre o Comando Estratégico Aéreo, “Águias em Alerta” (A Gathering of Eagles, 1963), que versa sobre a Guerra Fria e uma base de operações de B-36 no Alasca, de onde a União Soviética poderia ser alcançada para um ataque nuclear. Existe em Blu-Ray e videostreaming.
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