História da primeira fase da TAM, sobre a empresa nascida no ramo de táxi aéreo até sua consolidação como companhia aérea regional sob a batuta do intrépido Comandante Rolim
Chegamos na última empresa do SITAR, a TAM Linhas Aéreas. É indissociável falar da TAM sem citar o Comandante Rolim Adolfo Amaro, seu fundador, proprietário e força-motriz que transformou uma regional na líder do mercado latino-americano. Rolim Amaro era daqueles em que a companhia aérea foi moldada em sua personalidade. Foi o último dos grandes da aviação comercial brasileira.
Dividiremos a história da TAM em três fases: quando era táxi-aéreo e regional (1961-1990), em que a história da TAM Táxi Aéreo se confunde com a TAM Transportes Aéreos Regionais; a expansão nacional (1990-2001), com o Fokker 100 como ponta de lança de várias iniciativas; e a fase pós Rolim (2001-2010), quando a empresa tornou líder nacional até a fusão com a chilena LAN.
PARTE 1
OS PRIMÓRDIOS DA TAM
As origens da TAM remontam a 1961, quando um grupo de pilotos paulistas fundou a Táxi Aéreo Marília – TAM, com frota de aeronaves Cessna 170 e 180. Era um período de expansão agrícola em São Paulo e os pilotos queriam agarrar esta oportunidade de negócios. A expansão foi tão rápida que precisaram contratar pilotos para apoiar os acionistas da empresa. Desta forma Rolim entrava na TAM como piloto, o último na lista de senioridade, algo que ele lembraria até o fim de sua vida citando a escala dos pilotos da época.
Em 1964, Orlando Ometto, empresário da agricultura e com crescentes investimentos no setor de açúcar, injetou capital na TAM em troca de 50% das ações. Ometto investiu na TAM para que servisse de suporte para os empreendimentos agrícolas, sobretudo na região de Suiá-Missu, no Mato Grosso, e o jovem Rolim Amaro se candidatou a voar naquela região.
Por divergências com a chefia de operações, Rolim pediu demissão da TAM e trabalhou por um breve período na Líder Táxi Aéreo – a maior do setor, VASP e na divisão aérea do Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Enquanto era piloto desta última, foi procurado pelo banqueiro Armando Conde, do BCN, para recomendar algum piloto para voar no Araguaia.
Rolim viu a oportunidade de ter seu próprio avião e propôs que, se o banqueiro financiasse um avião, Rolim pediria demissão do seu emprego e trabalharia para ele. Em pouco tempo, Rolim conseguiu capital para montar a Araguaia Táxi Aéreo – ATA, com frota de dez aeronaves financiadas pelo BCN e trabalhando não só para Conde, mas para diversas comunidades ao longo do Rio Araguaia. Um notável feito para um piloto que era o último da escala da TAM alguns anos atrás. No Araguaia foi onde aprendeu a lidar com pessoas de todas as classes, lições que mais tarde seriam fundamentais na história da TAM.
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Em 1971, Orlando Ometto era proprietário de 100% da TAM, mas o táxi aéreo continuava deficitário e em busca de uma solução, procurou Rolim para administrar a empresa. Com seu jeito franco, Rolim propôs a Ometto ser sócio da TAM e prometeu que a tornaria lucrativa em um ano. Vendendo os aviões da ATA e assinando promissórias, Rolim tornou-se sócio de 50% da TAM em 1972. Era uma oportunidade de negócio muito maior que na selva amazônica, lugar onde contraiu malária sete vezes.
Desde o final da década de 1960, a TAM tinha se movido para São Paulo e no Aeroporto de Congonhas tinha dois hangares, sendo um reservado para a AeroTec. A frota em 1972 era composta por dois Navajos, um Gran Commander e um Azteca. Entre as primeiras medidas de Rolim na TAM foi tornar a empresa atuante popr 24 horas, com direito a uma cama para o piloto de plantão, a compra da AeroTec e de dez Cessna 402 novos. Era um passo maior para uma empresa que vivia no vermelho. Ometto ficou espantado duplamente: pela encomenda de aeronaves e por Rolim ter cumprido a promessa de tornar o táxi-aéreo lucrativo.
Em 1974, com a companhia recuperada, a TAM trouxe seus primeiros jatos executivos, dois Learjet 25, PT-JBQ e PT-DVL – este último pertencente ao pecuarista Sebastião Ferreira Maia. Tião Maia, como era conhecido, recebeu como pagamento 33% da TAM e mais horas de voo a serem consumidas sem custos. Orlando Ometto e Rolim Amaro teriam cada um 33% da TAM.
A composição tripartite duraria pouco tempo, com Tião Maia mudando para Austrália após desavenças com o governo militar, e Orlando Ometto comprou sua parte na companhia sem o conhecimento de Rolim. Quando soube da compra por Ometto, Rolim o criticou por ter quebrado o pacto que, se um dos três saísse, a composição acionária voltaria ser 50/50, e agora Rolim estava como sócio minoritário de 33%.
Uma das medidas que mais desagradou Rolim foi a indicação de Rubens Ometto, sobrinho de Orlando, à presidência do Conselho de Administração da TAM, para averiguar as contas da empresa e, posteriormente, demitir Rolim. O até então clima amistoso entre os dois compadres paulistas passou a ser uma relação fria e apenas profissional.
SITAR – ENTRADA DA TAM NO MERCADO REGIONAL
Em nível nacional, corria o plano do governo federal de ressuscitar a malha regional e a associação entre a TAM e a VASP foi a primeira a ser anunciada. Na verdade, a TAM começara a operar voos regionais em 1975 com os Cessna 402, como São Paulo Congonhas-Araraquara e Rio de Janeiro Santos Dumont-São José dos Campos, ambos duas vezes por dia com os Cessna 402.
Pelo acordo, a VASP entraria com os Embraer EMB-110 Bandeirantes e sua estrutura no interior paulista, com 99,98% das ações preferenciais e 33,33% das ações ordinárias, com direito a voto. No total, a TAM Transportes Aéreos Regionais (TAR) teria 61% do capital em propriedade da VASP e o restante da TAM Táxi Aéreo, que entraria com seis Cessna 402, um Piper Navajo e motores sobressalentes. A atuação da nova empresa seria São Paulo, Norte do Paraná, Rio de Janeiro e a região que compreende o atual Mato Grosso do Sul. No dia 12 de julho de 1976, a TAM Transportes Aéreos Regionais começava seus primeiros voos regulares.
Após dois anos de distanciamento, Rolim Amaro e Orlando Ometto chegaram a um acordo para vender a parte deste último na TAM, uma vez que a auditoria de Rubens Ometto mostrou que Rolim administrava bem a empresa e aconselhou seu tio a vender sua parte na empresa. Conta-se que Rolim chamou Ometto após um voo em Congonhas e perguntou por quanto venderia a TAM. Ometto disse que venderia por US$ 2 milhões a sua parte e Rolim sacou o cheque e assinou com o valor, levando o industrial a passar mal pela atitude do seu sócio minoritário. Na cultura caipira do interior paulista, era uma forma simbólica em que um papel assinado valia a um compromisso. Rolim assinou, mas não sabia como pagar. Começou a vender tudo que era supérfluo: o Learjet 25 PT-JBQ foi vendido e mesmo assim continuou devendo a Ometto.
Rolim confidenciou aos seus próximos que deixaria de pagar o seguro dos aviões de táxi aéreo e, com isso, conseguiria pagar em dois anos a dívida com Ometto. Foi convencido por Richard Hodger, executivo da Cessna, a não fazer isso. No dia seguinte, 24 de setembro de 1977, o Learjet 25 PT-DVL acidentou-se após pousar no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, felizmente sem vítimas fatais, mas o avião ficou destruído. Com perda total, Rolim Amaro recebeu o prêmio do seguro. Em um golpe do destino, Rolim tinha o dinheiro para pagar a dívida com Ometto.
Em 1977, a TAM atendia 19 cidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso em 184 voos semanais, operados com nove EMB-110 e mais os Cessna 402 em conjunto com a TAM Táxi Aéreo. No ano seguinte recebeu mais dois EMB-110 da VASP, PP-SBF e PP-SBG, padronizando a frota regional no modelo da Embraer, enquanto os Cessna ficariam no táxi aéreo e eventualmente atendendo algum voo regular da subsidiária.
ANOS 80 – CONSOLIDAÇÃO NO MERCADO REGIONAL
Em fevereiro de 1980, o EMB-110 PP-SBA foi o primeiro avião da TAM com as novas cores, constituído por cauda azul, com transição para a fuselagem com listras vermelhas e o nome TAM em itálico e na cor vermelha. Naquele mesmo ano, a TAM receberia seus três primeiros Fokker 27, com capacidade 2,5 vezes maior que os EMB-110. O Grupo TAM na época era constituído pela TAM Amazônica, AeroTáxi Paulista, TAM – Táxi Aéreo Marília, TAM Transportes Aéreos Regionais (TAR), Multilanche, Performance Propaganda e a Stratus, de serviços de lavoura. O grupo possuía 42 aeronaves, sendo 12 a serviço da divisão regional do grupo.
Enquanto recebia novos aviões, a TAM Táxi Aéreo aumentava o capital na TAM-TAR cada vez mais. Em 30 de abril, a Assembleia Geral Ordinária aprovou o aumento de capital na TAM-TAR para Cr$ 176 milhões, por meio da conversão dos dividendos em capital. Como detentora majoritária das ações ordinárias, a TAM Táxi Aéreo aumentou o capital na subsidiária sem questionamentos da VASP.
Em 1981 mais dois aumentos de capitais, para Cr$ 289 milhões e posteriormente para Cr$ 409 milhões, com a TAM Táxi Aéreo subscrevendo totalmente os valores. A participação da VASP na TAM foi reduzida para 38,6% do capital total, sendo 19,1% em ações ordinárias e 70,7% em ações preferenciais. Em 1983 a participação da VASP foi reduzida para 30,8%. Houve até Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa de São Paulo para saber o porquê da VASP não subscrever ações na TAM ao longo dos anos, passando todo o patrimônio público e a rede de rotas regionais para uma empresa de forma praticamente gratuita. Mas o desfecho mostrou inconclusivo e até hoje os motivos nunca foram esclarecidos.
Por ter sua atuação na região mais rica do país, foi a TAM a primeira regional do SITAR a transportar mais de 1 milhão de passageiros desde a sua fundação. Este fato ocorreu em 16 de setembro de 1981. A TAM se consolidava como a maior regional do país.
Entre 1981 e 1984 a TAM trouxe mais três Fokker 27 e dois EMB-110, além de operar por pouco tempo com o EMB-110F PT-LBU e o EMB-110P1 PP-SFS. Em 1983 inaugurou a sua primeira operação internacional: Ponta-Porã-Assunção, com os EMB-110.
Esse período de crescimento foi ofuscado por duas tragédias: em 7 de outubro de 1983, o EMB-110 PT-SBH colidiu com um terreno em aproximação visual em Araçatuba, interior paulista, após tentar duas aproximações anteriormente, com o saldo de sete pessoas perdendo a vida. Em 28 de abril de 1984 foi a vez do EMB-110 PT-SBC se chocar com morros em Macaé, Rio de Janeiro, perecendo todos os 18 ocupantes, sendo 14 jornalistas que iam cobrir a operação petrolífera da Petrobras na Bacia de Campos.
Em 1986 a TAM recebeu, junto com a Rio-Sul e a VOTEC, autorização para operar nos aeroportos centrais de Belo Horizonte (Pampulha), São Paulo (Congonhas) e Rio de Janeiro (Santos Dumont), denominados Voos Direto ao Centro (VDC). A TAM operava uma frequência diária interligando Congonhas com Curitiba e Pampulha, e deste aeroporto, para o Santos Dumont.
No mesmo ano, a TAM ampliou sua presença no mercado ao comprar os ativos do braço regional da VOTEC. Para driblar a legislação do SITAR, que proibia regionais de comprar as outras integrantes do sistema, Rolim usou a TAM Táxi Aéreo para comprar os ativos da empresa. A nova empresa, Brasil Central Linhas Aéreas Regionais, foi formada em 26 de julho, com a TAM Táxi Aéreo proprietária de 40% da nova empresa, e a Barros Ribeiro Participações e Motortec – antiga acionista da VOTEC – com 30% cada.
A TAM recuperou o mercado que a VOTEC tinha abandonado, trazendo mais Fokker 27 e transferindo alguns EMB-110 de sua frota para a Brasil Central. Em 1988, as duas empresas transportaram 505.425 passageiros com frota de 16 EMB-110 e 11 Fokker 27 e uma rede de rotas que ia desde o norte do Paraná até o interior do Pará. Juntas eram a maior regional do país mas, considerando cada uma independente, a TAM era a segunda maior e a Brasil Central, a quarta, bem próxima da terceira colocada, a TABA.
No final de 1989, a TAM conseguiu autorização do Departamento de Aviação Civil (DAC) a operar na Ponte-Aérea Rio-São Paulo, quebrando o pool formado pela VARIG/Cruzeiro, VASP e Transbrasil. A TAM colocou seus melhores Fokker 27 na rota, com seis partidas diárias para cada cidade, com caprichado serviço de bordo, reserva de assentos e balcão exclusivo. Chamava este serviço de Primeira Classe TAM.
A década de 1990 começou trágica para a TAM: em 12 de fevereiro o Fokker 27 PT-LCG sai da pista em Bauru e acerta um veículo em que estava uma mãe e seu filho, ambos falecendo. Um mês depois seria a vez de o piloto falecer.
BRIGANDO PARA SER GRANDE
Rolim sonhava que a TAM deveria estar entre as grandes, não se contentava em ser apenas a maior regional do país, queria ser uma empresa de âmbito nacional. Apesar da pujança do Grupo TAM, ela transportava aproximadamente o equivalente a 25% dos passageiros da Transbrasil, a menor das três grandes. Entrar neste grupo era a obsessão de Rolim e seu atalho era adquirir a VASP, uma empresa dez vez maior que a TAM.
Para dar o salto que o colocaria entre as maiores, Rolim fazia lobby político pela privatização da VASP e tentava convencer os bancos a financiar a compra. Chegou a cogitar a compra de títulos públicos com desconto de 60% para pagar a compra da empresa, o que significaria na prática pagar apenas 40% pelo que exigiam da VASP. O plano não foi para frente devido a negativa do Tesouro Nacional em autorizar a utilização destes títulos para pagar a aquisição da empresa.
Em abril de 1990, a TAM anunciou a chegada de dois jatos Fokker 100, com opção para mais dois, em um acordo de leasing com a Guinness Peat Aviation (GPA). Era parte de um plano de investimento de US$ 120 milhões que previa operar 14 unidades do modelo em três anos.
A intenção do Rolim era utilizar parte dos Fokker 100 na VASP para modernização da frota, e a TAM converteria em uma empresa voltada para o público executivo, enquanto a Brasil Central receberia os Fokker 27 e focaria no mercado regional. Porém, Rolim começou a ver nuvens negras no horizonte, na forma do empresário Wagner Canhedo.
Canhedo, assim como o Rolim, não completou os estudos, mas fez fortuna levando materiais e pessoas para a construção de Brasília. Seu império econômico envolvia empresas de cargas, madeireiras, transporte urbano, fazendas, postos de gasolina e a Brasília Táxi Aéreo – BRATA. Ligado aos círculos políticos de Brasília, Canhedo tinha proximidade com Paulo César Farias, tesoureiro e homem de confiança do recém-empossado Fernando Collor de Mello.
Rolim sabia do perigo em ter um outsider em um setor considerado um clube de cavalheiros e via na VASP seu maior desejo: estar entre as grandes do setor. Procurou apoio na VARIG para juntos comprarem a VASP, sem sucesso. Aos poucos, os sete bancos que concordaram a financiar a compra foram retirando as linhas de crédito. Rolim afirmava publicamente que o motivo da desistência dos bancos era uma dívida do Banco do Brasil com a VASP que venceria dias depois do leilão e poderia inviabilizar o negócio.
Em último gesto, reuniu-se com Canhedo e propôs que ambos não participassem do leilão – era a forma que ele imaginava para ganhar tempo enquanto o governo paulista reestruturava a empresa. Canhedo negou o acordo e disse que compraria a empresa independentemente do valor. Nas palavras de Miguel Pacheco Chaves, empresário e amigo de Rolim, “foi a única vez na vida em que vi Rolim ser dominado por um olhar, o olhar do Canhedo”.
Derrotado, Rolim preferiu concentrar suas forças em fazer a TAM crescer, e os ventos neoliberais que beneficiaram Canhedo com a VASP seriam os mesmos que levariam a sua empresa para outro patamar na última década do milênio
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