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sábado, 9 de dezembro de 2023

Voo Vasp 375: como quase tivemos um 11 de setembro brasileiro

 

Em 11 de setembro de 2001, o mundo foi abalado pelos ataques terroristas em Nova York e em Washington, lançando o mundo em uma guerra que dura até hoje, 10 anos depois.

O PP-SNT, sequestrado em 1988 (Foto: Ken Meegan)
A idéia de lançar aeronaves comerciais cheias de passageiros contra prédios, no entanto, não era novidade em 2001, pois, em 1988, um brasileiro chamado Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 28 anos de idade, pensou na mesma coisa. Nonato tentou, e quase conseguiu, executar um atentado contra o Palácio do Planalto e o então Presidente José Sarney, utilizando para isso um Boeing 737-300 da Vasp.
Raimundo Nonato da Conceição, o sequestrador, no hospital, após o incidente
O Brasil, naquela época, passava por sucessivas crises econômicas, hiperinflação e desemprego. Raimundo Nonato era uma das vítimas do desemprego. Trabalhava em Minas Gerais em uma grande construtora, que dispensou um grande número de empregados, entre eles Raimundo, devido à situação de estagflação (recessão com inflação) da economia.
Desesperado e sem expectativas, Raimundo Nonato arquitetou um diabólico plano de vingança contra o Presidente José Sarney, que considerava como o maior responsável pela caótica situação do país. Sua intenção era sequestrar um avião comercial e fazer o piloto jogar o avião contra o Palácio do Planalto, em Brasília, para matar o Presidente.

Raimundo recolheu suas poucas economias e comprou uma passagem da Vasp do Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, para o Rio de Janeiro. Seu voo era o VP 375, que se originava em Porto Velho, Rondônia, fazia escalas em Brasília, Goiânia, Confins e terminava no Rio. Era operado, naquele dia, 29 de setembro de 1988, pelo Boeing 737-300 matriculado PP-SNT.
O PP-SNT, um dos Boeing 737-300 da Vasp
Raimundo também comprou uma arma, um revólver calibre 32, e conseguiu embarcar com a mesma no voo sem ser incomodado pela segurança do Aeroporto de Confins. Naquela época, não existia ainda o processo de inspeção de passageiros e bagagens por raio-x.

O avião decolou de Confins às 10h 42min. Pouco depois das 11 horas, Raimundo levantou-se da sua poltrona, sacou a arma e foi direto para o cockpit do avião. O avião estava quase lotado, pois tinha a bordo seis tripulantes, 105 passageiros e mais dois tripulantes da Vasp voando de extras.

Um desses tripulantes extras, o copiloto Ronaldo Dias, tentou impedi-lo, e acabou sendo alvejado na orelha . Em seguida, Raimundo arrombou a porta do cockpit com 5 tiros, remuniciou rapidamente a arma e entrou no cockpit, anunciando o sequestro. Um dos tiros dados contra a porta feriu na perna um engenheiro de voo da Vasp, Gilberto Renher, que voava de extra no jump-seat, e anunciou o sequestro.

Na confusão estabelecida no cockpit pela invasão do sequestrador e pelo ferimento no engenheiro Renher, o Comandante Fernando Murilo Lima e Silva, de 41 anos de idade, conseguiu colocar o código 7700 no transponder do avião, deixando claro para os controladores de tráfego aéreo e autoridades que o avião tinha sido sequestrado. O relógio marcava então 11h 15 min.

O Cindacta I, em Brasília, ao constatar o código 7700 no radar secundário, ao lado do sinal do Boeing da Vasp, imediatamente entrou em contato com os pilotos. O copiloto Salvador Evangelista, carinhosamente apelidado de Vangelis pelos colegas, abaixou-se ligeiramente para apanhar o microfone e responder ao Cindacta, mas esse movimento foi mal interpretado pelo sequestrador, que friamente atirou na nuca do copiloto, matando-o na hora. A situação a bordo tornava-se cada vez mais dramática.
O copiloto Salvador Evangelista, com a filha Wendy (foto: Wendy Fernandes Evangelista)
Raimundo Nonato apontou a arma para o comandante Murilo, e ordenou que desviasse o voo para Brasília. A Força Aérea ordenou imediatamente que um elemento de caças Mirage III decolasse da Base Aérea de Anápolis e acompanhasse o voo, ao mesmo tempo em que avisava o Presidente José Sarney, que cancelou todos os seus compromissos naquele dia.

O comandante Murilo ficou estarrecido quando tomou conhecimento da real intenção do sequestrador. Se cumprisse suas ordens, todas as pessoas a bordo estariam condenadas, e poderia ocorrer uma tragédia sem precedentes em Brasília.
O ex-Presidente José Sarney
Murilo era uma pesssoa calma e tranquila. Jamais chegou a pronunciar a palavra "sequestrador" pelo rádio, preferindo chamar o elemento de "passageiro". O comandante tentou ganhar tempo. Afirmou que não teria condições de mirar o avião no Palácio, que estaria, supostamente, encoberto por uma camada de nuvens. Depois, chamou a atenção de Raimundo para o baixo nível de combustível nos tanques, que poderia acabar a qualquer momento, derubando o avião.
O Palácio do Planalto, sede do Governo Brasileiro
Raimundo hesitou, chegou a desistir de jogar o avião no Palácio do Planalto, mas depois começou a dar ordens conflitantes. Não aceitou a proposta do comandante de pousar no Aeroporto de Brasília ou na Base Aérea de Anápolis, para onde o avião foi depois, pois sabia que não teria condições de escapar de nenhum desses lugares.
A rota do Boeing sequestrado
A um certo momento, o nível de combustível tornou-se realmente crítico. As ordens dadas pelo sequestrador tornaram-se confusas e contraditórias, e até mesmo a idéia de jogar o avião no Palácio voltou a ser cogitada por Raimundo.

O comandante tomou a proa de Goiânia, e resolveu tomar uma medida deseperada para tentar derrubar e dominar o sequestrador. Perto de sobrevoar Goiânia, resolveu executar um tounneau barril, uma manobra na qual o avião executa um giro longitudinal ao redor de um eixo imaginário. Nunca, na história, um Boeing 737 tinha executado tal manobra. Não surtiu efeito, e Murilo então resolve estolar o avião e comandar um parafuso. Dessa vez, Raimundo caiu, mas os tripulantes também foram afetados pela manobra e não conseguiram dominar totalmente o sequestrador. As acrobacias, no entanto, desorientaram suficientemente o sequestrador para permitir que o comandante, na sequência, executasse um pouso rápido na pista de Goiânia. O relógio marcava, então, 13h 45min, e o combustível do avião tinha praticamente se esgotado.

De fato, a situação do combustível a bordo do Vasp 375 era tão crítica que as autoridades em terra não viam mais alternativas para o avião. Uma nota oficial, lamentando a tragédia, chegou a ser redigida pelo Ministério da Aeronáutica.

A bordo, no entanto, a situação estava longe de ser resolvida, pois o sequestrador continuava ameaçando a tripulação e os passageiros com a sua arma. Mas, sem combustível e sem possibilidades de decolar, o sequestrador começou a fazer exigências para tentar escapar. Começou a negociar, exigindo, a princípio, mais combustível, depois um caça Mirage para fugir, terminando por aceitar um Bandeirante, que foi então colocado de prontidão, ao lado do Boeing.

As negociações, no entanto, eram conduzidas pelas autoridades só com o intuito de ganhar tempo. Nunca houve a menor intenção de aceitar que Raimundo Nonato escapasse daquela ação. O único objetivo era tirar o sequestrador do avião, matá-lo ou prendê-lo, e nada mais.

Depois de algum tempo, Raimundo desceu do avião, conduzindo o comandante Murilo com escudo, mas terminou alvejado, por três tiros no quadril, pelos atiradores de elite da Polícia Federal, que estavam a postos. A ação foi criticada pelos riscos envolvidos, pois o comandante ainda acabou ferido na perna por um tiro dado por Raimundo, quando tentava fugir. O relógio marcava 19 horas. Terminava aí o sequestro, oito horas depois.
O PP-SNT pousado em Goiânia, ainda com o sequestrador a bordo
O sequestrador e os três tripulantes feridos foram encaminhados para o hospital, e o corpo do copiloto Evangelista foi encaminhado ao necrotério. Nenhum passageiro ficou ferido, assim como os comissários, apesar da violência das manobras e dos tiros dados a bordo.
O Comandante Murilo, ferido após o sequestro
Constatou-se que o único responsável pelo crime foi Raimundo Nonato. Não havia cúmplices, foi uma ação individual de uma pessoa claramente desequilibrada. Raimundo, mantido sob severa vigilância da Polícia Federal no hospital, recuperava-se bem dos seus ferimentos, quando morreu misteriosamente, alguns dias depois.

No hospital, correram rumores de que os policiais tinham executado o sequestrador com uma injeção letal. O legista chamado para atestar a causa da morte foi Fortunato Badan Palhares, que concluiu que Raimundo Nonato tinha falecido de anemia falciforme, uma doença congênita, sem relação com os seus ferimentos. Os médicos do hospital, no entanto, recusaram-se a assinar tal laudo, o que deu mais credibilidade aos rumores de execução.

Badan Palhares tornou-se depois o mais polêmico legista brasileiro, ao participar da investigação do homicídio de Paulo César Farias, o P.C. Farias, ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello à Presidência da República, em 1989, e um dos assessores mais suspeitos do ex-Presidente. Nessa investigação, ele assinou um laudo de que P.C. Farias tinha sido assassinado pela sua namorada Susana Marcolino, que teria se suicidado depois, mas, depois, suspeitou-se que o legista teria sido pago, pelo irmão de P.C., para fazer tal laudo, e que o casal tivesse sido assassinado por outras pessoas.

Outro laudo polêmico feito por Palhares foi o do suposto corpo do carrasco nazista Josef Mengele, o qual foi dado como inconclusivo pelo próprio Palhares. Isso foi contestado depois, pelos caçadores de nazistas, que pediram outro laudo que acabou confirmando que o cadáver era mesmo de Mengele.
Dr. Fortunato Badan Palhares
Badan Pallhares fez laudos tão controvertidos que até hoje, vinte anos depois dos casos P.C. Farias e Raimundo Nonato da Conceição, ainda circulam piadas atribuindo ao médico os laudos cadavéricos de Osama Bin Laden e do alienígena de Roswell, entre outros.

O comandante Fernando Murilo foi premiado anos depois, pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, em outubro de 2001, pela sua atuação na crise, e foi considerado herói, ao salvar a vida das mais de cem pessoas a bordo. É provável que, se não fosse a calma e a coragem do comandante Murilo, o onze de setembro talvez tivesse tido um grande precedente brasileiro.

O avião, o PP-SNT, fabricado em 1986, ficou danificado no estabilizador pelas arrojadas manobras do comandante Murilo, mas foi reparado. Foi devolvido para a GPA em 1993 e opera até hoje na Southwest Airlines, com a matrícula N698SW.

Em 24 de julho de 2011, quase 23 depois do sequestro que vitimou seu pai, Wendy Fernandes Evangelista, filha do copiloto Salvador Evangelista, conseguiu ganhar na justiça uma indenização de 250 mil reais da Infraero, pela negligência na inspeção de bagagens no Aeroporto de Confins.

Raimundo Nonato da Conceição não conseguiu atirar um avião no Palácio do Planalto, mas, em maio de 1989, um motorista desempregado e alcoolizado, o pernambucano João Antônio Gomes, de 36 anos, conseguiu invadir o Palácio pela porta principal, com um ônibus roubado, em alta velocidade. Na época, a popularidade do Presidente Sarney estava no fundo do poço, e as más linguas diziam que "o palácio desgovernado chocou-se com um ônibus em Brasília". Um espelho d'água foi construído às pressas, em frente ao Palácio, para evitar incidentes semelhantes no futuro.

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