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segunda-feira, 22 de julho de 2024

Dassault Mirage IIIE

 

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mirage-iiie_fab_06Considerado por diversos especialistas um dos melhores interceptadores já construído.

O Mirage III é o caça supersônico europeu mais bem sucedido em termos de unidades produzidas. Nesse sentido, superou o Hawker Hunter, ao dominar o mercado de exportação de combate. Incluindo o Mirage 5 e o 50 — basicamente o modelo III com designações revistas para comercialização —, chegou-se a 1.400 aparelhos fabricados, servindo a 21 forças aéreas, além da francesa.

Vinte anos depois da sua entrada em serviço, ainda era produzido, atestando a qualidade de seu projeto básico.

mirage-iii_06A busca de um caça em delta de alto desempenho começou na antes da Segunda Guerra Mundial. Quem orientou o projeto foi o professor Alexander Lippisch, mais tarde responsável pelo Messerschmitt Me 163 Komet, interceptador-foguete sem empenagem, com velocidade máxima de 954 Km/h, a 9.145 metros. As pesquisas alemãs sobre o comportamento de asas em delta no túnel de vento foram estudadas pelos Aliados após a guerra, servindo de base para o projeto do Convair XF-92A, avião experimental subsônico que voou pela primeira vez a 18 de setembro de 1948. Os resultados obtidos pelo XF-92A encorajaram a Convair a insistir na asa triangular. Seu sucessor, o YF-102 Delta Dagger, rompeu a barreira do som em 21 de dezembro de 1954.

A Avro também executou projetos de asas em delta, começando pelo Type 707, avião experimental de 1949, e chegando ao Vulcan, que voou pela primeira vez em 1952. Eram todos projetos subsônicos, para uma velocidade de cruzeiro Mach 0,9 combinada a um grande volume de combustível. Mas foi com o Fairey FD.2, cujo primeiro voo se deu em 1954, que a Grã-Bretanha conquistou o recorde mundial de velocidade: 1.811 Km/h, ou Mach 1,7. Esse projeto é às vezes apontado como inspirador do Mirage III. No entanto, havia tanta atividade relacionada a asas em delta na metade da década de 50 que não parece razoável atribuir a nenhum projeto em particular o início da série francesa, embora as atividades da Fairey possam ter injetado confiança adicional à Dassault.

O desenvolvimento da asa em delta da Dassault teve início em meados da década de 50, depois da Guerra da Coréia. Uma das lições desse conflito foi a evidência de que a União Soviética podia fabricar caças de alto desempenho, ainda que a primeira geração de asas enflechadas (Mikoyan-Gurevich MiG-15) estivesse calcada na aerodinâmica alemã e num impulsor britânico. O fato é que não havia um só caça europeu que se igualasse ao melhor dos soviéticos. Inicialmente, na Europa, desenvolveu-se o Gloster Meteor (por incrível que pareça para dar cobertura ao North American F-86 Sabre), que logo acabou relegado a ataques ao solo. Entre os caças americanos, excetuando-se o Sabre, nenhum sobreviveria a um combate com o MiG-15.

O MD.550 Mirage I voou em junho de 1955, impulsionado por dois turbojatos Rolls-Royce Viper. Com um foguete auxiliar, atingiu Mach 1,3 em desembro do ano seguinte.
O MD.550 Mirage I voou em junho de 1955, impulsionado por dois turbojatos Rolls-Royce Viper. Com um foguete auxiliar, atingiu Mach 1,3 em desembro do ano seguinte.

Ao projetar novos caças ocidentais que pudessem igualar ou superar os MiG-15 e seus sucessores, os fabricantes buscaram aumento de empuxo, pela incorporação de pós-queimadores e redução do arrasto aerodinâmico, graças a fuselagens mais delgadas. Americanos e soviéticos seguiram esse caminho, chegando, respectivamente, ao North American F-100 Super Sabre e ao MiG-19; ambos voaram em 1953. Dois anos depois, os franceses desenvolveram o Dassault Super Mystère. Os três modelos tinham delgadas asas enflechadas, eram dotados de pós-queimadores e atingiam Mach 1,1 a 1,3. Eram bons aparelhos e permaneceram em serviço por longo tempo; mas, em termos de desempenho absoluto, constituíram apenas etapas rumo ao caça de Mach 2.

Os projetistas sabiam que as velocidades chegariam rapidamente à faixa de Mach 2 e 2,5, limite de temperatura do alumínio. Esta seria uma barreira difícil de ultrapassar. Quem conseguisse produzir um bom aparelho Mach 2 poderia, portanto, vendê-lo por muitos anos, ficando seu fabricante em privilegiada posição. A Lockheed produziu o F-104 Starfighter, com uma asa curta, de enflechamento quase nulo e razão espessura/corda incrivelmente reduzida (3,3%). Tal valor significava metade da espessura alar dos caças anteriores e exigia técnicas de construção especiais, não apenas do ponto de vista estrutural, mas principalmente quanto à colocação do atuador do aileron dentro da asa. Circulavam histórias, na época, de pessoal de manutenção que se feria no bordo de ataque do F-104. Mas este, de fato, é arredondado e muito menos perigoso que o bordo de fuga de qualquer caça convencional.

Mirage IIICZ da Força Aérea sul-africana abre fogo contra alvos no solo. Esse equipamento conferia ao país enorme poder de ataque ao longo de suas fronteiras.
Mirage IIICZ da Força Aérea sul-africana abre fogo contra alvos no solo. Esse equipamento conferia ao país enorme poder de ataque ao longo de suas fronteiras.

As asas do Starfighter de pouco servem para armazenar combustível ou trens de aterragem, e a principal desvantagem desse caça está em sua elevada velocidade de pouso. Como seu peso aumenta com equipamentos extras (em especial um radar de vigilância), isso exige um sopro de ar auxiliar, sangrado do motor, nos flapes. O resultado é um avião difícil de manobrar a baixa velocidade. Apesar desses inconvenientes, o F-104 venceu o Mirage ao se tornar o caça-padrão da OTAN e ao ser escolhido para produção no Japão.

A Avions Marcel Dassault (que, em 1971, passou a se chamar Dassault-Breguet) adotou caminho oposto ao da Lockheed: ao invés de uma asa reta pequena, optou por uma grande asa em delta de 60 graus; tão grande que dispensava os flapes para sustentação extra e o plano horizontal de cauda. Em lugar de um delgado aerofólio, que exigiria novas técnicas de construção, a Dassault optou por uma seção de 5,0% construída pelos métodos tradicionais. Em combinação com as grandes cordas do delta, tal projeto fornecia espessura de asa suficiente para acomodar o trem de aterragem (inclusive as rodas) e uma considerável quantidade de combustível. Essa asa era estreita o suficiente para resultar em pequeno arrasto, possibilitando elevadas velocidades supersônicas com um impulsor francês de baixo empuxo. Isso assegurou-lhe mais flexibilidade operacional, enquanto o Starfighter mostrou-se mais adequado ao voo em alta velocidade a baixa altitude.

O primeiro avião de asa em delta da Dassault voou em 25 de junho de 1955. Foi o MD.550 Mirage I, que utilizou dois turbojatos Rolls-Royce Viper, com 794 kg de empuxo estático cada. Depois ele recebeu também um motor-foguete SEPR 66 de 1.500 kg de empuxo e, com essa propulsão mista, atingiu Mach 1,3 em dezembro de 1956. A combinação de motor “de cruzeiro” com foguete era muito usada na época como artifício para incrementar a razão de subida e o teto operacional da aeronave. A maioria das forças aéreas logo abandonou essa idéia, em vista das dificuldades relacionadas ao manuseio de combustível, com exceção da França, que insistiu nessa combinação.

Modelo experimental IIIE armado com um poderoso míssil antinavio Aérospatiale AM39 Exocet.
Modelo experimental IIIE armado com um poderoso míssil antinavio Aérospatiale AM39 Exocet.

O projeto original do Mirage II, sucessor do MD.550, previa dois turbojatos Gabizo, com 1.500 kg de empuxo cada. Após o cancelamento desse conjunto impulsor, a fuselagem foi modificada para receber apenas um motor SNECMA Atar 101G, com pós-queimador e gerando 4.500 kg de empuxo. Rebatizado depois como Mirage III-001, esse avião fez seu primeiro voo em 18 de novembro de 1956. Com a adição de um motor-foguete semelhante ao que equipara o MD.550, em 27 de janeiro de 1957 ele atingiu Mach 1,8, em voo nivelado, uma velocidade considerada notável para a época.

Para chegar ao mágico número de Mach 2, todavia, alguns refinamentos ainda se faziam necessários. Redesenhou-se a asa, substituindo-se o perfil constante de 5% por um 4,5% na raiz e 3.5% na ponta. O motor passou a ser um Atar 9B de 6.000 kg de empuxo, auxiliado por um módulo ejetável de foguetes SEPR 841, de 1.680 kg de empuxo.

Construiu-se uma pré-série de dez aparelhos, designados como Mirage IIIA. O primeiro do lote, o Mirage IIIA-01, voou em 12 de maio de 1958 e já em 24 de outubro daquele mesmo ano atingia Mach 2 em voo nivelado, apenas com o uso do motor. No ano seguinte, durante um voo de avaliação por pilotos estrangeiros, registrou a velocidade de Mach 2,17. Esses dez Mirage IIIA foram usados para desenvolvimento dos diversos sistemas usados em aeronaves e adaptados a vários padrões. Os três últimos já se configuravam praticamente idênticos aos primeiros produzidos em série, os Mirage IIIC. O primeiro IIIC fez seu voo de estréia em 9 de outubro de 1960, logo sendo exportado para Israel e África do Sul.

O Mirage IIIE foi o primeiro jato supersônico da FAB, sendo então denominado F-103.
O Mirage IIIE foi o primeiro jato supersônico da FAB, sendo então denominado F-103.

O protótipo do primeiro Mirage biplace — o IIIB — voou em 21 de outubro de 1959. Não possuía a maior parte dos equipamentos eletrônicos, uma vez que se destinava a treinamento, mas trazia metralhadoras e suportes para armamento externo. O IIID era similar, também biplace, com ênfase na versatilidade operacional do uso misto (mas ainda sem radar “olhando” para a frente). Foi originalmente projetado segundo especificações australianas.

Produziram-se cerca de 180 Mirage III/5 biplaces, sendo a sub-série mais potente a do Mirage IIID2Z, sul-africana, com motor Atar 9K-50 de 7.200 kg de empuxo, em lugar do Atar 9C padrão, de 6.000 kg.

A variante seguinte, o Mirage IIIE, monoplace, teve três protótipos; o primeiro voou em 5 de abril de 1961. O IIIC atua unicamente como interceptador, mas o IIIE tem equipamento para a defesa aérea e ataque ao solo em quaisquer condições de tempo, com radar multimodo CSF Cyrano IIB, radar de navegação Doppler e fuselagem mais alongada, para aumentar a capacidade de combustível. As entregas começaram em 1964, e mais de quinhentos logo foram produzidos. Embora desenvolvido para a Força Aérea francesa, o Mirage IIIE, fabricado sob licença, foi operado também pela Austrália e Suíça, e, mediante compra direta, por uma dezena de outros países.

O F-103 ficou em operação com a FAB de 1972 a 2005.
O F-103 ficou em operação com a FAB de 1972 a 2005.

O Mirage IIIR, uma versão de fotorreconhecimento, deriva do IIIE aliviado da maior parte do armamento e com o radar do nariz substituído por equipamento óptico. O primeiro protótipo decolou em novembro de 1961, e mais de 150 IIIR e 5R foram fabricados para oito forças aéreas. As duas sub-séries principais foram a sul-africana, Mirage IIIR2Z, com motor Atar 9K-50, e o Mirage IIIRD, que tinha um radar Doppler, espaço para equipamento SAT Cyclope de varredura infravermelha e dois tanques de 1.700 litros.

Houve muitos modelos experimentais do Mirage III. Um deles, o IIIO, foi testado pela Austrália com um motor Rolls-Royce Avon RB.146. Outro, o Mirage IIIT, serviu para ensaio do turbofan SNECMA TF-106, de 9.000 kg de empuxo. O Balzac era um VTOL (vertical take-off and landing, decolagem e aterragem vertical) de pesquisa, e com o Mirage IIIV, um VTOL maior, testaram-se motores ascensionais Rolls-Royce, propondo-se sua produção à Força Aérea francesa. Ambos obtiveram relativo sucesso, mas o programa de caças franceses VTOL sofreu interrupção no começo da década de 60.

O Mirage 5 é uma versão do III com equipamento simplificado. Desenvolvido para se adequar às necessidades dos países do Oriente Médio, que têm tempo excelente a maior parte do ano (dispensando o uso de radar), coloca ênfase na pouca manutenção requerida. A eletrônica, antes atrás da nacele, foi simplificada e deslocada para o nariz, cedendo espaço para mais 15% de combustível. Em etapa posterior, a nova geração de aviônicos permitiu a ação, neste ponto, de instalar aí um confiável equipamento de radar multifunção e de um sistema de navegação inercial. O Mirage 5 voou em 19 maio de 1957, e até meados da década de 80 contavam-se cerca de quinhentos aparelhos fabricados (incluindo modelos de fotorreconhecimento e biplaces de treinamento).

O delta francês participou de conflitos na Ásia, Oriente Médio e Atlântico Sul, mas foi com os israelenses que ele entrou para o Hall da fama dos grandes guerreiros,
O delta francês participou de conflitos na Ásia, Oriente Médio e Atlântico Sul, mas foi com os israelenses que ele entrou para o Hall da fama dos grandes guerreiros,

Em conseqüência do embargo de armas imposto pelo governo francês aos israelenses depois da Guerra dos Seis Dias e do ataque ao aeroporto de Beirute, em dezembro de 1968, cinqüenta Mirage 5F deixaram de seguir para Israel e foram incorporados às esquadrilhas III/13 “Auvergne” e II/13 “Alpes”. Esses aviões serviram com sete esquadrilhas de Mirage IIIE e num regimento de Mirage IIIR do Comando Aéreo Tático, e um regimento de Mirage IIIC do Comando das Forças de Defesa Aérea.

A última versão da família do Mirage III foi o 50. Trata-se basicamente do Mirage 5 com o possante Atar 9K-50 instalado nos modelos IIIR2Z, IIID2Z e F.1. Essa série apresentou equipamentos com diversos graus de sofisticação, incluindo o radar Cyrano IV ou Agave (como no Mirage F.1 e Super Étendard, respectivamente), radar de navegação Doppler ou inercial, e visor ao nível dos olhos (HUD). O modelo 50 fez seu vôo inicial em 15 de abril de 1979.

Superioridade discutível

A asa em delta sem empenagem conferiu indiscutíveis méritos ao Mirage III, mas sua superioridade aérea em combate e ataque é questionável, bem como seu desempenho nas aproximações para pouso. Nos conflitos de 1967 e 1973 no Oriente Médio — a Guerra dos Seis Dias e a Guerra do Yom Kippur — os Mirage israelenses superaram os MiG das forças aéreas dos países árabes, fato que resultou num substancial aumento de vendas da Dassault. No entanto, os pilotos do Mirage III acham que a asa em delta não se revela melhor em curvas acentuadas, de vital importância num combate aéreo. O baixo comportamento em curvas de alta sustentação se deve ao pequeno alongamento desse tipo de asa, que produz maior arrasto, e à elevada carga para baixo nos elevons (num delta, os elevons somam as funções dos ailerons e dos profundores).

Essa carga induz também um elevado arrasto de compensação. Pode-se acrescentar, ainda, que os impulsores franceses têm menor potência que os modelos americanos e britânicos da mesma geração. A carga para baixo nos elevons sob acentuados ângulos de ataque apresenta um efeito adverso nas manobras de pouso, exigindo velocidades de aproximação mais altas a fim de evitar a oscilação pendular chamada “efeito Dutch Roll“. Além disso, o tamanho do delta resulta em consideráveis respostas às rajadas de vento nos voos de alta velocidade a baixa altitude.

Foi visando solucionar todos esses problemas que a Dassault criou o Mirage F.1 com asa enflechada convencional em lugar da delta. Surgiu um avião operacionalmente mais flexível, se bem que limitado quanto à velocidade máxima. Porém, a indústria francesa voltou ao delta sem empenagem (no caso, o modelo 2000), pois hoje é possível ter-se um avião basicamente instável, no qual as cargas nos compensadores dos elevons atuem para cima, ao invés de para baixo.

m-26O Mirage III obteve sem dúvida notável sucesso, proporcionando a numerosas forças aéreas um genuíno Mach 2 a um custo relativamente baixo, embora seus méritos tenham sido exagerados, em vista dos resultados obtidos por Israel contra adversários menos treinados

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