A quarta maior fabricante de aviões comerciais do mundo é brasileira. Mas embora ela seja a maior do País, não está sozinha no mercado nacional. Dezenas de empresas ainda pouco conhecidas tentam trilhar os próprios caminhos. A repórter do Estadão, Marina Gazzoni, conversou com empresários do setor e visitou oito fábricas em seis cidades para entender quais são os sonhos e as dificuldades desses empreendedores.
As empresas são pequenas e suas fábricas pouco automatizadas. Mas a ambição de seus donos é grande. “Nós temos potencial para ser uma segunda Embraer. É aí que queremos chegar”, diz o fundador da Edra, Rodrigo Scoda. “Queremos ser uma das dez maiores fabricantes para aviação geral do mundo em dez anos”, afirma Paulo Junqueira, da novata Novaer. A paulista Inpaer está no meio de um “choque de gestão”, acertando as contas e a sua estrutura organizacional de olho na abertura de capital.
O desenvolvimento de novas tecnologias é a inspiração da equipe da ACS Aviation, que testa o primeiro avião elétrico do País. “Queremos ver nosso avião voar”, diz um dos engenheiros. Já a Aeromot, empresa gaúcha que foi a segunda maior fabricante de aviões do País até 2012, hoje está em recuperação judicial e tenta evitar a falência. “Quero salvar a minha empresa”, diz Claudio Viana, de 83 anos.
INPAER inaugura modelo de gestão
Líder no desenvolvimento de projetos, fabricação e vendas de aeronaves desportivas, a INPAER (Indústria Paulista Aeronáutica) completa 13 anos com um novo modelo de gestão, ampliado seus investimentos em tecnologia e produtos. “Estamos com uma nova indústria, com a formação de um conselho e setores especializados”, explica Hélio Gardini, sócio-proprietário da empresa.
O objetivo principal é transformar a INPAER em uma indústria de alcance internacional. “Hoje somamos 125 funcionários vindos de empresas como Embraer, FAB e Flyer. Nosso próximo passo é a montagem de oficinas de manutenção, desenvolvendo parcerias em todos os estados brasileiros”, completa Milton Pereira, também presidente da empresa.
Gardini ainda ressalta que a INPAER aparece como única empresa no Brasil a contar com projeto próprio. “Não somos montadoras, que importam kits e apenas montam no país. Somos fabricantes. O projeto é nacional, os engenheiros e profissionais são brasileiros, formados no Brasil. Temos aeronaves 100% nacional. Apenas os aviônicos e motorização são importados.”
Primeiro avião elétrico já em fase de testes
Um galpão de 350 m² em São José dos Campos (SP) guarda o primeiro avião elétrico brasileiro. A empresa responsável pelo Sora-e, a ACS Aviation, iniciou o projeto em 2011, com um financiamento no valor de R$ 500 mil junto ao Finep, formando uma parceria com a hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, que possui um departamento para veículos elétricos.
“A ideia era adaptar o avião que já produzimos, trocando o motor convencional pelo elétrico”, conta Alexandre Zaramella, engenheiro (ex-Embraer e Airbus) e presidente da empresa joseense, que hoje conta com cinco funcionários que fazem de tudo.
“O interesse veio da Itaipu, que quer expandir sua linha de produtos elétricos. “Além disso, nós também temos muito o que aprender com eles, então, os profissionais de lá vão nos auxiliar na parte técnica e nós entramos com o emprego de novos materiais para a produção e novos sistemas de aeronáutica”, conta.
O Sora-e vai pesar 650 quilos e tem autonomia de uma hora de voo –o equivalente a 200 km, com velocidade máxima de 340 km/h. O modelo vai carregar um motor elétrico duplo, fabricado na Eslovênia, com potência máxima de 140 kW e as baterias e hélice são dos Estados Unidos. Toda a estrutura vai ser feita em fibra de carbono.
No Sudeste, o avião já existe, a fábrica não
Criada em 1998 pelo ex-funcionário da Embraer, Luiz Junqueira, para prestar serviços de segurança em São José dos Campos, a Novaer virou fabricante de avião quase dez anos depois. A empresa comprou o projeto do avião K-51, feito pelo engenheiro húngaro Joseph Kovacs, o mesmo que projetou o T-25, da Neiva, e o primeiro Tucano, da Embraer.
Desde 2010, a Novaer investiu R$ 30 milhões na adaptação do protótipo de madeira de Kovacs para um monomotor de quatro lugares, qu terá versão civil e militar e que concorrerá com a Cirrus. O projeto foi financiado pela Finep e pelo governo catarinense, por meio do fundo SC Parcerias, que comprou 20 % da Novaer em troca do compromisso de que sua fábrica será construída no estado.
Junqueira morreu em 2009, aos 58 anos, e seu filho, Paulo, assumiu os negócios. “Queremos ser uma das dez maiores fabricantes para aviação geral do mundo em 10 anos”, diz Paulo. O avião está pronto, mas o caminho para chegar lá é longo. A empresa precisa construir uma fábrica e arrumar compradores para seus aviões. Negociações com a Força Aérea Brasileira e com o município de Lages já estão em curso, mas nada está fechado.
No Sul, fábricas de planadores vazias
Três galpões a uma quadra do aeroporto Salgado Filho guardam a história da Aeromot, empresa que já foi a segunda maior fabricante de aviões no Brasil. Dentro deles, há máquinas paradas, moldes de aviões e peças no estoque. Longas asas cheias de poeira como parte de um planador inacabado. Grandes pranchetas e esquadros, de onde saíram os projetos dos planadores Ximango e Guri, que possuem 210 modelos voando pelo mundo.
Em meio a uma crise financeira, a Aeromot encerrou a produção há dois anos. Seus 100 funcionários foram dispensados. Só seis ficaram e cumprem serviços para terceiros, como reparos em aviões e produção de escalas metálicas.
Desde então, o fundador da empresa, Cláudio Viana, 83 anos, tenta reerguer a empresa. “Não está morto quem peleia”, diz. O foco atual é tentar convencer o governo gaúcho a fazer encomendas de seis planadores para monitorar a fronteira, projeto estimado em mais de R$ 12 milhões. “Precisamos de um contrato grande para reavivar a fábrica e buscar investidores”, diz Viana, formado pela primeira turma do ITA.
A Aeromot nasceu em 1966 para fazer manutenção de aeronaves. Nos anos 80, começou a fabricar planadores para o governo militar. A encomenda era de 100 aeronaves, mas o contrato foi suspenso no exemplar número 37, quando o governo Sarney optou por comprar o argentino Aero Boero. De lá para cá, a Aeromot focou no mercado externo até fechar a fábrica.
Caso semelhante viveu a paranaense IPE Aeronaves, que também teve contratos para planadores suspensos pelo governo militar, quando fabricava quatro aviões Quero-Quero por mês. Hoje 10 funcionários tentam viabilizar novos aviões e testam o uso de fibra de vidro e carbono (materiais que formam a fuselagem de aviões) em outras indústrias.
Chance de sucesso é de 50%
O projetista Miguel Rosário caminha de chinelos e bermudas na fábrica da Seamax, em São João da Boa Vista (SP) sujo de pó de fuselagem e pedaços de avião a tiracolo. Ele trabalha com sua equipe para entregar as encomendas do Seamax, avião anfíbio que projetou a pedido e Armando Nogueira, um dos pioneiros do telejornalismo brasileiro.
A fábrica nasceu em 2002, mas passa por maus bocados há anos. Criada em Jacarepaguá, teve de se mudar em 2012 com o fechamento do aeroclube da cidade. Os problemas de espaço foram resolvidos, mas os financeiros não. A fábrica chegou a fechar e só conseguiu reativar em agosto passado, após a venda da empresa e uma injeção de capital.
O novo controlador é o consultor aeronáutico Gilberto Trivelato, que trabalhou na Embraer por 18 anos e foi contratado para reerguer a Seamax. “Entrei no negócio porque o produto é vencedor. Um avião certificado nos EUA e Europa”, diz Trivelato. Das 100 unidades vendidas, 70% foram exportadas.
“Ainda assim, a chance de sucesso é de 50%”, ressalta. A empresa precisa de mais recursos para investir, mas não conseguiu crédito na Finep e no BNDES. Uma das alternativas em estudo é sair do Brasil e levar a fábrica “para qualquer lugar no mundo que pague”. Na China e Estados Unidos, investidores prometem financiar a fábrica em troca de sociedade.
Fazenda dá lugar a uma empresa aeronáutica
O engenheiro aeronáutico Rodrigo Scoda saiu da faculdade com o sonho de construir aviões e nenhum capital pra investir. A solução foi traçar um caminho de “formiguinha”, criando outros negócios para sustentar a empresa por mais de 10 anos, até atingir o capital para produzir um avião. Em 1997, Scoda vendeu um helicóptero Schweiser a um amigo antes mesmo de assinar o contrato com a fabricante norte-americana. liguei pra eles e disse: posso representar a marca no Brasil? Já fiz uma venda”. A fazenda da família em Ipeúna (SP) foi reformada e o pasto deu lugar a uma pista de pouso de 500 metros e três galpões para abrigar uma linha de montagem em uma área total de 100 mil m².
Além de vender helicópteros e aviões importados, a Edra abriu no mesmo espaço uma escola de pilotagem. Em 2005, Scoda tirou da gaveta um projeto que foi seu trabalho de conclusão de curso na graduação da USP São Carlos. Ele adaptou um hidro avião de madeira (que só pousa na água) para o de um anfíbio de dois lugares, batizado de Super Petrel. “Produzir avião como único negócio é financeiramente inviável. Outros negócios que financiaram o desenvolvimento do nosso avião”, diz.
A certificação do Super Petrel no Brasil e nos EUA só chegou em 2013 e permitiu que a empresa reajustasse o preço de tabela de US$ 90 mil para US$ 150 mil. Só agora condiz com o custo. A certificação foi o sinal verde para a Edra seguir seus planos de expansão, como a criação de uma versão do Super Petrel com quatro lugares e a construção de uma fábrica nova.
Começar de novo e do zero
A Flyer, líder na venda de aviões experimentais no Brasil, não poderá mais produzir seu carro-chefe: os modelos RV, importados na forma de kit e montados no país. uma nova regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) proíbe a venda de kits montados a partir de 2020. “É um baque. Ainda não temos ideia do tamanho do desafio que é desenvolver um avião do zero”, diz Luiz Cláudio Gonçalvez, fundador da Flyer.
Ele entrou no negócio em 1983, quando não havia legislação para a montagem de kits. Hoje a Flyer tem 146 funcionários e três plantas industriais – a maior delas em Sumaré (SP), com 10 mil m². É uma linha de montagem, separada em alas, como nas montadoras de carro. A Flyer vende cerca de 75 aviões por ano, mas 80% vem do RV, que custa a partir de US$ 150 mil.
A empresa já vendeu aviões próprios nos anos 1980, mas desistiu com a abertura da economia aos importados. Em 2006, voltou a desenhar um avião, o Kolb, feito sob medida para o mercado americano. “Recebemos a certificação nos EUA em setembro de 2008, o ápice da crise. O mercado fechou e nós voltamos para o RV, que tinha demanda no Brasil”, diz. Agora a Flyer volta à estaca zero e corre pra desenhar um novo avião para ocupar suas fábricas e manter a liderança.
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