domingo, 29 de junho de 2025

Como o Irã salvou o caça F-14 Tomcat e o míssil Phoenix

 

Antes de se tornar um ícone cinematográfico com Top Gun, o F‑14 Tomcat quase teve seu destino selado pelo Congresso americano. Custos crescentes, atrasos técnicos e disputas políticas colocaram em risco o caça naval mais avançado que os Estados Unidos já haviam projetado. Mas, em um enredo digno de thriller geopolítico, foi o Irã do Xá Mohammad Reza Pahlavi que entrou em cena e salvou o programa — e, de quebra, impulsionou o desenvolvimento do míssil ar-ar mais avançado da época: o AIM‑54 Phoenix.

Um Programa em Crise

O primeiro protótipo do F-14A Tomcat foi perdido em acidente

No início da década de 1970, a Grumman, fabricante do F‑14, enfrentava dificuldades financeiras monumentais. O desenvolvimento do Tomcat estava ameaçado por enormes custos imprevistos e atrasos tecnológicos. O Congresso norte-americano, pressionado por cortes orçamentários, flertava com a ideia de cancelar o programa. A US Navy temia perder sua única chance de substituir o envelhecido F‑4 Phantom II e de garantir a capacidade de defesa de frota contra ameaças soviéticas, como o bombardeiro supersônico Tu‑22M Backfire e mísseis antinavio lançados a longa distância.

O pedido do Xá que salvou o F‑14

Nesse contexto, o Irã, então aliado estratégico dos Estados Unidos, interveio. Em 1973, o Xá autorizou uma encomenda colossal: 80 caças F‑14A Tomcat e impressionantes 714 mísseis AIM‑54 Phoenix, além de peças sobressalentes, simuladores e treinamento de pilotos e técnicos em solo norte-americano. O contrato, estimado em cerca de US$ 2 bilhões (valor monumental para a época), não apenas garantiu a sobrevivência financeira da Grumman, mas também deu fôlego ao programa do míssil Phoenix, que igualmente enfrentava cortes iminentes.

O papel do Irã nos testes do sistema F‑14/AIM‑54

Mas o Irã não foi apenas comprador. Tornou-se parceiro essencial nos testes do sistema. O Xá mandou construir a Base Aérea Khatami, próxima de Isfahan, justamente para servir de palco a extensas campanhas de disparo do AIM‑54 Phoenix. Técnicos iranianos e americanos, trabalhando juntos, conduziram mais de 284 disparos reais de Phoenix — número que, à época, superava a quantidade de disparos feitos pela própria Marinha dos EUA.

Entre esses testes, destaca-se o disparo que se tornou lendário: um Phoenix interceptou um alvo drone voando a 24.000 metros, a Mach 4.4, realizando uma manobra de 17 Gs, alcançando impacto direto. Essa demonstração validou o alcance extremo do míssil, capaz de abater alvos a mais de 160 km de distância, e confirmou a letalidade do conjunto radar AWG‑9 + Phoenix contra ameaças múltiplas em altíssima velocidade.

Impacto no Conceito de Defesa de Frota

F-14 Tomcat e o míssil Phoenix

Os disparos iranianos forneceram dados valiosíssimos que ajudaram a consolidar o conceito de defesa de frota à longa distância da US Navy. É consenso entre especialistas que, sem o financiamento iraniano e a colaboração nos testes, o programa F‑14/AIM‑54 teria sido drasticamente reduzido, ou mesmo cancelado, e a Marinha dos EUA não teria desenvolvido plenamente sua doutrina de defesa aérea contra mísseis antinavio e bombardeiros soviéticos.

Revolução iraniana e sobrevivência dos F‑14

Em 1979, a Revolução Islâmica mudou completamente o jogo. Os EUA cortaram laços com Teerã. Técnicos americanos foram evacuados às pressas. Muitos AIM‑54 Phoenix armazenados no Irã foram sabotados ou bloqueados eletronicamente pelos EUA para evitar seu uso. Ainda assim, o Irã conseguiu manter operacional a maior parte de sua frota de F‑14s.

Os iranianos recorreram a soluções engenhosas: canibalização de peças entre aeronaves, engenharia reversa de componentes eletrônicos e até aquisição clandestina de peças sobressalentes através de redes paralelas.

Legado

O Xá do Irã, numa das mais curiosas ironias da Guerra Fria, assegurou não apenas o futuro do Tomcat, mas também a maturação do míssil AIM‑54 Phoenix — um sistema que, até hoje, permanece lendário pelo seu alcance e capacidade de abater múltiplos alvos em ambiente de combate aéreo.

Na próxima vez em que assistir a Top Gun ou encontrar um F‑14 exposto em algum museu, lembre-se: o icônico caça de asas móveis que virou astro de Hollywood quase foi morto no berço pelo Congresso. E foi salvo, ironicamente, pelo Irã — antes de se tornar um dos seus maiores adversários no xadrez geopolítico mundial.

O editor Alexandre Galante e o caça F-14 Tomcat preservado em Pensacola-FL, em 2015

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