A aparição do 14 Bis na abertura das Olimpíadas no Rio de Janeiro reacendeu a polêmica sobre quem inventou o avião. Muitos brasileiros se orgulham e batem no peito ao afirmar que a invenção é obra de Alberto Santos Dumont, sentimento que nos Estados Unidos muitas vezes é motivo de piada. Por lá, o invento é creditado aos irmãos Wilbur e Orville Wright.
No entanto, bem antes dos voos do 14 Bis e do Flyer, nome que os irmãos Wright escolheram para sua máquina voadora, outros inventores já haviam voado com planadores por breves momentos ou criado aeronaves motorizadas de pequena escala não tripuladas.
Na virada do século XIX para o XX, a teoria do voo já estava mais do que provada, mas ainda encontrava dificuldades com a tecnologia disponível nesse tempo. Não havia materiais leves ou motores potentes o suficiente para fazer decolar uma máquina mais pesada que o ar.
O primeiro registro sobre a teoria de voo foi elaborado no ano 1290, pelo monge inglês Roger Bacon. Filósofo, matemático e estudioso na natureza, Bacon percebeu que o ar, assim como a água, tinha características semelhantes a de objetos sólidos. Ele concluiu que, da mesma forma que água suporta a flutuação de um barco, o ar também seria capaz de sustentar um artefato mais pesado, desde que obedecesse as características adequadas, parte que ele não descobriu…
Os estudos de Bacon foram retomados somente 500 anos depois, com revolução industrial na Europa que a todo momento apresentava uma novidade tecnológica. Foram muitos os pioneiros da aviação, alguns com resultados importantes que abriram o caminho para as invenções de Santos Dumont e dos Irmão Wright, que nada mais eram que uma compilação de diversas ideias de um passado ainda mais distante. Conheça a seguir alguns dos principais pioneiros da aviação:
Otto Lilienthal
O engenheiro alemão Otto Lilienthal por muito pouco não inventou o primeiro avião motorizado tripulado. Chamado de “pai do voo planado”, Lilienthal publicou em 1889 um importante estudo sobre o voo das aves, obra considerada a base da aviação e colocado em prática em diversos planadores.
Entre 1891 e 1896, o engenheiro alemão projetou dezenas de planadores e registrou mais de 2.000 voos. No maior deles, percorreu cerca de 250 metros com uma espécie de asa delta construída de madeira e tecido. Em diversas ocasiões, sempre decolando de aclives, Lilienthal conseguiu subir mais alto que seu ponto de partida e também realizou curvas. Em cinco anos, acumulou cerca de cinco horas de voo.
No início de 1896, o alemão tentou associar o conceito do planador a um motor de ácido carbórico, mas encontrou dificuldades com o peso final da aeronave, que nunca decolou. Porém, neste mesmo ano, testando um planador, o engenheiro despencou de uma altura de 17 metros e quebrou a coluna, vindo a morrer no dia seguinte. Suas últimas palavras foram: “Sacrifícios precisam ser feitos”. Lilienthal foi o primeiro homem fotografado voando e também é considerado o inventor da asa delta.
Samuel Pierpont Langley
Astrônomo e físico norte-americano, Samuel Pierpont Langley é muita vezes citado como um contraste dos irmãos Wright, que tinham uma bicicletaria. Renomado professor na universidade de Pittsburgh e secretário do instituto de pesquisas dos EUA, Langley demostrou em 1896 um voo com uma aeronave não tripulada com motor a vapor lançada por uma catapulta. O aparelho, chamado Aerodrome nº 6, voou por cerca de 1.500 metros até ficar sem vapor e cair no mar. A ocasião foi fotografada por Alexander Graham Bell, inventor do telefone.
Esse resultado despertou o interesse da Marinha dos EUA, que investiu US$ 50.000, uma fortuna na época, para Langley criar uma versão tripulada de sua aeronave e com controles. O projeto, porém, encontrou sérios empecilhos por conta do peso do motor.
Metade dos fundos foi apenas para a construção de uma barcaça com uma catapulta de lançamento. A primeira tentativa de voar com o “Large Aerodrome”, como foi chamada a versão tripulada do avião a vapor, foi realizada em 7 de outubro de 1903 e o modelo foi direto para a água.
Oito dias depois do espetacular fracasso de Langley, em 17 de dezembro de 1903, os Irmãos Wright decolaram com o Flyer pela primeira vez.
Percy Pilcher
Inspirado no trabalho de Otto Lilienthal, de quem foi amigo, o engenheiro britânico Percy Pilcher construiu quatro planadores, que realizaram curtos voos entre 1895 até 1899. Pilcher também projetou um modelo com motor a gasolina, uma das maiores novidades desses tempo, mas não obteve fundos suficientes para concluí-lo.
Em 30 de setembro de 1899, durante uma demonstração com tempo ruim para potenciais patrocinadores, o britânico tentou voar com um de seus planadores. Logo após decolar, a aeronave perdeu sustentação e caiu de uma altura de 10 metros, causando uma série de ferimentos graves em Pilcher.
Dois dias depois do acidente, como se fosse um presságio sobre as últimas palavras de Lilienthal em seu leito de morte, Pilcher não resistiu aos ferimentos e morreu.
Clément Ader
Outro nome que disputa o trono de inventor do avião lado a lado com Santos Dumont e o Irmão Wright é o do francês Clément Ader. Engenheiro e inventor da palavra “avion” (o termo “aviação” foi cunhado antes, em 1873, pela Marinha da França), Ader construiu três protótipos entre 1880 e 1897: o Éole (Avion I), financiado por ele mesmo, o Zephyr (Avion II) e o Aquilon (Avion III), que seriam bancados pelo governo francês.
Embora os registros não tenham nenhuma certificação oficial, em 9 de outubro de 1890, o engenheiro francês registrou que o Éole voou por cerca de 50 metros a 20 centímetros do solo, 13 anos antes do primeiro voo dos irmãos Wright, o que teria despertado o interesse do governo francês. Os modelos Zephyr e Aquilon, porém, durante uma série de testes secretos nunca conseguiram sair do chão.
Estudos recentes baseados nos esquemas originais de Ader sugerem que pelo menos o Éole, com motor a vapor e construído com madeira e tecido de linho, teria sim condições de voar. Já os outros aparelhos, pesados demais, não seriam capazes.
Irmãos Wright
O interesse de Wilbur e Orville Wright pela aviação surgiu ainda na infância, despertado por um brinquedo importado da França, o “Hélicopteré”, criado por Alphonse Pénaud, outro pioneiro da aviação. Após brincarem incansavelmente com o brinquedo voador, um dia ele quebrou. Para continuar com a brincadeira, construíram outro por conta própria copiando o modelo original, que voava com auxílio de um sistema de elásticos enrolados.
Os irmãos Wright nunca obtiveram diploma de segundo grau e tampouco frequentaram uma faculdade. Também eram extremamente reservados e considerados tímidos. Wilbur, que não possuía os dois dentes principais e se sentia constrangido com isso, era ainda mais reservado. No entanto, diferentemente de todos os outros pioneiros da aviação do final do século XIX, eram inventores altamente criteriosos e preocupados com segurança.
A dupla acreditava que o sucesso de uma máquina voadora seria fundamentado em quatro pilares: asas, motor, peso e, principalmente, controle. Os irmãos acreditavam que podiam solucionar rapidamente as três primeiras questões, e a quarta dependeria de estudos complementares ao que já existiam, principalmente os criados por Otto Lilienthal.
Em 1899, os irmão construíram um pequeno túnel de vento no fundo de sua bicicletaria, em Dayton, Ohio, e obtiveram avanços notáveis. A principal contribuição dos Wright para a aviação foi a definição precisa dos cálculos de sustentação, até então totalmente errados, e a criação do controle dos três eixos (rolagem, cabragem/picada e controle lateral).
Antes de voar com o Flyer, os irmãos realizaram diversos testes com planadores, o que foi fundamental para a descoberta dos controles e também para a acumular experiência para o pretendido voo motorizado, que aconteceu em 14 de dezembro de 1903, em Kitty Hawk, na Carolina do Norte.
Temendo que sua ideia fosse copiada, os irmão Wright realizaram seu primeiro voo acompanhado de apenas outras cinco pessoas e também não convidaram a imprensa. No primeiro voo, o Flyer pilotado por Orville, percorreu 37 metros em 12 segundos a três metros do solo, após ser catapultado por um sistema de contrapesos.
Posteriormente, os irmãos tentaram informar a imprensa sobre o feito, mas os voos foram considerados curtos demais pela mídia e tiveram poucos destaques nos jornais dos EUA. A primeira demonstração pública do Flyer aconteceu somente em 1908, assim como sua homologação pela então recentemente criada Federação Internacional de Aeronáutica, com base em Paris.
Alberto Santos Dumont
Comparando com tempos mais recentes, os irmãos Wright tinham um perfil semelhante ao de Bill Gates, presidente da Microsoft, e conhecido pela postura reservada. Já o brasileiro Alberto Santos Dumont, residindo em Paris, era um popstar, uma espécie de Steve Jobs do início do século XX, com ideias arrojadas e disposição para mostrá-las em público.
Na primeira década de 1900, Santos Dumont já era mundialmente conhecido pela construção de diversos dirigíveis e o ápice desse momento foi a volta que realizou pela Torre Eiffel, em 1901. Ele ainda usava os balões motorizados como meio de transporte e para facilitar as viagens construiu uma torre de embarque na varanda de seu apartamento em Paris.
O 14 Bis foi uma evolução do “N 14”, que combinava a aeronave amarrada a um balão, e voou em 1904, embora a muito custo e quase nenhum controle. O modelo definitivo voou no dia 12 de novembro em 1906, diante de um multidão e um juri da Federação Internacional de Aviação, na Praça de Bagatelle, em Paris.
O avião de Santos Dumont decolou com a força de seu próprio motor a gasolina e percorreu cerca de 220 metros a oito metros de altura e em seguida pousou em segurança. Estava consagrado e oficialmente documentado e testemunhado, o primeiro voo de uma máquina mais pesada que o ar.
O 14 Bis decolou somente na terceira tentativa. A segunda, inclusive, terminou com um solavanco que quase destruiu o aparelho. Depois do voo homologado, Santos Dumont decolou apenas mais uma vez com seu invento, em novembro de 1906.
Como se vê, o avião não pode ser considerado obra de apenas um indivíduo. A criação da máquina voadora mais pesada que o ar dependeu do esforço e até mesmo o sacrifício de grandes mentes do passado, até a consagração definitiva da tecnologia no início do século XX com os primeiros voos dos irmãos Wright e de Santos Dumont.
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