Em 1982, ano em que a Argentina invadiu as Ilhas Falkland (Malvinas), o país contava com a segunda maior força aérea da América Latina, superada apenas por Cuba, então abastecida pela antiga União Soviética. Nessa época, a Fuerza Aérea Argentina (FAA) possuía mais de 200 aeronaves de combate, entre caças supersônicos, bombardeiros e aviões de ataque ao solo, além do apoio da Armada (Marinha), com mais caças e aviões de vigilância marítima.
Pelo volume de aeronaves e suas qualidades, era uma força a ser temida. No entanto, nenhum general argentino previu que essa capacidade, aparentemente formidável, poderia ser arrasada por algumas dezenas de caças britânicos de procedência duvidosa e em poucos dias.
Pouco antes do início do conflito no Atlântico Sul, a Marinha Britânica (Royal Navy), em contenção de custos, havia modificado seus porta-aviões para um padrão mais barato de operar, substituindo as catapultas de lançamento pelo convés com “ski-jump”. Isso também mudou a forma e a capacidade das aeronaves que poderiam ser embarcadas.
Com a mudança no padrão dos porta-aviões, equipados com uma curiosa rampa, a Royal Navy aposentou seus últimos caças navais F-4 Phantom e adotou o revolucionário Harrier, um avião de combate que podia pousar e decolar na vertical, como um helicóptero.
Era o início da carreira operacional do Harrier, caça que a fabricante britânica Hawker Aircraft vinha desenvolvendo desde a segunda metade da década de 1960. O avião já estava em operação com as forças britânicas há mais de 10 anos, mas ainda havia muitas dificuldades na sua condução. Era uma aeronave difícil de pilotar e de manutenção altamente complexa.
Por conta dessas dificuldades em voar com o Harrier, no início da Guerra das Malvinas muitos duvidavam de sua capacidade de combate. Ao todo, o Reino Unido despachou 28 caças para o conflito, na versão Sea Harrier, de uso naval, embarcados nos porta-aviões Invencible e Hermes. Já a força aérea argentina e a marinha contavam com quase 120 caças.
A FAA tinha a disposição os caças supersônicos Dassault Mirage III e o IAI Dagger, além dos modelos subsônicos A-4 Skyhawk, aeronave que também era operada pela marinha argentina a bordo do porta-aviões 25 de Mayo. Outro temor eram os aviões de ataque ao solo FMA Pucará, fabricados na Argentina e o primeiro avião militar desenvolvido da América do Sul que entrou em combate – no mesmo conflito a Argentina fez o “batismo de fogo” do Embraer Bandeirulha, em missões de vigilância naval.
Os militares argentinos erraram em praticamente todas as previsões e ações militares realizadas durante a Guerra das Malvinas. O governo da Argentina, então liderado pelo presidente e general Leopoldo Galtieri, acreditava que os ingleses, então enfrentando uma severa crise econômica e social, não perderiam tempo e dinheiro tentando recuperar uma porção de território ultramarino tão distante, sobretudo diante do “poderoso” arsenal portenho.
A Argentina também acreditou na possibilidade de os Estados Unidos apoiarem a invasão surpresa, consumada no dia 2 de abril de 1982. Mas isso não aconteceu. Ao mesmo tempo, as forças argentinas tomaram poucas precauções para defender as ilhas renomeadas como Malvinas.
As forças argentinas invadiram a região com pouquíssima resistência, pois os britânicos mantinham apenas algumas dezenas de soldados do território, aparentemente sob nenhum risco. Três dias após a invasão, arruinando os planos diplomáticos de Buenos Aires, o parlamento britânico autorizou o envio de uma força tarefa para retomar as ilhas, e a ponta de lança da campanha era o caça Harrier, até então nunca testado em combate.
Começa o massacre
Enquanto a marinha inglesa seguia a toda a velocidade para o Atlântico Sul, com uma força de cruzadores, submarinos e porta-aviões, a Força Aérea Real (RAF) iniciou uma ousada campanha de bombardeiros com os Avro Vulcan, que incapacitou a pista do aeroporto de Port Stanley, impedindo que os argentinos empregassem suas aeronaves a partir daquele ponto.
Antes do final de abril, os porta-aviões britânicos já haviam alcançado a zona do conflito e os Harrier foram lançados em voos de patrulha. Para combatê-los, os argentinos acionaram a FAA com força total. Porém, havia mais um problema: as Ilhas Malvinas também eram longe da Argentina. Para piorar, não havia no novo território uma pista com extensão capaz de receber os jatos supersônicos argentinos.
Navegando a cerca de 300 km das Malvinas, os porta-aviões Invencible e Hermes lançaram os primeiros Harrier no dia 1º de maio de 1982, em missão de bombardeio a pista em Port Stanley, então renomeada como Puerto Argentino. Em retaliação, nesse mesmo dia caças da FAA foram acionados para atacar os navios britânicos que se aproximavam. E lá foram os Harrier, agora armados como interceptadores.
Os caças argentinos precisavam realizar uma viagem de 645 km até alcançar a zona de combate, o que limitava drasticamente o tempo em que as aeronaves podiam permanecer na zona do conflito, até alcançar o nível crítico de combustível e precisar retornar ao continente. No primeiro dia de combates aéreos, a argentina perdeu quatro aeronaves – dois Mirage III, um Dagger e um bombardeiro Canberra, abatido antes mesmo de alcançar as ilhas.
Domínio britânico
O fracasso total da Argentina na primeira batalha aérea da Guerra das Malvinas foi um duro golpe para a FAA, que não tinha mais nenhuma dúvida sobre a disposição dos ingleses em recuperar as ilhas e, sobretudo, a capacidade devastadora dos Harrier.
Apostando na alta velocidade, os caças argentinos enfrentavam os Harrier em combates frontais, uma tática que se mostrou completamente desastrosa. Não só isso, os mísseis disparados pelos aviões da FAA não conseguiam “engajar” as aeronaves inglesas, que rapidamente manobravam para a posição de contra-ataque e lançavam seus mísseis com uma precisão mortal.
O erro do primeiro combate fez a FAA recolher seus aviões e repensar suas estratégias de ataque. Enquanto isso, por mais de 20 dias os Harrier realizaram ataques a posições argentinas nas Malvinas, com bombas, foguetes e disparos de canhões. O medo e a precaução eram evidentes nas forças argentinas. Temendo o pior, a Armada Argentina recolheu o porta-aviões 25 de Mayo para próximo do continente.
Ousadia e trapalhadas
Os aviões argentinos voltaram a voar na zona de guerra somente no dia 21 de maio, na tentativa de impedir o desembarque das forças terrestres britânicas. E novamente, um novo massacre. Nesse dia os Harrier derrubaram mais quatro Dagger, um Pucará e cinco A-4 Skyhawk. Todo esforço da Argentina era em vão, com episódios dignos de trapalhadas.
Além dos mísseis não funcionarem contra os Harrier, caças argentinos realizaram bombardeiros com bombas que foram mal armadas e não explodiram, mesmo atingindo em cheio os alvos. A força aérea argentina também não contava com tanques de combustível descartáveis no estoque e exigia que os pilotos não os ejetassem, mesmo em combate.
Outro episódio lamentável foi o abate de um Mirage III por “fogo amigo”. Após ser atingido por um Harrier, o piloto do caça argentino tentou levar a aeronave para uma pista na ilha. No meio do percurso, para aliviar o peso da aeronave, optou por alijar os tanques de combustível externos e acabou confundido pelas tropas do exército argentino como um caça britânico lançando bombas, e foi derrubado por um míssil terra-ar.
Nos dias 23 e 24 de maio, mais aeronaves argentinas pereceram diante dos Harriers, já chamado pelos soldados argentinos de “Muerte Negra”, devido a pintura dos caças, em tom cinza escuro. No primeiro dia, a FAA perdeu um helicóptero Puma e mais um caça Dagger e no seguinte mais quatro Dagger foram derrubados pelo caça britânico, que se consagrava a cada dia.
Um dos últimos combates aéreos do Harrier, realizado no dia 1º de junho, foi contra um C-130 Hercules, que voava em missão de reconhecimento, operação para qual o cargueiro não foi concebido.
Na ação aérea final da Guerra das Malvinas, no dia 8 de junho, os caças ingleses derrubaram mais quatro A-4, que tentavam um ataque desesperado contra as embarcações britânicas – a essa altura já praticamente estacionadas na costa das ilhas -, que no dia 14 de junho voltou a ser chamada de Falkland, após a rendição da Argentina.
No final do conflito, os Harrier realizaram um total de 1.200 saídas e nenhum foi abatido em combate aéreo. Os argentinos, por sua vez, perderam 23 aeronaves, mas conseguiram abater com fogo de canhão e mísseis terra-ar quatro dos temidos caças ingleses. A força britânica ainda perdeu outros quatro aparelhos, acidentados devido as condições de voo praticamente proibitivas no Atlântico Sul.
Ilhas Falkland, hoje
A rápida invasão das Ilhas Falkland, como fizeram os argentinos em poucas horas em 1982, dificilmente poderá ser repetida pela Argentina ou qualquer outro candidato a conquistar o território, valorizado por suas reservas de petróleo pouco exploradas e a posição estratégica, próxima a diversas bases de pesquisa na Antártica.
Desde o final da Guerra das Malvinas, os britânicos mantém permanentemente na região grandes embarcações de combate e tropas do exército com armamentos pesados. O Reino Unido também instalou um sistema de vigilância avançado nas ilhas e uma base militar, onde a RAF mantém uma frota de caças Eurofighter Typhoon preparados para repelir qualquer invasor, seja de um país da América do Sul ou até uma grande potência.
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