Versátil e rápido, foi o avião produzido em maior número para os aliados durante a Segunda Guerra Mundial.
Mesmo tendo desempenhado um papel secundário na Batalha da Grã-Bretanha em relação ao Hawker Hurricane, o Spitfire é provavelmente o mais famoso avião britânico, bem como o mais importante dos caças usados pelos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Excetuando os modelos soviéticos, foi o avião aliado produzido em maior número durante toda a guerra com um desenvolvimento mais amplo que o de qualquer outra aeronave na história da aviação.
A Grã-Bretanha teve a sorte, em 1936, de contar — graças à iniciativa particular de um projetista-chefe e sua equipe — com um protótipo de caça capaz de incorporar um motor duas vezes mais potente e com o dobro de sua capacidade bélica para atuar na linha de frente. Se a fábrica tivesse ficado restrita às especificações oficiais, os britânicos, em 1936, contariam apenas com o Supermarine 224, um caça desajeitado, de estrutura aerodinâmica semelhante à dos hidroaviões Schneider Trophy, motor Goshawk de 660 hp e quatro metralhadoras, duas na fuselagem e duas trem de pouso fixo e carenado.
O projetista, Reginald Mitchell, pouco se impressionou com sua criação e, retornando à prancheta, criou o Type 300, mais aerodinâmico e muito menor. Tinha trem de pouso escamoteável, revestimento atuante (faz parte da estrutura para suportar as forças exercidas sobre o aparelho) e motor Rolls-Royce PV.12, com cerca de 900 hp de potência. Todas as armas ficavam nas asas, disparando por fora, além do disco da hélice.
Por sugestão do líder de esquadrilha Ralph Sorley, o Ministério da Aeronáutica britânico decidiu que seus futuros caças contariam com oito metralhadoras. A falta de uma metralhadora britânica moderna era compensada pela fabricação, sob licença, da americana Browning. Em fins de 1935, porém, a empresa BSA estava em vias de produzir uma arma de calibre 7,7 mm para a Grã-Bretanha. Mitchell desenhou a asa do Type 300 num formato elíptico, a fim de acomodar as oito metralhadoras deslocadas para a ponta, com carregadores de fita e rápido remuniciamento através de portinholas no revestimento superior.
Essa asa, característica do Spitfire, foi uma das mais bem projetadas para um caça da época. A forma elíptica nada tinha a ver com isso — até dificultava muito a fabricação — mas, aerodinamicamente falando, o perfil era bom para velocidades superiores a Mach 0,9. Durante a Segunda Guerra Mundial, os Spitfire chegaram a mergulhar a Mach 0,92, muito mais rápido que os caças alemães. Por essa época, a Supermarine desenvolvera o chamado “perfil laminar” para o substituto do Spitfire, o Spiteful, mas a asa resultou muito pior: ao ser colocada no primeiro caça a jato da Supermarine, até o piloto-chefe de teste achou-a inferior à antiga.
Voos de prova e produção
Assim como seu eterno inimigo, o Messerschmitt Me 109, o Spitfire tinha trem de pouso estreito, articulado junto à fuselagem, fechando-se para fora e para cima. Também como o Me 109, usava para refrigerar o motor uma mistura de água e glicol, canalizada para um radiador na parte traseira e interna da asa direita; na esquerda, numa disposição assimétrica, ficava um outro radiador, mais delgado, o de refrigeração do óleo lubrificante. Possuía flapes segmentados (acionados, como o trem de pouso, por uma bomba hidráulica manual), cockpit confortável, coberto por uma capota de Perspex (acrílico transparente), que o piloto deslizava para trás sobre trilhos; seis canos de escape curtos e simples de cada lado do nariz; bequilha fixa na empenagem e uma hélice bipá, de madeira, boa mas rudimentar, já que as novas hélices de passo variável ainda não estavam disponíveis na Grã-Bretanha.
O Ministério da Aeronáutica deu a especificação F.37/34 para o novo e elegante caça, além do número de série K5054 (curiosamente, número anterior ao do Hurricane, K5083, construído seis meses antes). O protótipo decolou, sem pintura, do campo de Eastleigh (atual aeroporto de Southampton) em 5 de março de 1936, comandado pelo piloto-chefe “Mutt” Summers. Tinha grande manobrabilidade, mas tamanha era a dificuldade de se fabricarem aviões modernos com revestimento atuante que a planejada produção em massa começou num ritmo muito vagaroso. O primeiro Spitfire Mk I foi incorporado à 19ª Esquadrilha, em Duxford, em julho de 1938, e apenas cinco modelos haviam sido entregues por ocasião da crise de Munique, em setembro daquele mesmo ano.
Em 1939, a produção do Mk I tornou-se mais eficiente à medida que as nuvens negras da guerra se avolumavam no horizonte. O motor Merlin — em que se transformara o PV.12 — foi aperfeiçoado em versões mais potentes. As primeiras hélices de passo variável (De Havilland e Rotol), de velocidade constante e três pás, afinal entravam em produção. O cockpit trouxe uma capota protuberante, mais ampla e de maior campo visual, e o pára-brisa tornou-se à prova de bala com o acréscimo de uma lâmina espessa de Perspex e vidro. O assento do piloto e o motor receberam blindagem, e os dois pequenos tanques de combustível à frente do cockpit (total de 386 litros) foram tratados para se tornarem autovedantes. O motor dos primeiros Spitfire tinha os tubos de escape agrupados e uma bomba que acionava o sistema hidráulico. Com a guerra, instalou-se um rádio melhor, com IFF (identification friend or foe, identificação amigo ou inimigo) — um interrogador automático que identificava positivamente outros aparelhos nas vizinhanças, embora não fosse capaz de evitar alguns erros trágicos.
Joe Smith, que com a morte precoce de Mitchell tornou-se projetista-chefe da Supermarine, iniciou em 1938 um planejado desenvolvimento dos últimos modelos do Spitfire. Um dos principais projetos envolvia uma asa da série IB com duas metralhadoras internas de cada lado substituídas por um canhão Hispano de 20 mm, alimentado por tambor. No início de 1940, foi entregue uma série de trinta Mk IB, mas o canhão ainda não era confiável. Já a asa do tipo C não embutia metralhadoras, e sim quatro canhões juntos, numa configuração pouco comum.
Em 1941, havia muitas versões especiais ou experimentais, dentre as quais o Speed Spitfire — destinado a quebrar um recorde de velocidade — dois hidroaviões, um aparelho com partes de plástico para poupar materiais escassos, um Mk III e dois Mk IV com motor Griffon, maior, e com hélice quadripá. A produção, porém, restringiu-se ao Mk I e ao Mk II, quase idênticos. O Mk II era produzido numa grande fábrica de apoio em Castle Bromwich, perto de Birmingham.
O modelo seguinte da série, o Mk V, não era muito diferente. Tinha fuselagem reforçada como a do Mk III, motor Merlin mais potente, hélice de três pás, mais largas, previsão para asas A, B ou C, pontos de fixação ventrais para um tanque alijável de 136 litros (eventualmente um tanque maior) ou uma bomba de 227 kg. O modelo mais comum, o Mk VB, surgiu armado com dois canhões e quatro metralhadoras, mas no final da produção do Mk V tornou-se mais comum o arranjo do tipo C, de quatro canhões.
Os aviões destinados ao teatro do Mediterrâneo tinham um filtro de poeira e areia sob o nariz que lhes prejudicava o desempenho e alterava seu aspecto. Os que operavam basicamente a baixa altitude tinham as pontas das asas “aparadas”, mediante a remoção de dois parafusos; essa alteração resultava num ganho de velocidade e agilidade, embora piorasse muito o desempenho a grandes altitudes e exigisse mais pista para pousos e decolagens. A manobrabilidade dos Mk V melhorou com o uso do alumínio no revestimento dos ailerons, em lugar do velho sistema entelado. Produziram-se 6.479 Spitfire V, número superior ao de qualquer outro modelo.
Reconhecimento fotográfico
Cerca de 230 Mk V foram transformados em aviões de reconhecimento fotográfico, que, apesar da confusão, receberam a designação PR.IV (já existia o Mk IV com motor Griffon, bem diferente). Nas versões PR (photo-reconaissance), fotorreconhecimento, as metralhadoras deram lugar a mais 302 litros de combustível no bordo de ataque das asas; havia duas câmaras na traseira, num compartimento aquecido, que tomavam fotos dos la-dos com uma pequena sobreposição no centro. O piloto dispunha de mais oxigênio, e o motor, de mais óleo.
O Mk VI foi o primeiro interceptador de grande altitude, com cabina pressurizada e pontas de asas pontiagudas, o que aumentava sua envergadura para 12,24 m. Em 1941, esses aviões eram necessários para combater os Junkers Ju 86P e 86R, que chegavam a grandes alturas, onde o frio acumulava gelo no pára-brisa do Spitfire e emperrava as metralhadoras, além de impor aos pilotos condições duríssimas. Mais importantes para a atuação a grandes altitudes foram os motores Merlin da série 60, com dois turbocompressores e um radiador intermediário para baixar a temperatura do ar, a fim de aumentar sua densidade.
A 9.145 m de altura os Merlin 60 desenvolviam o dobro da potência dos modelos anteriores. Os Spitfire equipados com eles tinham narizes um pouco mais alongados, seis — e não mais três — canos de escape de cada lado, hélice quadripá e radiadores simétricos (o de óleo trazia um outro, de refrigeração extra, do lado esquerdo). Em combate, nenhuma dessas diferenças era óbvia e, em 1942, o Spitfire Mk IX — um avião muito melhor — foi uma desagradável surpresa para seus inimigos, eliminando a vantagem alemã desfrutada pelos Focke-Wulf Fw 190.
O definitivo Mk VIII
O Mk IX era simplesmente o Mk V com novo motor — um expediente para colocar rapidamente em ação o Merlin 61 e depois o 63, 66 e 70. O modelo definitivo Mk VIII resultou muito superior, mas o Mk IX se manteve em produção até 1945, chegando ao surpreendente total de 5.665 unidades fabricadas. Houve muitas versões, com asas LF (9,88 m), F (convencional, 11,23 m) e HF (12,24 m), asa com dois canhões e duas metralhadoras de 12,7 mm e cargas de bombas de até 454 kg.
Produziu-se um número relativamente pequeno de Mk VIII — na opinião dos pilotos, o melhor dos Spitfire — e de Mk VII, este com motor Merlin de dois estágios e o cockpit pressurizado do Mk VI, capota vedada, de camada dupla, e asa do tipo C modificada com ailerons de envergadura reduzida. Alguns Mk VII tinham leme mais largo e em ponta, mais tarde padrão para aviões como os Merlin da série 60 e bequilha escamoteável. O Mk VIII, além de todas essas características, introduziu também um excelente filtro tropical, pois, em sua maioria, o modelo serviu em teatros de além-mar, como o Pacífico. O último Spitfire com motor Merlin, o Mk XI ou PR.XI, foi o avião de reconhecimento aliado mais importante na Europa e era usado pela RAF e pela USAAF (a Força Aérea do Exército americano) em solitárias incursões desarmadas até Berlim, partindo da Grã-Bretanha. Todos os Mk XI possuíam bequilha escamoteável e a maioria, leme pontiagudo, mas uma de suas características principais era a carenagem inferior do motor, mais volumosa, resultado do grande tanque de óleo, em geral necessário para as missões muito longas.
À parte o Mk IV original, o primeiro Spitfire com motor Griffon foi o Mk XII, cujo nariz era mais longo e com protuberâncias na parte superior da carenagem para se encaixar nos cabeçotes do motor. Era um interceptador de baixa altitude, produzido às pressas para combater os Fw 190 em suas incursões rápidas em profundidade, e atingia 563 km/h ao nível do mar, contra 502 km/h do Mk IX. Em 1942, cem deles, em duas versões, foram entregues a duas esquadrilhas da RAF. Eram totalmente diferentes dos Spitfire anteriores, em especial porque oscilavam violentamente para a direita na decolagem em vez de suavemente para a esquerda, já que a hélice girava no sentido contrário. Todos tinham asas com pontas cortadas e alguns contavam com bequiIhas escamoteáveis.
Motores mais potentes
Previsivelmente, a Rolls-Royce colocou turbocompressores de dois estágios nos grandes Griffon, resultando no motor da série 65. Este desenvolvia mais que o dobro da potência do Merlin original a grandes altitudes, porém deixava o Spitfire 91 cm mais comprido e tinha dois grandes radiadores. Esse motor foi usado primeiro no Mk XIV — de certa forma um improviso —, em 1943. Admirável sob todos os aspectos diferenciava-se, à parte o nariz maciço, pela hélice de cinco pás. Esta afetava a estabilidade direcional, o que exigiu a instalação de um conjunto leme-deriva maior. A estabilidade voltou a diminuir no modelo F (caça) e no FR (caça de reconhecimento) com câmaras na fuselagem traseira, topo recortado e uma capota que permitia total visibilidade para trás.
O Mk XIV foi o Spitfire mais importante em 1945, juntando-se a ele alguns Mk XVIII dos poucos construídos. O PR.XIX, sucessor do PR.XI com motor Griffon e turbocompressor de dois estágios, constituiu o último Spitfire com a asa básica original, sendo usado na incursão final da RAF na Malásia, em 1954. Os algarismos arábicos passaram a designar os aparelhos remanescentes no pós-guerra, como o LF.16, FR.18 e PR.19.
Depois da Segunda Guerra Mundial, três modelos semelhantes de Spitfire entraram em serviço, com uma nova fuselagem que aproveitava plenamente o Griffon de dois estágios, mas resultando bem mais pesados. Suas asas, estruturalmente mais reforçadas, embutiam quatro canhões, combustível extra e trem de pouso mais robusto, de todo encoberto pelas portinholas quando retraído. A grande empenagem tinha leme e profundores revestidos de metal, com os sistemas de controle retrabalhados. O primeiro deles foi o F.21, produzido a partir de setembro de 1944, alguns com o Griffon 85 e hélices contra-rotativas de seis pás. O F.22 introduziu a capota em forma de gota e, como os últimos F.21, sistema elétrico de 24 V; os derradeiros F.22 tinham estabilizador maior, o novo leme vertical do Spiteful e um tanque na fuselagem traseira, que acabou sendo proibido por prejudicar a estabilidade direcional do aparelho. O F.24 trouxe também um tanque traseiro e outras novidades secundárias, como lançadores de foguetes e sistema elétrico de disparo das armas. O último dos 20.334 Spitfire produzidos, o modelo F.24, foi entregue em fevereiro de 1948.
Para atender a um pedido urgente da FAA (Fleet Air Arm, a aviação embarcada britânica) de um caça moderno para seus porta-aviões, fabricou-se em 1941 uma versão naval do Spitfire VB, o Seafire IB. Na época, a FAA tinha muitos Seafire originais, resultado da conversão de outros Spitfire. O principal Seafire da guerra, o Mk III, era um Mk VC impulsionado por um motor Merlin 32 ou 55, de alta potência em baixa altitude, com hélice quadripá e asas dobráveis manualmente. A Westland, que fabricou muitos Spitfire, dividiu sua produção com a Cunliffe-Owen. Um Griffon de único estágio equipava o Seafire XV, máquina muito mais mortífera, e o esguio Mk XVII, de capota em bolha. Depois da guerra, os últimos Spitfire e Seafire — os poderosos Mk 45, 46 e 47 — tinham 5.783 kg, mas ainda um desempenho global impressionante, como ficou plenamente demonstrado na Guerra da Coréia. Excluindo-se as conversões, a produção de Seafire atingiu 2.556 unidades.
FONTE/I
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