A300 no Brasil
A300 - O Brasil na era dos Airbus Os A300 foram os primeiros jatos widebody utilizados regularmente em linhas aéreas domesticas brasileiras. Venha lembrar um pouco da história de 24 anos de serviços dos primeiros Airbus a voar pelo Brasil. A Airbus tenta entrar no Brasil Em setembro de 1973 aconteceu em São José dos Campos, SP, o primeiro e último grande Salão Aeroespacial no Brasil, um evento que atraiu milhares de pessoas e aeronaves importantes como o C-5A Galaxy. Entre as muitas novidades, destacava-se uma novíssima aeronave, que de tão nova ainda se encontrava em fase de testes: o Airbus A300.
O A300 nasceu com um conceito revolucionário: seria o primeiro avião de larga capacidade desenhado especificamente para rotas curtas a ser impulsionado por dois motores. O novo modelo seria capaz de transportar até 300 passageiros por 1,200 milhas, utilizando um par de eficientes, silenciosos e confiáveis motores GE CF6. De fato, era mesmo uma revolução a seu tempo: simplesmente não havia nenhuma aeronave capaz de lhe opor competição. Seu primeiro vôo, um sucesso total, foi em 28 de outubro de 1972.
Tantas inovações não passaram desapercebidas ao ambicioso e visionário Omar Fontana, presidente da Transbrasil. O Consórcio Airbus, ávido em vender a primeira aeronave na América do Sul, convidou Omar a sentar-se no assento da esquerda do jato vermelho e branco. Bernard Ziegler, piloto de provas da Airbus, convidou o Cmte Omar a pilotar a enorme aeronave. Omar não se fez de rogado e, um par de horas depois, desembarcou extasiado do reluzente protótipo, matriculado F-OCAZ. Seu entusiasmo pelo A300-B2 era proporcional ao tamanho do avião: com mais de 50m de comprimento, o A300 era um gigante a seu tempo.
Semanas depois, ao final de 1973, Omar foi até Toulouse e negociou uma proposta bastante atraente junto consórcio europeu: a Airbus providenciaria, além dessas condições favoráveis, algo muito mais importante: um pacote de financiamento integral para as três aeronaves (duas firmes e mais uma em opção de compra) que a Transbrasil desejava colocar em operação em suas rotas-tronco. Faltava apenas a aprovação do governo verde-amarelo para importar os aviões.
Mas, nos idos de 1973, o cenário da aviação brasileira era outro, muito mais regulamentado do que hoje. Na prática, a competição entre empresas era algo para inglês (e francês) ver: nosso governo determinava a participação de cada empresa aérea no mercado. Era o DAC que definia rotas, equipamentos, enfim, que dividia o bolo segundo seus próprios interesses. Ou como a história mostra, seguindo mais os interesses de algumas de nossas empresas aéreas do que outras...
Desnecessário dizer: a compra dos jatos foi vetada pelo DAC. Omar ficou sem os seus Airbus; as empresas "competidoras" ficaram satisfeitas.
Primeiras vendas
Omar e a Airbus ficaram desapontados, é claro. Por outro lado, os concorrentes da Transbrasil mantiveram os olhos no desempenho do A300, sobretudo após a entrada do tipo em serviço, nas cores da Air France, em 23 de maio de 1974, na rota Paris-Londres.
O avião provou em serviço ser tudo aquilo que o fabricante prometia: seguro, confortável, silencioso, econômico de operar. Mesmo assim, suas vendas começaram em ritmo lento: apenas a Air France e a Lufthansa fizeram encomendas significativas a princípio. Em 1974, surgiu uma segunda versão, o A300-B4, com maior carga paga, peso máximo de decolagem ampliado de 142 para 165 toneladas, refinamentos aerodinâmicos (como a utilização de flaps tipo Kruger) e alcance aumentado para mais de 5,700 km. Este seria o modelo de maior sucesso da "primeira geração" dos A300.
Então, finalmente, a Airbus conseguiu vender sua primeira aeronave no Brasil: em 27 de abril de 1979, a Varig assinou a aquisição de duas aeronaves e mais duas opções de compra da versão A300B4-203. Essas duas opções foram confirmadas em 19 de julho de 1979 e em 30 de setembro de 1980.
Inicialmente, a intenção da Varig era utilizar seus A300 nas rotas sul-americanas, herdadas pela absorção das operações da Cruzeiro do Sul em 1975. Sendo assim, as aeronaves seriam recebidas nas cores da tradicional operadora, antiga Sindicato Condor.
O Airbus chega ao Brasil
A Cruzeiro recebeu o PP-CLA em 20 de junho e o PP-CLB em 26 de junho de 1980. O inverno desse ano ficará para sempre na minha memória: num inesquecível domingo azul de sol, assisti boquiaberto aos procedimentos de toque e arremetida que o PP-CLA conduziu no aeroporto de Congonhas. Naquela época, sem o recurso de simuladores, era preciso treinar os tripulantes para pousar a enorme máquina na curta pista do aeroporto central de São Paulo na prática mesmo.
É preciso lembrar que até então, os Boeing 727-200 da Vasp e da Aerolineas Argentinas eram as maiores aeronaves que operavam regularmente em Congonhas. Ver o colossal e silencioso A300 tocar, correr pela pista e decolar sem aparente esforço ou ruído signficativo era como assistir a um filme de ficção científica. Depois de seis procedimentos de touch-and-go, o Airbus retornou ao Galeão, onde ficou estacionado por alguns dias antes de entrar em serviço regular.
Em serviço
A Cruzeiro colocou o PP-CLA em serviço no dia 1º de julho de 1980 na rota São Paulo-Buenos Aires. No dia 15 de julho, a malha servida pelos A300 foi substancialemnte ampliada: a empresa passou a servir, além da cidade portenha e da capital paulista, as praças do Rio de Janeiro, Brasília, Belém, Manaus, Caracas e Miami com seus dois A300. Ao mesmo tempo, a empresa iniciava uma campanha publicitária apregoando a chegada "De uma nova estrela na Cruzeiro", que segundo os anúncios e folhetos da época conquistava a "Liderança em jatos do futuro."
Os Airbus logo estabeleceram um padrão de conforto até então sem precendentes nas rotas domésticas. Com oito banheiros, seis galleys e duas classes de serviço (primeira com 24 assentos e econômica com 210) e nada menos que 12 comissários cuidando do atendimento, os A300 tornaram-se os mais avançados e confortáveis jatos em serviço nas rotas domésticas e sul-americanas.
Nas cores da Varig
Satisfeita com o desempenho do PP-CLA e CLB, a Varig reconfirmou as duas opções, mas desta vez, decidiu colocar suas cores nas aeronaves. Em parte, porque os A300 fizeram mesmo sucesso junto ao público. A outra razão foi de caráter politico: as autoridades norte-americanas fizeram questão de "lembrar" ao grupo Varig que as rotas para Miami foram concedidas à Varig e não à Cruzeiro; seria mais "confortável" para as autoridades yankees ver taxiando pelo aeroporto da Flórida os Airbus decorados com o Ícaro e a Rosa dos Ventos ao invés da constelação de cinco estrelas.
Sendo assim, o PP-VND (entregue em 3 de junho de 1981) e o PP-VNE ( 23 de junho de 1982) foram recebidos nas cores da Pioneira. A Varig logo colocou esse dois A300 em operação, na rota São Paulo-Santiago do Chile, onde comprovou a boa receptividade do tipo. Logo depois de recebê-lo, a Pioneira anunciou orgulhosamente que operava com nada menos que três dos "widebodies mais inteligentes:" o A300, o DC-10 e o 747-200.
(Epa!)minondas na Vasp
Se a Transbrasil havia sido a primeira a se interessar pelo A300, no princípio dos anos 80 a companhia de Omar Fontana já havia mudado de idéia em relação aos seus requerimentos para jatos widebody. Empresa lançadora do 767 na América Latina, a Transbrasil desistiu formalmente do A300 no começo da década. Foi praticamente nessa mesma época, mais precisamente em 1980, que a última das três grandes empresas aéreas brasileiras decidiu encomendar o A300.
Em 3 de outubro de 1980 a Vasp anunciou a compra de três jatos da versão de curto alcance, o A300B2-203, com peso máximo de decolagem de 142 toneladas. O contrato de compra foi formalmente assinado em 19 de janeiro de 1981 e os dois primeiros jatos, matriculados PP-SNL e PP-SNM, partiram da fábrica em Toulouse em 5 e 8 de novembro de 1982 respectivamente. Os dois gigantes chegaram à base da empresa em Congonhas e foram recebidos com grande festa: eram os maiores aviões da longa e prestigiosa história da Vasp. No dia 31 de janeiro de 1983, o terceiro e último A300, PP-SNN, foi entregue pelo fabricante à empresa estatal do Governo do Estado de São Paulo.
Os A300 da Vasp também foram motivo de muita comemoração e muita divulgação pela empresa. Na época, uma grande campanha publicitária foi criada pela ALMAP, agência de propaganda na qual eu recém havia começado minha carreira profissional.
A campanha para lançar o Airbus na Vasp entraria para os anais de nossa propaganda como uma das mais cafonas da história de nossa aviação. Esse "mérito" só pode ser disputado por outras duas competidoras de peso: o Agente 727 da Transbrasil ou ainda o detetive "Super Advanced" que anunciou a chegada do 737-200 da Varig em 1975. Seja como for, agência e cliente concordaram em apelidar o birreator de "Epaminondas," uma tolice, aí sim, de proporções gigantescas. Para sorte da Vasp e do indefeso aparelho europeu, o epíteto não caiu nas graças do público viajante e acabou tendo repercussão, diríamos, de proporções liliputianas.
Não era para menos: o efeminado gigante, de cabelinho Chanel, apregoava que o Airbus proporcionava conforto e "Carinho tamanho Epaminondas." De fato, os 26 lugares na primeira classe e 214 na econômica eram muito mais espaçosos do que os assentos dos 737 e 727 que a Vasp operava. A empresa aproveitou o espaço de seus três "Epaminondas" e esmerou-se no serviço de bordo, sobretudo na primeira classe.
Canapés de ovas (não confundir com caviar), lagostas ao thermidor, champagne a princípio (depois espumantes nacionais) e whisky escocês 12 anos eram algumas das tentações oferecidas pelos tripulantes dos A300 ao distinto público viajante.
Os A300 logo formaram uma elite dentro da malha da Vasp, operando sobretudo nos serviços que uniam Porto Alegre a São Paulo - Congonhas e da capital paulista para o Rio, Salvador, Recife e Fortaleza. Outra aeronave ligava Congonhas a Brasília e Manaus. Novamente, os A300 mostraram-se um sucesso de público.
Com a entrega dos primeiros DC-10-30 e início das rotas internacionais nos anos 90, os A300 da Vasp viram seu prestígio diminuir. Mesmo assim, os Airbus foram utilizados por alguns anos nos vôos da empresa entre São Paulo e Buenos Aires.
Despedida na Varig e Cruzeiro
Com o recebimento de mais jatos DC-10 e 747, os vôos internacionais da Varig já podiam contar com aeronaves de grande capacidade e alcance maior do que os A300B4 podiam oferecer. Assim os quatro Airbus do grupo passaram a voar nas principais rotas domésticas e nas ligações com os países do cone sul, especialmente nos vôos para a Argentina.
Com a inauguração do Aeroporto de Guarulhos em 1985, o principal mercado emissor do Brasil ganhava finalmente um aeroporto internacional de fato. A performance do A300 nas curtas pistas de Congonhas, principal atributo que justificava sua operação, deixava de existir. Sendo assim, o grupo Varig resolveu vender as aeronaves e padronizar sua frota de widebodies de média capacidade e alcance no modelo 767, que a empresa começou a operar em 1986.
Assim, em 15/3/1982 o PP-CLB foi vendido e entregue para a Japan Air System, onde recebeu a matrícula JA8292. Em 7/12/1989 foi a vez do PP-VNE, entregue à mesma empresa e matriculado JA8293. O PP-CLA e o PP-VND foram ambos vendidos para a Air Jamaica em 1990. O CLA deixou o Brasil em 10/5/90 e assumiu sua nova identidade e matrícula, 6Y-JMR. O VND transformou-se em 6Y-JMS em 12 de junho. Ambos serviram à empresa jamaicana até o final de 1996, quando foram encostados nos desertos do Arizona.
Fim da linha na Vasp
Ficaram no Brasil apenas os três últimos jatos entregues, justamente os três "Epaminondas" da Vasp. Mas logo depois, ao final dos anos 90, a Vasp começaria a enfrentar uma duradoura crise: os serviços internacionais começaram a ser gradativamente cancelados e assim, a utilização do A300 voltou a ser exclusivamente doméstica.
Após 2001, a Vasp entrou em acelerado processo de retração de oferta e procura pelos seus serviços. Com uma geração de caixa cada vez menor, a empresa começou a encostar suas aeronaves e canibalizar os jatos parados para fornecimento de peças para outras aeronaves da frota. O PP-SNL foi o primeiro a parar, ainda em 2002, seguido logo depois pelo SNM e SNN, este o último a ver serviço ativo nas cores da Vasp no começo de 2004.
Com situação da empresa piorando a cada dia, os A300 ficaram como a própria Vasp: no solo. A companhia, que operou seus últimos vôos regulares em janeiro de 2005, embora não esteja juridicamente falida, não voltará a voar. O mesmo pode ser dito desses três jatos que já foram a maior razão de orgulho da empresa: dois estão abandonados nos hangares da companhia em Congonhas e o terceiro, PP-SNN, ficou no aeroporto de Guarulhos. Um fim inglório para esse que foi o primeiro jato widebody a operar nas linhas domésticas no Brasil.
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