Mas não há pressa. Embora a indústria já faça testes, todo o setor precisa se preparar para esse tipo de tecnologia, o que não acontecerá da noite para o dia.
Carros autônomos ainda não trafegam ativamente pelas ruas, mas é questão de tempo: Waymo (Google), Tesla, Ford, Hyundai e tantas outras companhias já testam veículos que dispensam o papel do motorista. Mas já parou para pensar em aviões que voam sem pilotos humanos? Se não, pense agora: projetos focados em criar sistemas autônomos de pilotagem não faltam.
Em 24 de março de 2015, um Airbus A320 da Germanwings que cumpria o voo 9525 saiu do Aeroporto Internacional de Barcelona, na Espanha, com destino ao Aeroporto de Düsseldorf, na Alemanha, e caiu nos Alpes franceses cerca de 30 minutos após a decolagem. Quase um ano depois, um laudo confirmou que o copiloto Andreas Lubitz derrubou a aeronave deliberadamente.
Na época, representantes de companhias, autoridades e especialistas em aviação passaram a debater formas de evitar que outros incidentes como esse ocorram. Uma das ideias consideradas foi a de aperfeiçoar os protocolos de avaliação da saúde mental da tripulação. Mas também houve quem questionasse o papel dos pilotos: com a tecnologia que temos hoje, eles são mesmo necessários ou devem ter tanta responsabilidade?
É claro que esse questionamento foi rebatido. Condenar toda uma classe de profissionais por causa da conduta de um único copiloto não tem cabimento. Apesar disso, o assunto serviu para colocar holofotes sobre a pilotagem autônoma, ideia que vem sendo cogitada há algum tempo.
Aviões quem voam sozinhos já existem
Em fase experimental, mas existem. Talvez você já tenha adivinhado onde: sim, em atividades militares. Podemos tomar como referência o X-47B, caça não tripulado que foi testado entre 2008 e 2016. A aeronave conseguia, por exemplo, ser reabastecida no ar e decolar de porta-aviões. A tecnologia desenvolvida no X-47B deverá ser empregada em outras aeronaves, inclusive no sucessor X-47C, a ser fabricado em 2018.
Da forma como foi concebido, o X-47B pode ser considerado um drone — dos grandes, mas um drone. Se quisermos algo capaz de transportar passageiros, podemos olhar para o projeto da BAE Systems, companhia especializada em tecnologia aeronáutica: a empresa vem testando há alguns anos um Jetstream 31 — um bimotor de pequeno porte para até 16 passageiros — modificado para ser pilotado por um sistema autônomo.
Além dos instrumentos convencionais, o sistema recebe dados de satélites e outros aviões, e utiliza uma câmera no cockpit que consegue reconhecer tipos de nuvens e outras possíveis complicações. O sistema pode até modificar a rota com base no tráfego aéreo ou nas condições meteorológicas.
O grande diferencial de tecnologias como o da BAE Systems — e, portanto, o que distingue a aeronave de meros drones — é a capacidade do sistema de ter consciência situacional, ou seja, de estar a par de eventos, condições ambientais, registros dos instrumentos e outros fatores essenciais ao voo.
Esse aspecto deve ajudar a abrir caminho para o uso de tecnologias autônomas de pilotagem na aviação comercial. Tanto é que o avião da BAE Systems já realizou vários voos de testes em rotas convencionais no Reino Unido (mas sem passageiros).
É verdade que dois pilotos humanos assumem o comando da aeronave durante decolagens e aterrissagens, mas a empresa prevê que é questão de tempo para o sistema ser capaz de controlar essas operações (e de haver autorização para isso).
Os pilotos são robôs
A essa altura, talvez você tenha se perguntado sobre o piloto automático. Sistemas desse tipo variam de acordo com o modelo da aeronave e o fabricante, mas, em geral, devem ser capazes de deixar o avião na altitude programada, manter a velocidade, seguir uma rota pré-definida, alinhar com a pista de pouso, entre outras tarefas.
Embora o piloto automático possa controlar boa parte da operação do avião, a presença do piloto e do copiloto é essencial. Basicamente, o piloto automático existe para aliviar a carga de trabalho dos pilotos humanos e contribuir com a segurança do voo.
No entanto, há um piloto automático sendo desenvolvido pela Aurora Flight Sciences que é diferente do convencional: o sistema utiliza câmera, inteligência artificial, reconhecimento de voz, braço mecânico e outros recursos para pilotar um avião como se fosse um humano. Estamos efetivamente falando de um robô.
O projeto do Alias (Aircrew Labor In-Cockpit Automation System), como é chamado, começou como parte de um programa da Darpa (agência de pesquisa ligada ao exército dos Estados Unidos) e visa criar uma tecnologia capaz de transformar qualquer avião em autônomo.
Esse sistema utiliza um braço mecânico da Universal Robots parecido com os que são usados pela indústria. O equipamento é tão versátil que vem sendo aplicado em numerosos experimentos, inclusive este: com o braço, o Alias pode acionar controles para acelerar ou desacelerar o avião, mudar de altitude, alterar a direção, entre outros.
Os voos são, no mínimo, curiosos: o Alias já assumiu, por exemplo, o posto de copiloto no simulador de um Boeing 737-800NG (uma aeronave de 40 toneladas que pode transportar até 180 passageiros) e teve ao seu lado um piloto humano.
Praticamente todas as tarefas de responsabilidade do robô foram executadas com sucesso, entre elas, acompanhamento de procedimentos e interação com o piloto. O exercício foi feito em um simulador, como já dito, mas já houve testes em voos de verdade com aviões de pequeno porte, como um Diamond DA42 e um Cessna 208 Caravan.
Segundo a Aurora, robôs como o Alias poderão assumir uma quantidade maior de tarefas para deixar os pilotos focados em outros procedimentos importantes. Mas, sim, é impossível não pensar nessas máquinas substituindo de vez um dos pilotos ou mesmo os dois. E não pense que o Alias é o único projeto do tipo: até a Nasa já estuda o assunto.
Um voo longo, bem longo
O avião é um dos meios de transporte mais seguros do mundo. Há tantas camadas de segurança que uma aeronave só cai por falha ou danos mediante uma combinação de fatores. Isso se deve aos enormes avanços tecnológicos que a aviação recebeu nas últimas décadas.
Mas, para Fabrice Brégier, CEO da Airbus, os pilotos são importantíssimos para a segurança dos voos, mesmo no meio de tanta tecnologia. “Você sempre poderá encontrar pilotos que tiveram papel determinante [na prevenção de desastres aéreos]”, disse ele na época dos debates em torno da queda do voo 9525.
Sem contar que, a despeito de toda a segurança existente, muitas pessoas ainda têm medo de voar de avião, mas muitas mesmo. Se elas já ficam receosas de entrar em uma aeronave sabendo que há duas pessoas lá na frente treinadas para garantir que o voo termine bem, imagine se não houver.
É por isso que muitos especialistas acreditam que a profissão de piloto ainda está longe do fim. Levemos em conta também que um cenário em que aviões completamente autônomos serão predominantes dependerão de uma grande mudança estrutural no setor. É preciso modernizar ou criar sistemas abrangentes para orientar adequadamente a operação dessas aeronaves.
Provavelmente, centrais de controle em terra serão necessárias para permitir que equipes monitorarem os voos, enviem ordens (para mudança de rota, por exemplo) e até assumam a pilotagem remotamente em situações emergenciais — essas equipes poderiam ser formadas por profissionais que, hoje, são pilotos, o que amenizaria a sempre polêmica questão da redução de empregos.
Tecnologia para orientação remota existe e ela poderia, em tese, ter evitado a queda do avião da Germanwings, por exemplo — alguém em terra assumiria o avião ao perceber que os pilotos não respondem. Mas veja como esse ponto é delicado: como garantir que um sistema como esse não seja hackeado por alguém justamente com a intenção de derrubar o avião? Essa pergunta nos leva a outra: como garantir que os aviões autônomos não sejam tomados remotamente por hackers?
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