Dos canteiros de obras na era JK à recente exploração do pré-sal, a história da Líder Aviação teve sua trajetória moldada pelos grandes acontecimentos do Brasil
O então recém-habilitado José Afonso Assumpção seguiu o caminho comum à maioria dos pilotos brasileiros, buscou seu primeiro emprego em uma empresa de táxi-aéreo.
Na década de 1950, o Brasil sob a gestão do presidente Juscelino Kubitschek prometia crescer 50 anos em cinco, dando um novo dinamismo à economia nacional, que já vinha crescendo vertiginosamente desde a Segunda Guerra.
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A aviação do pós-Guerra mostrava o potencial dos aviões privativos no ambiente corporativo, abrindo caminho para a chegada da aviação de negócios ao país.
O piloto Assumpção viu na aviação geral uma porta de entrada nesse mercado. Na época, Belo Horizonte contava com quatro empresas locais de táxi-aéreo, todas sediadas no aeroporto Carlos Prates. A escolha recaiu sobre a Imperial, que utilizava o Bonanza. Por gostar do avião e pelo maior salário, optou pela empresa.
Apesar do entusiasmo inicial, logo notou os problemas da aviação da época. Sem fiscalização nem doutrina, as empresas de aviação geral, e mesmo as de aviação regular, surgiram de maneira exponencial entre as décadas de 1940 e 1950. O número de acidentes era ainda maior do que o próprio crescimento da aviação.
Uma emergência logo após a decolagem levou Assumpção a tomar duas importantes decisões em sua vida. A primeira foi pedir demissão e a segunda, criar o que viria ser 60 anos depois uma das maiores empresas de aviação de negócios da América do Sul, a Líder Táxi Aéreo.
Destino: Brasília
Após reunir capital para iniciar as operações, a empresa inaugurou sua sede no centro de Belo Horizonte oferecendo o fretamento de três aviões monomotores.
Naquela época, a companhia tinha uma operação bastante enxuta, com o próprio dono assumindo os voos em diversos casos, já com um diferencial: a prioridade na manutenção.
O temor de se envolver em um acidente levou à criação de um protocolo acima dos padrões exigidos na época. A confiabilidade criou condições para que a empresa fosse a escolhida por diversos empresários, engenheiros e autoridades para acompanhar as obras de construção de Brasília, o futuro Distrito Federal.
Uma curiosidade, durante as obras da nova capital do país, o rudimentar auxílio à navegação era "complementado" pela poeira da gigantesca obra. O solo do planalto central por ser bastante seco fazia com que o movimento de veículos levantasse uma expressa coluna de poeira que podia ser avistada de longe. Os pilotos da Líder passaram a contar com esse "recurso extra" para localizar a moderna cidade que era erguida em meio à árida paisagem.
O cenário político brasileiro estava mergulhado em uma crise institucional grave após a renúncia do controverso Jânio Quadros. Eleito em uma campanha bastante agressiva e com mote do combate à corrupção, o novo presidente em uma manobra política arriscada renunciou apenas sete meses após assumir o cargo.
Forças políticas temiam que o vice, João Goulart, levasse o Brasil a um alinhamento com soviéticos ou chineses. Ainda assim, a Líder, meses após a renúncia do presidente, com apenas quatro anos, já contava com 13 aeronaves na frota, incluindo um Beechcraft D185, o primeiro bimotor destinado ao serviço de táxi-aéreo no Brasil.
Pampulha
O ano seguinte seria um dos mais importantes para a companhia, que concluía a construção do seu hangar no recém-inaugurado aeroporto da Pampulha, ao mesmo tempo que adquiria seus três primeiros Aero Commander 500B. O icônico avião dispunha de maior capacidade, performance superior e longo alcance, permitindo realizar uma série de voos sem escalas.
Aproveitando as instalações da Pampulha, a empresa expande o portfólio de serviços oferecendo manutenção de aeronaves e hangaragem. Mesmo com a turbulência política se agravando, a Líder assumiu um novo negócio, a assessoria na importação e venda de aeronaves, que logo se tornaria um dos principais negócios da empresa.
A efervescência de grandes obras manteve a Líder operando em diversos canteiros pelo país, com destaque para as barragens de Três Marias e Salto Grande, ambas em Minas Gerais, que exigiam um constante deslocamento de engenheiros e técnicos entre o canteiro de obras e as principais cidades do país.
O exagerado número de acidentes da aviação geral, aliado às crises política e econômica, levou à falência praticamente todas as principais concorrentes no período, o mesmo ocorrendo com empresas aéreas que eram absorvidas pelas gigantes Varig e Real. No final da década, restavam poucos táxis-aéreos. Na aviação comercial regular sobrevivia a Varig como uma gigante, após engolir a Real-Aerovia e na sequência a Panair, contando apenas com concorrentes menores.
Um grande salto
O homem chegava à Lua e a indústria aeronáutica investia maciçamente no desenvolvimento de novas aeronaves. O Boeing 747 realizava seu primeiro voo em janeiro de 1970, revolucionando o transporte de passageiros e o Concorde prometia reduzir pela metade o tempo de voo. Na aviação de negócios, o Learjet se tornava um fenômeno de vendas, aliando alta performance a capacidade de operar na maior parte dos aeroportos do mundo.
A Líder passa a representar no Brasil a ainda independente Learjet e inaugura uma base no Santos Dumont. A presença no Rio de Janeiro marca a expansão da empresa nos grandes centros, visto que na década de 1970 a capital fluminense ainda reunia a sede das principais companhias do país, inclusive da Petrobrás.
O petróleo em alto-mar
O setor de óleo e gás é visto pelo governo militar como uma de suas prioridades, passando a investir maciçamente na petroleira, que ganha capacidade de operar em diversas bacias petrolíferas, exigindo o uso de helicópteros para ligar as bases em terra às plataformas de extração em alto-mar.
A Líder ingressa no setor offshore ao adquirir os primeiros oito helicópteros Sikorsky S-58T, mantendo elevado grau de segurança, ao par que suas rivais passavam a acumular acidentes graves. Ao mesmo tempo, a Líder passa a voar em apoio ao programa RADAM (Radar na Amazônia), com o auxílio de um avião equipado com radar e instrumentos específicos, e inaugura um hangar no aeroporto de Congonhas e outro em Brasília.
Com a visão do governo de desbravar a fronteira norte, a Líder também inaugura um hangar em Belém, disponibilizando novos serviços na ainda isolada região Norte do Brasil. Os excessivos gastos do governo federal no desenvolvimento do país, realizados por meio de financiamento externo, atrelados às duas grandes crises do petróleo, levaram as contas públicas à ruína. A chegada dos anos 1980, que ficariam conhecidos “década perdida”, leva à quase paralisação da economia nacional.
De forma bastante audaciosa, a Líder, em 1984, assume a representação da Bell Helicopter, que se une a outras marcas representadas pela companhia, como a Learjet, Allied-Signal Aerospace, Bendix King, Rockwell Collins e Honeywell. Na ocasião, a empresa assume a liderança do setor em toda a América Latina.
No período, a então Votec, que já voava como empresa aérea regional, acumula dívidas e acidentes, especialmente em operações offshore. Mesmo diante de incertezas, a Líder inaugura a Base Macaé, no litoral norte do Rio de Janeiro, ampliando o suporte a suas operações offshore e se destacando por sua operação considerada bastante segura, mesmo para padrões internacionais.
Plano Real
A eleição do presidente Fernando Collor não melhora o cenário caótico nacional, culminando com seu impeachment em 1992. Com a economia fraca e inflação sem qualquer controle, o Plano Real é criado em 1994, dando novo fôlego à economia e esperanças ao país. E garantindo a eleição e a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Com a economia estável e a paridade do dólar, a Líder passa a representar a Raytheon Aircraft Company, que havia assumido as operações da Hawker e Beechcraft, ao mesmo tempo que inaugura mais um hangar no aeroporto de Congonhas, recebia os primeiros helicópteros Sikorsky S-76A e os jatos Hawker 800.
O ano 2000
Em 2000, a Líder já contava com 1.000 funcionários em todo o país e formaliza um acordo com a gigante BBA-Signature, Composite Technology, criadando a CTBrasil (Composite Technology do Brasil), ampliando seu portfólio de manutenção, que passa a pertencer à marca Líder Signature. A especialização em materiais compostos foi pioneira no setor, que já mostrava o potencial da solução na aviação geral. Em 2002, a empresa recebe o Premier I, o primeiro avião de negócios construído com materiais compostos.
No início do novo milênio, a frota própria chegava a 20 aviões e 27 helicópteros. A empresa passa a representar a CAE no Brasil ao mesmo tempo que encerra a representação para vendas de aeronaves da Bell Helicopter Textron. Em 2003, encomenda 10 helicópteros Sikorsky S-76C+ e, no ano seguinte, amplia o pedido para outras 10 aeronaves do mesmo modelo, ao mesmo tempo passa a representar a Eurocopter no Brasil.
Com o crescimento da economia brasileira, a empresa retoma seus investimentos em novas áreas, com o início da parceria com a distribuidora de energia elétrica mineira Cemig, prestando serviços de inspeção e manutenção das linhas de transmissão, utilizando helicóptero Bell 206 L4. Uma nova aquisição de helicópteros, adicionando mais seis S-76C++ às operações offshore. Em 2008, no aniversário de 50 anos, a Líder apresenta no Brasil o Premier II, depois inaugura seu novo hangar em Jacarepaguá e adquire mais quatro helicópteros S-76C++.
Pré-sal e HondaJet
O investimento no pré-sal torna o setor de óleo e gás a menina dos olhos para a aviação de negócios, que investe constantemente no setor, tanto que no ano seguinte são encomendados mais três S-76C++, seguidos de mais três em 2010, dois helicópteros S-92 e a inauguração de bases em Itanhaém e Tefé, para suprir a projetada demanda de voos offshore. No período, a empresa ainda formaliza a representação da Bombardier no Brasil.
Na sequência a empresa deixa de representar a Beechcraft no Brasil, iniciando uma revisão na sua estratégia de negócios. Com a proximidade dos Jogos Olímpicos, a Líder inaugurou em 2015 seu mais moderno hangar, no aeroporto do Galeão. A crise que assolou o Brasil atingiu fortemente a aviação de negócios e também o segmento off shore, exigindo flexibilidade e resiliência, com alterações estratégicas e inovações audaciosas. Naquele momento, a Líder passa a representar unicamente a HondaJet no Brasil. O modelo era visto com expectativa pelo mercado, após um lento processo de certificação, para em seguida se tornar o mais vendido da categoria.
Atualmente a Honda Aircraft espera ampliar as vendas do modelo no Brasil, substituindo jatos leves de entrada mais antigos, como os Learjet, alguns Citation e a primeira geração do Phenom 100. Ainda no segmento de aviação de negócios, a Líder passa a focar no assessoramento para a compra de aeronaves novas e usadas.
Ao completar 64 anos, a Líder acumula uma história respeitável de segurança e inovação. Mantendo a sede em Belo Horizonte, contrariando a tendência do setor, que concentra todas as matrizes em São Paulo, a Líder se tornou uma empresa com forte influência global, mas mantendo seus laços em Minas Gerais. Atualmente, a marca Líder Aviação se situa em importância, guardadas as proporções, ao lado de ícones nacionais como a própria Embraer, sendo referência mundial em aviação de negócios, serviços e manutenção.
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