Os projetos que inauguraram nos anos 1950 uma nova era da aviação comercial dos Estados Unidos
Convair CV990 da American Airlines
O sucesso de um avião comercial é o resultado da combinação de engenharia, capacidade, experiência nas previsões mercadológicas, um ótimo senso de timing e, muitas vezes, apenas boa sorte. Quando misturados corretamente, esses elementos produzem um avião comercial bem-sucedido – ganhando o apreço de seus passageiros e o respeito de suas tripulações, além de lucrativas encomendas das companhias aéreas clientes. Mas nem todos os projetos de aviões de passageiros que chegam à produção alcançam o sucesso comercial, tornando-se perdedores na disputa contra os seus concorrentes e desastres financeiros para seus fabricantes e, muitas vezes, para as companhias aéreas que os operam. As duas pontas dessa corrida se revelaram com vigor nos primeiros anos da aviação comercial a jato nos Estados Unidos e determinaram muito do que vemos hoje nos grandes aeroportos mundo afora.
Em 1949, voou na Inglaterra o de Havilland DH106 Comet, o primeiro jato comercial a ser produzido em série. Naquela época, os principais concorrentes norte-americanos no mercado de aviação comercial eram a Douglas, com seus DC-6 e DC-7, e a Lockheed, com os Constellation e Super Constellation, todos eles com motores a pistão, enquanto a Boeing permanecia como apenas mais um fabricante, pois o seu modelo 377 Stratocruiser, embora muito avançado, havia recebido poucos pedidos. Mas, em 1954, a Boeing apresentou o protótipo de um jato comercial. Construído como uma iniciativa particular e a um custo muito alto, a aeronave deu origem a duas famílias diferentes: a KC-135 de transporte e reabastecimento aéreo para o mercado militar e a 707, que ganhou a preferência dos passageiros a partir dos anos 1960, mas que, durante cada passo do seu desenvolvimento, teve de concorrer ferozmente com os jatos DC-8 de sua arquirrival Douglas e, em menor escala, com os produtos da Convair, o CV-880 e o CV-990 Coronado, também com propulsão a jato.
Boeing 707 da Lan Chile
Boeing 707
A fuselagem do protótipo conhecido como 367-80 foi criticada pelas companhias aéreas por ser muito estreita. Para concorrer com a Douglas e satisfazer as críticas, a Boeing redesenhou a fuselagem, tornado-a mais longa e mais larga, sendo capaz de transportar mais passageiros em fileiras de seis assentos (3+3), enquanto as do DC-8 eram para cinco passageiros (3+2). A tática funcionou e demonstrou o enorme potencial do projeto básico do 707. O jato entrou em serviço em 1958 e, na época, provocou grande alvoroço. A aeronave era maior, mais pesada e mais barulhenta do que qualquer outro avião comercial então em serviço, mas, ao mesmo tempo, era capaz de transportar mais passageiros a distâncias muito maiores.
Começava uma revolução nas viagens aéreas e não demorou muito para que outros fabricantes começassem a desenvolver seus próprios jatos comerciais com o intuito de obter uma fatia do lucrativo mercado descoberto pela Boeing com o 707. Durante o período de produção, a Boeing introduziu melhorias, tais como derivas mais altas e motores mais possantes, além de várias subvariantes destinadas a atender necessidades específicas, incluindo as séries intercontinentais 300/400, a versão “combi” para carga/passageiros e o derivado 720, projetado para voos domésticos de alta capacidade.
Boeing 707 introduziu características que hoje são referência na aviação comercial
Embora tenha se mostrado muito popular com as companhias aéreas, o 707 apresentava defeitos. Os turbojatos Pratt & Whitney JT3 que equipavam as primeiras versões eram muito barulhentos e necessitavam de injeção d’água para decolar, o que criava enormes nuvens de fumaça preta. Os primeiros 707 também não eram capazes de realizar voos intercontinentais, os voos longos exigiam muitas paradas e, comparados aos aviões a pistão contemporâneos, gastavam muito combustível e exigiam pistas mais longas. O 707 também mostrou ser menos rentável do que outros jatos comerciais e, inicialmente, era caro e com manutenção difícil. Além disso, os principais aeroportos do mundo tiveram de iniciar onerosos projetos para estender e reforçar suas pistas, além de melhorar suas instalações a fim de acomodar as novas aeronaves.
Apesar da enxurrada de encomendas das companhias aéreas, ansiosas por adquirir os modelos mais recentes da Boeing, a concorrência ainda era acirrada, vinda inclusive do outro lado do Atlântico, como o VC-10 da britânica Vickers, que não conseguiu um número significativo de pedidos. Mas as vendas do DC-8 continuavam fortes e, na tentativa de obter encomendas europeias, a Boeing lançou o 707-320, que oferecia alcance intercontinental, atraindo pedidos da BOAC, Sabena e Lufthansa, o que fez com que, por volta de 1965, o 707 fosse mais popular do que o DC-8, apesar de a Douglas ter lançado variantes mais longas.
No final dos anos 1970, os primeiros 707 haviam começado a entrar no mercado de aviões usados, na medida em que modelos maiores e mais eficientes se tornavam disponíveis. Exemplares usados passaram rapidamente a ser adquiridos por companhias aéreas menores e, às vezes, utilizados em voos charter e até convertidos em cargueiros, como a maioria dos poucos que ainda permanecem em serviço.
Em 1982, quando o último Boeing 707 comercial foi entregue ao governo de Marrocos, após 21 anos de produção, um total de 916 exemplares de série, em oito variantes (707-100/100 “short body”/-200/-300/300B/-300C Cargo/-300C Combi e -400), haviam sido entregues.
O popular DC-8 foi o primeiro jato comercial da Douglas
Douglas DC-8
O popular DC-8 foi o primeiro jato comercial da Douglas e o segundo mais bem-sucedido, depois do 707. Apesar de sua forte influência sobre o mercado de aviões comerciais do mundo no início da década de 1950, e o surgimento do jato de Havilland Comet, a Douglas passou cautelosamente para o mercado de aviões comerciais a jato, uma decisão que viria a custar-lhe muito em vendas potenciais perdidas durante as décadas seguintes.
Em junho de 1955, a Douglas anunciou que estava desenvolvendo o jato comercial DC-8, um ano antes do primeiro voo do Boeing 367-80, o protótipo do 707. Os estudos começaram secretamente em 1952 e, em 1953, haviam chegado ao que seria o avião básico, um modelo para 80 passageiros de asa baixa com quatro motores, asas com enflechamento de 30º e cabine com diâmetro interno de 3,35 m, que permitia fileiras de cinco assentos (3+2). Consultas às companhias aéreas clientes levaram a uma fuselagem aumentada em 38 cm para permitir fileiras de seis assentos (3+3), o que implicou em asas e superfícies de cauda maiores.
O primeiro DC-8 voou em 30 de maio de 1958, cinco meses antes de o 707 ter entrado em serviço com as cores da PanAm. Um programa de testes de voo envolvendo nove aeronaves conduziu à certificação, obtida em 31 de agosto de 1959. A entrada em serviço comercial com seus clientes de lançamento, United e Delta, ocorreu em 18 de setembro daquele ano. Infelizmente para Douglas, a disponibilidade anterior do 707 fez com que as vendas iniciais do DC-8 fossem relativamente lentas. As cinco primeiras versões (os DC-8-10/-20/-30/-40/-50) tinham o mesmo tamanho, mas mudavam os motores, a capacidade de combustível e o peso máximo. Ciente de que estava ficando para trás da Boeing, a Douglas decidiu dar uma grande virada para comercializar o produto. Assim, em abril de 1965, o fabricante anunciou três novos modelos de fuselagem alongada, conhecidos como Super Sixties.
O programa DC-8 havia corrido o perigo de ser encerrado com 274 aeronaves vendidas, mas os Super 60 lhe deram um novo alento. Quando a produção terminou, em 1972, 282 DC-8 alongados haviam sido construídos, totalizando 556 jatos. Com capacidade para transportar até 269 passageiros, os Douglas DC-8-61 e -63, com a fuselagem 10,97 m mais longa do que a do modelo básico, eram os aviões com maior capacidade do mundo, permanecendo nessa condição até a chegada do Boeing 747, em 1970. Já o DC-8-62, mais curto, podia transportar 189 passageiros.
Essa capacidade de alongamento do DC-8 contribuiu para sua longevidade. O DC-8 provavelmente sobreviveu ao 707 graças à sua provada capacidade de se adaptar. Os DC8-71 a -73 foram conversões dos -61 a -63 obtidas pela substituição dos seus motores JT-3D pelos turbofans com alta taxa de diluição CFM56-2 muito mais econômicos, o que implicou em novas e maiores naceles e de novos pilones, além de carenagens das entradas de ar sob o nariz. Os três modelos foram certificados em 1982 e um total de 110 DC-8 Super Sixties haviam sido modificados quando o programa terminou, em 1988.
Convair 880/990 Coronado
A Convair estava muito interessada em continuar fornecendo aviões para o mercado mundial de aviação comercial quando a demanda pelo seu modelo 440 com motores a pistão começou a diminuir, em meados dos anos 1950. Identificando a necessidade de um jato comercial quadrimotor que poderia ser menor e mais veloz do que o 707 e o DC-8, o fabricante desenvolveu seu novo avião, incorporando a experiência obtida pela companhia na produção de caças e bombardeiros a jato para a USAF.
O novo projeto da Convair era semelhante aos da Boeing e da Douglas, com asas enflechadas e quatro motores sob elas. A velocidade de cruzeiro deveria ser de 965 km/h (600 mph), equivalentes a, contra os 900/935 km/h (560/580 mph) do 707 e do DC-8. A Convair anunciou o modelo com o nome “Skylark 600”, para capitalizar a vantagem da velocidade planejada, a qual permanece lendária até hoje. Algumas mentes brilhantes do departamento de marketing da Convair perceberam que 600 milhas por hora correspondiam a 880 pés por segundo e esse cálculo deu origem ao nome do novo avião que deveria transportar entre 75 e 100 passageiros graças, entre outras coisas, a uma fuselagem mais estreita com fileiras de cinco assentos (3+2).
A produção do 880 começou em 1956, com encomendas de 40 aviões feitas por TWA e Delta, mas, apesar dos esforços de vendas, um ano depois, menos de 10 outros aviões haviam sido vendidos. Seus principais concorrentes foram os Boeing 720 e 727. Esforços de vendas aconteceram, mas muitos pedidos quase confirmados foram cancelados. A Convair produziu apenas 65 modelos CV880 entre 1959 e 1962, enquanto a Boeing construiu 316 jatos da família 707.
Na época, a American Airlines queria um avião transcontinental que pudesse operar a 1.020 km/h (635 mph), economizando 45 minutos na viagem entre Nova York e Los Angeles realizada pelo 707 e o DC-8. Desesperada por tornar viável seu programa de jato comercial, a Convair decidiu atender à necessidade de velocidade da American, melhorando o 880 com uma fuselagem 3 m mais longa para aumentar a capacidade, motores turbofan e freios antiderrapantes (pela primeira vez um jato comercial era projetado com esses equipamentos), trem de pouso melhorado e um sistema hidráulico de controle do leme. O fabricante garantiu contratualmente que o novo avião poderia voar à velocidade desejada, com pesadas multas a serem pagas ao comprador caso a velocidade prometida não fosse atingida. A Convair estava apostando tudo naquele jogo.
Além das características já mencionadas, o novo CV990 tinha alcance de 7.080 km (4.400 milhas) e foi lançado em agosto de 1958 com uma encomenda de 25 aviões para a American Airlines. Duas grandes carenagens antichoque (ou pods) na parte traseira de cada asa foram acrescentadas para reduzir o efeito das ondas de choque de arrasto induzido que se cria quando uma superfície de sustentação (a asa) se desloca a velocidades entre 0,8 Mach e 1 Mach (a velocidade do som). Outro benefício dos pods era que estavam equipados com uma válvula para alijamento de combustível para uma rápida redução do peso em caso de emergência.
O Convair 990 saiu da fábrica em novembro de 1960 e o seu voo inaugural ocorreu em 24 de janeiro de 1961, com a certificação da FAA obtida apenas em dezembro. Os testes de voo haviam sido reiniciados em abril, mas, mesmo solucionando os problemas de vibração dos motores, estava claro para a Convair que o avião nunca atingiria a velocidade prometida sem um inaceitável consumo de combustível. Grandes mudanças deveriam ser feitas e foi necessário voltar à mesa de negociações com American, SAS e Varig, que acabou ficando com os três que havia herdado na compra da Real.
A produção do Convair CV990 foi de apenas 37 aeronaves, as quais, quando combinadas com os 65 CV880, elevou a incursão da Convair no mercado dos jatos comerciais a um total de 102 aeronaves construídas, resultando num prejuízo para o fabricante de mais de US$ 4 bilhões de hoje
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