O revolucionário delta sueco, que iniciou sua carreira nos anos 50, operou nas Forças Aéreas da Suécia, Dinamarca, Finlândia e Áustria.
Matéria divulgada originalmente em novembro de 2015, escrita por Giordani e reproduzida para comemorar os 10 anos do Cavok.
Se o Draken tivesse sido produzido pela Grã-Bretanha, por exemplo, sua fama e sucesso comercial estariam garantidos. Talvez até fosse lembrado como substituto ideal e de baixo custo para o Hawker Hunter. Mas esse caça nasceu na Suécia, cuja política de exportação limitou suas vendas a poucas nações (em meados dos anos 80, apenas Dinamarca e Finlândia o operavam).
Na década de 50, os suecos (assim como os franceses) entenderam que sua defesa aérea exigia caças de baixo custo e em grande número. E, enquanto a Grã-Bretanha retrocedia para o birreator English Electric Lightning (um derivado operacional do avião de pesquisa aerodinâmica P.1), planejando aviões de grande porte, capazes de carregar mísseis teleguiados de longo alcance, que nunca se materializaram, a Suécia levava o aperfeiçoamento da pós-combustão a novos limites. Demonstrava ao mundo o que se podia conseguir com um bem projetado caça de um só motor.
A história do Draken remonta a 1949, quando a Flygvapen (Força Aérea sueca) abriu concorrência para o projeto de um interceptador que sucedesse o Saab J29 (o “Barril Voador”); o novo avião deveria proporcionar defesa contra bombardeiros a velocidades subsônicas. Em princípio, parecia suficiente uma velocidade entre Mach 1,4 e 1,5 em voo nivelado, mas depois esse valor acabou situado em Mach 1,7 a 1,8.
Para se ter uma perspectiva histórica desse projeto, é preciso lembrar que o primeiro caça europeu de asa enflechada, o J29, tinha voado havia apenas um ano, em 1.° de setembro de 1948, e não existia, no mundo todo, outro aparelho com esse tipo de asa em condições operacionais. O North American F-86 Sabre e o Mikoyan-Gurevich MiG-15 mal começavam a ser entregues as suas unidades, e já a Força Aérea sueca exigia uma velocidade superior à deles em nada menos que 50%.
Além de um genuíno desempenho supersônico — portanto muito mais avançado que o do North American F-100 Super Sabre, que só voou em 25 de maio de 1953 —, o Draken deveria ter uma razão de subida (tempo para atingir determinada altitude) muito alta e capacidade para operar nas mesmas pistas que o J29. Significava que, além dos campos convencionais, ele também estaria apto a usar trechos de rodovia com 2.000 m de comprimento, algumas com 25 e outras com apenas 13 m de largura. Tal exigência implicava velocidades moderadas de decolagem e pouso e excelente desenvoltura no solo.
Para resolver o problema do brutal aumento de velocidade, a equipe de projetos da Saab, chefiada por Erik Bratt, decidiu combinar a turbina Rolls-Royce Avon com pós-queimadores e uma célula de baixo arrasto aerodinâmico. Essa redução no arrasto exigia que se minimizasse a seção transversal máxima do avião, além do uso de aerofólios (asas) mais delgados, dentro das técnicas de construção da época. Os estudos apontavam a possibilidade de uma relação espessura/corda de até 4,5 ou 5%, desde que a asa tivesse corda (distância do bordo de ataque ao de fuga medida por dentro da asa) relativamente grande. Significava que precisaria ser em delta.
Obteve-se a minimização do diâmetro da fuselagem “escondendo” um objeto atrás do outro. Assim, colocou-se a turbina atrás do cockpit, ficando os tanques principais e trens de aterragem após as tomadas de ar. O avião, parecido com o Dassault Mirage III (que só voaria sete anos mais tarde, em novembro de 1956), tinha asa delta simples, com tomadas de ar achatadas fundindo-se numa corda espessa na raiz. A envergadura seria determinada de acordo com o teto operacional exigido, uma vez que o arrasto induzido é ditado pela carga da envergadura, ou seja, a razão peso/envergadura. De igual modo, a corda na raiz da asa foi definida pelo volume de combustível necessário às missões de interceptação.
Resultou desse estágio uma asa delta simples, com área alar determinada exatamente por aqueles parâmetros (teto e capacidade de combustível). Porém, uma verificação do desempenho no pouso mostrou que essa área era superior à necessária, no que se referia à estolagem (perda de sustentação) no momento da aterragem. O óbvio seria reduzir a corda da asa, mas isso não podia ser feito na raiz, onde se requeria volume para armazenamento do combustível. A solução foi “quebrar” o bordo de ataque. Chegou-se desse modo ao duplo delta, desenho de asa que, algumas décadas depois, ainda era levado em consideração para os projetos de caças leves com canard (num aparelho em delta, pequenas “asas” dianteiras).
Ensaios do novo conceito
Dispondo de poucos dados sobre o comportamento de aviões do tipo delta e de nenhuma informação quanto ao novo duplo delta, a Saab os testou inicialmente servindo-se de um modelo em escala de 1/8, num túnel aerodinâmico convencional, e depois com um modelo tripulado em escala de 70%, designado como Saab 210 Lilldraken (dragãozinho). Impulsionado por uma turbina Armstrong Siddeley Adder, com 476 kg de empuxo, esse aparelho tinha asa análoga à do Draken em escala natural, mas as tomadas de ar ficavam junto ao nariz. Como se destinava apenas ao estudo da maneabilidade a baixa velocidade, o Lilldraken dispunha de trem de aterragem semi-retrátil e seu cockpit era desproporcionalmente grande.
A análise teórica indicava que, comparado ao delta simples, o duplo facilitava a localização do centro de gravidade perto do centro aerodinâmico. No Lilldraken, porém, decidiu-se ajustar a posição do centro de gravidade bombeando o combustível entre os tanques (da mesma forma como se reduziu o arrasto dos compensadores no supersônico Concorde). O projeto do Saab 210 começou em maio de 1950 e o aparelho voou em 21 de fevereiro de 1952. Com cerca de mil vôos, esse demonstrador de tecnologia provou não haver grandes problemas operacionais com a nova configuração alar. Os testes em alta velocidade tiveram lugar em túneis supersônicos (alguns nos Estados Unidos) com modelos.
O duplo delta ganhou confiança, e as autoridades suecas ordenaram a montagem de um rnock-up (modelo em escala real que não se destina a voar; não chega, portanto, a ser um protótipo), o J35, em março de 1952. Em agosto de 1953, assinou-se um contrato para três protótipos e três aviões de pré-série. O primeiro, Saab 35, voou em 25 de outubro de 1955. Paralelamente, era a seguinte a situação dos outros caças supersônicos ocidentais: o F-100 voara em 1953; o Lockheed F-104 e o Convair F-102A, em 1954; o Mirage IIIA e o Convair F-106 voariam em 1956; e o Lightning, em 1957. O Saab estava, assim, perto dos americanos e liderando o setor europeu.
Os três protótipos tinham turbinas importadas Rolls-Royce Avon; o segundo e o terceiro aparelho juntaram-se ao programa de voos experimentais em janeiro e março de 1956, respectivamente. Os Draken subsequentes foram fabricados com impulsores Avon produzidos sob licença pela Svenska Flygmotor (a Volvo Flygmotor), que também desenvolveu um pós-queimador capaz de empuxo muito maior que o do projeto britânico. Excetuando a forma da asa, o Draken era um caça convencional, com comandos totalmente servoassistidos, sistemas hidráulicos redundantes (duplicados) e uma ventoinha de emergência, por ar de impacto, para fornecer pressão em caso de falha da turbina. A construção não trazia novidades, embora se usasse colmeia de alumínio em alguns pontos. O combustível ficava armazenado numa combinação de células flexíveis e tanques integrais. Duas características inusitadas: as três pequenas aletas sob o painel externo das asas e as portas do trem dianteiro, que se abriam de modo a encostar na fuselagem dianteira, para minimizar os efeitos sobre a estabilidade direcional nos pousos.
Os protótipos foram um sucesso, chegando a velocidades Mach 1,4. Em 15 de fevereiro de 1958, voaram os aparelhos de pré-série, diferentes apenas pelo impulsor RM 6B, de fabricação local, com pós-queimador Model 65. Embora se tratasse de uma versão provisória, a Força Aérea encomendou 65 J35A, num contrato assinado em agosto de 1956 (incluindo os três de pré-série).
Em serviço
Como de hábito, com vistas à facilidade de comunicação, as entregas do novo avião militar da Saab destinaram-se antes a um regimento nas vizinhanças da indústria, que fica em Linkõping. Os primeiros J35A chegaram ao F13 (de Flygflottilj) em Norrkõping, em março de 1960. Depois foi a vez do F16, em Uppsala, também dentro do Comando Militar do Leste da Suécia.
O J35A diferenciava-se de modelos posteriores, monoplaces, pelo cone de cauda mais curto. Os relatórios mostram que, com o pós-queimador alterado na Suécia, o empuxo aumentou para cerca de 7.000 kg (contra 6.545 kg do original britânico) e a velocidade máxima elevou-se para Mach 1,8. Esse Draken tinha como armamento dois canhões Aden de 30 mm nos bordos de ataque. com noventa projéteis cada. Depois ganhou quatro mísseis ar-ar RB 24 Sidewinder de orientação infravermelha, fabricados sob licença pela Saab. Vazio pesava 6.590 kg; a plena capacidade de combustível (2.240 litros), o peso máximo de decolagem atingia 9.070 kg. Estava equipado com piloto automático Lear e um sistema de comando de fogo Saab S6. O radar, fabricado pela Ericsson, baseava-se no CSF Cyrano.
O J35B diferia externamente por ter fuselagem traseira alongada e bequilha dupla na cauda, escamoteável, para corrigir a atitude em relação ao solo na aterragem e, principalmente, melhorar a frenagem aerodinâmica no chão, já rolando na pista. Estava equipado com pós-queimador Model 66, transmissão de dados STRIL-60 para operar com o sistema de defesa aérea sueco, comando de fogo Saab S7 de curso de colisão e suportes adicionais para ampliar sua capacidade de ataque ao solo e permitir o uso de mísseis não-guiados nas interceptações aéreas. O modelo podia levar dois casulos Saab, cada um com dezenove foguetes Bofors de 75 mm, ou quatro bombas de 250 kg ou, ainda, nove de 100 kg. O protótipo J35B, um J35A modificado, voou em 29 de novembro de 1959. Essa versão foi entregue em 1961 ao F16, de Uppsala, e no ano seguinte ao F18, em Tullinge, perto de Estocolmo. Em 1964, quatro J35B do F18 passaram a formar a equipe acrobática da Suécia, a Acro Delta, que antes adotava os Hawker Hunter.
Pouco tempo depois do J35B, em 30 de dezembro de 1959, voou o Sk35C, treinador biplace. Conservava o pós-queimador Model 65 e o cone de cauda curto do J35A. O espaço para o segundo cockpit foi conseguido mediante rearranjo do equipamento. Essa versão não tinha capacidade operacional e acredita-se que sua velocidade máxima estava limitada a Mach 1,5. Como a visibilidade do cockpit traseiro era insatisfatória instalou-se um periscópio, embora tal equipamento prejudicasse a visão frontal direta do instrutor.
O modelo seguinte, J35D, foi outro monoplace. A principal alteração estava na turbina RM 6C, mais potente, da série Avon sob licença, com pós-queimador Model 67 e empuxo de 8.000 kg. Esse Draken também possuía tomadas ampliadas, para atender a maior demanda de ar do novo impulsor, e uma seção traseira maior para acomodar o pós-queimador. A Volvo conseguiu esse notável empuxo simplesmente aumentando o diâmetro do bocal de escape do jato, o que reduziu a velocidade dos gases quentes e permitiu uma queima mais completa do combustível. A Rolls-Royce não pôde empregar o mesmo recurso quando forneceu as turbinas para o Lightning porque a fuselalagem desse avião não permitia a ampliação necessária para receber um pós-queimador maior.
Além das alterações na turbina, o J35D era equipado com o radar Ericsson PS-03, controle de fogo Saab S7 e piloto automático Saab FH-5. Tinha capacidade interna de combustível para 2.765 litros e assento ejetável zero-zero Saab auxiliado por foguete. Foi o primeiro Draken a atingir Mach 2. Fez seu voo inicial em 27 de dezembro de 1960; 120 dessas aeronaves equiparam o regimento F4 (em Ostersund), o F10 (em Ängelholm) e uma esquadrilha do F21 (em Lulea). O S35E, uma versão de reconhecimento tático, voou em 27 de junho de 1963; sessenta aparelhos deixaram a fábrica e levaram uma bateria de cinco câmaras OMERA dentro de um novo cone de metal e vidro (em substituição ao radar do nariz); vazio, pesava 7.311 kg; totalmente carregado, 9.930 kg.
A versão final de interceptação, o J35F, voou em 1961. Diferia dos outros pelo radar Ericsson PS-01/A, que proporcionava um alcance de detecção muito maior, controle de fogo de curso de colisão Saab S7B, um só canhão (substituiu-se o esquerdo por equipamentos eletrônicos), um sensor infravermelho Hughes sob o nariz, com precisão de tiro de 19 a 30 km, e mísseis Hughes Falcon fabricados sob licença. A designação sueca do Falcon é RB 27 para a versão de radar semi-ativo e RB 28 para o orientador infravermelho. O J35F também trazia uma nova capota e assento ejetor zero-zero do S35E. Produziram-se 220 aparelhos para equipar oito regimentos de caça (F1, 3, 10, 12, 13, 16, 17 e 21).
Num programa com o objetivo de ampliar a vida útil desse modelo, anunciado em 1980, cerca de setenta J35F foram recondicionados e modernizados para manter três regimentos em operação até 1995.
Draken exportação
Na década de 60, a Saab propôs uma versão de exportação (Saab 35X) baseada no J35F, mas com capacidade de combustível ampliada e estrutura reforçada para transportar maior carga bélica e tanques externos. Em 1968, a Dinamarca encomendou vinte caças e mais três biplaces, reservando opção para remessa igual no mesmo ano. Em 1973 encomendou mais cinco treinadores. A segunda exportação foi para a Finlândia, que, em 1970, comprou doze Draken, designados como J35XS (S de Suomi, nome nacional da Finlândia), e arrendou da Força Aérea sueca outros seis J35B (sem radar), os quais, com modificações menores, tornaram-se J35BS. Em 1975, os finlandeses formalizaram a compra desses modelos, somados a mais seis J35F com pouco uso e três Sk35C. No total, a Saab produziu cerca de seiscentos caças Draken.
A empresa sueca Saab conquistou uma reputação das mais invejáveis graças à alta qualidade dos aviões que vem produzindo há muitos anos. Na década de 50, seu grande sucesso foi o Draken, um interceptador supersônico com ótimo desempenho e asas em duplo delta, num formato revolucionário na época.
O conceito de neutralidade adotado pela Suécia, nação com cerca de 9,5 milhões de habitantes (atual), nunca impediu que esse país ocupasse uma posição de destaque no desenvolvimento de aviões de combate. Mas, seu orçamento de defesa enfrentou sérios problemas, com o poderoso Saab Viggen quando era seu principal modelo de linha de frente e enquanto aguardava a entrada em serviço do Gripen. Em consequência disso, a Força Aérea sueca viu-se obrigada a manter, por mais uma década, três esquadrões de antiquados Saab Draken para desempenhar funções de interceptação.
Na década de 1980, ficou evidente aos austríacos que aeronave subsônicas eram insuficientes para defesa aérea do seu espaço aéreo. Assim, a Áustria comprou 24 jatos recondicionados para substituir seus velhos Saab 105 como principal interceptador da Força Aérea austríaca em 1988.
O fato do Draken (Dragão) ser considerado operacionalmente útil até o final da década de 1990 foi uma notável prova da qualidade desse caça de formas únicas.
Em 2005, o ultimo Draken, a serviço da força aérea austríaca, saiu de cena.
Versões do Saab Draken (Designações da Força Aérea sueca)
J35A: versão inicial para defesa aérea, fabricado com pós-queimador Model 65 e cone de cauda curto.
J35B: segunda versão de defesa aérea com pós-queimador Type 66, cone de cauda mais longo, provisão para mais armamento, transmissão de dados STRIL-60 e controle do fogo de curso de colisão.
Sk35C: biplace de treinamento, com a mesma turbina do J35A, aviônicos limitados e sem armamento.
J35D: versão para defesa aérea, com a turbina RM 6C, mais potente, tomadas de ar remodeladas, pós-queimador Type 67, radar Ericsson, capacidade de combustível aumentada, assento ejetor zero-zero.
S35E: versão para reconhecimento tático, com cinco câmaras no lugar do radar do nariz e capacidade para duas câmaras em lugar do canhão.
J35F: versão final para defesa aérea, com novo radar Ericsson, sensor infravermelho Hughes sob o nariz, um canhão e quatro mísseis Falcon em lugar dos Sidewinder.
(Designações de exportação da Saab)
Saab 35H: versão temporária, de exportação oferecida à Suíça, com radar Ferranti Airpass.
Saab 35X: versão definitiva para exportação, com capacidade para mais combustível, maior peso bruto e carga externa ampliada; derivado do F35F.
Saab 35XD: modelo de exportação para a Dinamarca.
Saab 35XS: modelo de exportação para a Finlândia. (Designações da Força Aérea dinamarquesa)
F-35: caça de ataque ao solo, correspondendo ao Saab 35XD.
RF-35: igual ao F-35, mas com as câmaras do S35E.
TF-35: biplace de treinamento, derivação do F-35.
(Designações da Força Aérea finlandesa)
J35BS: antigo AF J358 da Suécia, sem radar e com alterações menores; usado apenas para treinamento.
J35C: ex-Sk35-C da Suécia.
J35F: ex-J35F da Suécia.
J35F: corresponde ao Saab 35XS.
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