Empresa ousou operar em uma região maior que a Argentina e com infraestrutura deficiente, mas acabou falindo após expandir sua atuação para outras partes do Brasil
Em 1975, o diagnóstico do governo federal para aviação comercial brasileira era preocupante: as três grandes empresas da época – Transbrasil, VARIG-Cruzeiro e VASP – concentravam suas operações em 80 aeroportos nacionais, número bem inferior ao de duas décadas atrás, quando a grande disponibilidade de aviões C-46 e C-47/DC-3 tornaram o Brasil um dos países em que aviação mais crescia no mundo.
Neste contexto, com a chegada dos jatos e a remoção dos aviões a pistão e turboélices, a aviação comercial ficaria restrita às capitais e algumas cidades, deixando importantes regiões sem serviços aéreos, por não haver demanda para comportar aeronaves de mais de 100 assentos.
Por meio do Decreto 76.590, o governo federal lançou em 11 de novembro de 1975 o ambicioso Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional – SITAR, com o objetivo de fomentar a aviação regional, promover a integração nacional por via aérea e criar uma reserva de mercado para o orgulho da incipiente Embraer, o EMB-110 Bandeirante.
O SITAR dividia o Brasil em regiões de atuação, onde cada empresa ficaria responsável pela operação, com tarifas 30% superiores às praticadas pelas empresas domésticas da época.
O governo federal subsidiaria voos de aeronaves de até 30 lugares por meio de um adicional de 3% sobre as passagens aéreas das empresas domésticas. O SITAR não permitia voos entre as regiões designadas e as grandes companhia aéreas da época só poderiam ter 33% do capital das transportadoras regionais.
Na região Norte, a TABA – Transportes Aéreos da Bacia Amazônica (T2/TAB), foi a primeira empresa aérea a se inscrever no programa. A TABA era originária da NOTA – Norte Táxi Aéreo, fundada pelo filho do dono da Paraense e depois comprada pelo Marcílio Jacques Gibson. Inicialmente, Gibson procurou a VARIG e a Cruzeiro do Sul para serem sócias na nova empresa, mas ambas recusaram a oferta.
Gibson não era um desconhecido na aviação afinal era veterano da Segunda Guerra Mundial, onde integrou o lendário 1º Grupo de Aviação de Caça. Foi também proprietário do Lóide Aéreo Nacional, que chegou a ser uma das maiores empresas domésticas do país no início da década de 1960.
Primeira empresa regional do SITAR
Após vendê-la para a VASP em janeiro de 1962, Gibson virou pecuarista no interior do Rio de Janeiro. Mas a vontade de retornar à aviação o fez comprar a NOTA, que passou a oferecer voos nos estados de Amapá e Pará, aproveitando a falência da Paraense Transportes Aéreos, em 1970.
A operação foi crescendo gradativamente até o ponto de serem arrendados três turboélices Dart Herald da Transbrasil entre meados de 1975 e junho de 1976. Os três bimotores ingleses nunca operaram simultaneamente, mas mantinham uma pequena inscrição TABA-NOTA.
No primeiro dia do ano de 1976, a TABA fez história ao tornar-se a primeira empresa do SITAR a funcionar, com o voo entre Belém e Itaituba. A empresa tinha um Dart Herald arrendado da Transbrasil e alguns Beechcraft D18, além de encomendas do EMB-110. A região designada à TABA abrangia todos os estados do Norte e o Mato Grosso, com uma área de atuação maior que a extensão territorial da Argentina.
Operar na Amazônia tem suas peculiaridades, como clima úmido, aeroportos alternativos distantes, infraestrutura precária, combustível caro, entre outros, e a TABA percebeu que os novíssimos EMB-110 não eram adequados em algumas rotas amazônicas. Para Gibson, o Bandeirante era um excelente avião, mas se precisasse ter combustível para alternar em algum aeroporto, era necessário abrir mão de preciosos assentos a bordo.
Desta forma, a TABA recebeu autorização do DAC (Departamento de Aviação Civil) para operar os Fairchild-Hiller FH.227 (versão sob licença do Fokker F-27) que estavam com a VARIG e eram parte da massa falida da Paraense. Dois exemplares, PP-BUG e PP-BUJ, chegaram à empresa no dia 19 de junho de 1976. A pressa de operar essas aeronaves era tanta que a TABA colocou apenas seu nome na aeronave, ficando híbrida com a da pintura clássica da VARIG.
Complementando a frota de D18 e FH.227, existiam dois lendários C-46A Commando, operados na empresa entre 1976 e 1981. Em 11 de setembro, a TABA recebia seus primeiros Bandeirantes, configurados para 15 passageiros: PT-GKN, PT-GKQ, PT-GKR, PT-GKS, PT-GKT e PT-GKU. Em 13 de maio do ano seguinte chegaram mais três unidades: PT-GKV, PT-GKW e PT-GKZ, com o PT-GKX recebido 20 dias depois do trio. O PT-GKW teve a triste distinção de sofrer o primeiro acidente da TABA quando decolava de Eirunepé em 31 de janeiro de 1978.
Naquele ano, a TABA tentou comprar os FH.227 restantes, PP-BUH e PP-BUI, que estavam com o governo federal, mas ele acabaram vendidos para a argentina Aerochaco. A confiança da empresa no avião foi ratificada em outubro de 1980 quando recebeu o PT-LBF. Naquele ano a rede da TABA atendia 34 cidades na Amazônia a partir de suas principais bases em Belém, Cuiabá e Manaus.
Em 1981, o único C-46A restante da empresa, PP-BUB, foi retirado de operação e o FH.227 PT-LBV entrou em operação em 21 de julho. Sua carreira na TABA não chegou a completar um ano, bruscamente interrompida em 12 de junho de 1982, quando se chocou com a torre de iluminação do aeroporto de Tabatinga. Pereceram neste acidente 4 tripulantes e 40 passageiros.
“Jumbolino” na Amazônia
Os FH.227 PT-LCS e PT-LCT vieram para a TABA em julho de 1982 e exato um ano depois era adicionado o quarto integrante da frota de FH.227: PT-ICA, ex-Jari Florestal. Era um momento de bonança na empresa, que aproveitava os contratos de grandes obras estatais na região, como a Hidrelétrica de Tucuruí. O resultado foi um lucro acumulado de U$$ 2 milhões em 1981 e 1982, e o número de passageiros transportados, saltando de 44.000 em 1976 para 259.900 em 1981.
O próximo passo era ter uma aeronave maior para suas rotas mais movimentadas. Simultaneamente, a British Aerospace procurava clientes para seu avião BAE 146-100, apelidado de Jumbolino. A fabricante imaginou a TABA como vitrine para as operações deste avião, mostrando sua robustez em um cenário tão adverso quanto o da Amazônia. Deste modo, ofereceu financiamento direto para dois BAE 146-100, além de treinamento e estoque de peças, em um contrato vantajoso para a TABA.
Acordo firmado, a TABA ganhou destaque internacional quando a fabricante inglês expôs o G-SSHH nas cores da empresa no Salão Aeronáutico de Paris – Le Bourget, em 1983. Tão singular no evento, o BAE 146-100 só era ofuscado pelo Boeing 767-200, com as cores da Transbrasil. Um encontro brasileiro na Cidade Luz.
Em 10 de dezembro de 1983, o primeiro BAE 146-100 da TABA chegou ao Brasil. Matriculado PT-LEP, o avião fez um tour nacional entre os dias 14 e 18 daquele mês, visitando São Paulo (Congonhas), Rio de Janeiro (Santos Dumont) – onde entrou para a história ao ser o primeiro quadrijato a pousar no aeroporto carioca.
Seguiram-se ainda visitas a Campos dos Goitacazes, Brasília e São José dos Campos. A TABA ganhou destaque mundial por ser uma das primeiras operadoras do modelo e nacionalmente foi a primeira do SITAR a empregar jatos em voos comerciais.
A segunda aeronave, PT-LEQ, chegou ao país no dia 22 de dezembro. A operação comercial começou no dia 02 de janeiro de 1984, com o voo entre Belém e Porto Velho, com diversas escalas no caminho. Os BAE 146-100 ficaram fixos em duas rotas: Belém-Altamira-Santarém-Cuiabá e Cuiabá-Vilhena-Ji Paraná-Porto Velho, ambos realizados de segunda a sábado.
O entusiasmo da British Aerospace e da TABA com a operação esvaziou rapidamente após a fabricante cobrar que a empresa cumprisse os procedimentos de manutenção. Para a TABA (entenda-se Marcílio Jacques Gibson), a empresa tinha a estrutura suficiente para a operação e manutenção dos Jumbolinos. Não demorou muito e um dos modelos parou após dois meses de operação. E o outro avião parou no final daquele ano.
Os jatos ficaram estacionados no Aeroporto de Belém Val-de-Cans até novembro de 1985, quando retornaram para Inglaterra ,e a frota da TABA ficou restrita aos EMB-110 e FH.227, que foram interditados pelo DAC em meados de 1985 por problemas de manutenção, situação que seria totalmente resolvida apenas em 8 de julho.
Em 1986, a frota da TABA era composta por 16 aeronaves, sendo 09 EMB-110 e 7 FH.227. Era a maior empresa regional em termos de frota, à frente da TAM (14), Rio-Sul (12), VOTEC-Brasil Central (11) e Nordeste (08). Semanalmente a TABA operava 110 voos para 34 cidades em seis estados, com as principais bases em Manaus e Belém.
Turboélice Dash 8 e voo internacional
A década de 1990 começou com uma mudança estrutural no SITAR: o Decreto 99.255, de 15 de maio de 1990, extinguiu as áreas de atuação de cada empresa do sistema, permitindo que elas operassem em qualquer região.
A TABA recebeu três EMB-110 entre 1990 e 1991 (PT-OCV, PT-OHF e PT-OHE), entretanto a empresa teve duas perdas de FH.227 em pouco mais de seis meses. O PT-ICA acidentou em Altamira em 06 de junho de 1990 e o PT-LCT, em 18 de dezembro em Itaituba, Pará. A fase negativa continuou com o roubo do PT-SHX, um EMB-110 recebido em 1988, em São Gabriel da Cachoeira no dia 07 de março de 1991.
Mas os bons ventos voltaram a soprar favoravelmente três semanas depois, com o recebimento do primeiro Havilland Canada DHC-8-300 (Dash 8), PT-OKA, tornando-se a primeira companhia aérea do Brasil a operar este turboélice, com investimento de mais de U$$ 50 milhões na operação dos aviões. A empresa explorou a publicidade do novo avião, chamando-o de “O Boeing da TABA”, uma vez que a DHC era subsidiária da fabricante americana naquela época.
O fim das restrições geográficas do SITAR era a oportunidade da TABA de crescer e buscar o passageiro corporativo, que pagava passagens mais caras. Deste modo, em 7 de outubro de 1991 inaugurou a ponte-aérea entre os aeroportos Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e Pampulha, em Belo Horizonte, com cinco frequências diárias de segunda à sexta, em parceria com a Rio-Sul. O serviço era denominado TABA Intercity, com serviço de bordo e uniformes diferentes do restante da empresa, em uma tentativa de firmar seu nome em um território disputadíssimo. Naquele mesmo mês, o terceiro DHC-8-300 (PT-OKC) foi incorporado à frota. A TABA fechava 1991 com 205.269 passageiros transportados.
Em 1992 recebeu mais dois DHC-8-300, PT-OKD e PT-OKE, inaugurou três voos semanais entre Pampulha e Belém, via Brasília e Carajás, e os FH.227 passaram a ser empregados em voos cargueiros. Aquele ano fechou com aumento de 12,6% em relação à 1991 no número de passageiros transportados, 231.296.
Em mais um ato de pioneirismo, a TABA foi a primeira empresa do SITAR a operar regularmente para o exterior, com a inauguração do voo 844: Manaus-Boa Vista-Georgetown, com saída todas as terças e quintas de Manaus às 05h00 e chegada na capital da Guiana às 08h30. Após 20 minutos de solo, o avião retornava para a metrópole amazônica, chegando às 12h10. Vale destacar que foi a primeira operação internacional da TABA no âmbito do SITAR, mas antes do programa a empresa operou por pouco tempo entre Belém e Caiena, na Guiana Francesa, em 1975 com os Dart Heralds.
O Intercity e a operação internacional representavam o desejo da TABA de diversificar receitas e trazer dólares, como forma de blindar contra as turbulências econômicas do início da década de 1990 e ganhar escala para competir com a Rio-Sul e a TAM.
A volta aos jatos com o Fokker 100 e o começo do fim
Em 1993 a empresa recebeu o sexto e último DHC-8-300, PT-OKF, e dois Fokker 100 (PT-MCN e PT-MCO), com objetivo de competir com a TAM nos voos do Centro-Sul, que marcaram o retorno aos aviões a jato. Naquele ano, o PT-OKD foi devolvido, o PT-LBG, vendido à Concord Airlines, o PT-OCV, para RICO e o PT-LCS caiu em Oeiras, Pará, durante um voo cargueiro.
Pode-se dizer que a partir de 1993 foi o começo do fim da TABA. Ela possuía em sua frota quatro modelos de aeronaves: DHC-8-300, EMB-110, F-100 e FH.227, encarecendo a operação, manutenção e treinamento. Sua atuação dispersa e o foco em um território desconhecido, Centro-Sul, fez que ela esquecesse suas origens no Norte, abrindo espaço para empresas que vinham se estruturando para operações regionais como a PENTA, RICO e TAVAJ.
Se o DHC-8-300 foi um acerto como substituta dos velhos FH.227, que podia operar tanto voos inter-capitais no Norte, fretamentos da Petrobrás e a ponte-aérea Santos Dumont-Pampulha, o Fokker 100 representou um passo maior que a perna em uma empresa com situação econômica já fragilizada. Por fim, ao operar aeronaves com mais de 30 assentos, os novos aviões da TABA não recebiam subsídios estipulados pelo SITAR.
Em 1994, o início da estabilidade cambial do Plano Real foi um alento para uma companhia que estava com dívidas com órgãos públicos, empresas de leasing e receita federal. Os DHC-8-300 foram arrestados, afetando a vitrine da empresa: o TABA Intercity. Naquele ano, o PT-OKE foi devolvido, restando apenas quatro unidades do bimotor canadense.
A situação da empresa só piorava a cada dia e infortúnios ocorreram com a dupla de Fokker 100. Em abril de 1995, o PT-MCN saiu da pista em Brasília e posteriormente cedeu um dos motores para o PT-MCO, pois tinha sofrido avarias ao ingerir um pássaro em Londrina, Paraná. Os dois Fokker 100 saíram da empresa em julho e outubro daquele ano, e os DHC-8-300 foram retirados de operação.
Para sobreviver, a TABA fechou parceria com a Air Vias Brasil para operar os Boeing 727-200 da empresa charteira durante os dias úteis – no fim de semana eles assumiam os fretamentos. A operação conjunta durou cerca de três meses, entre agosto e novembro, e era um gesto desesperado e ao mesmo tempo criativo de duas empresas que já estavam tecnicamente quebradas.
Neste infame ano, mais um acidente com o FH.227: o PP-BUJ caiu em Santarém, Pará, vitimando os dois pilotos e um passageiro, com apenas um segundo passageiro sobrevivente.
Em 1996, os Bandeirantes PT-GJQ, PT-GKZ, PT-GJS, PT-GJT e FH.227 PT-LBG foram estocados e desmontados no Aeroporto de Belém-Júlio César, enquanto o PT-GKV foi retirado de operação e anos mais tarde foi transferido para a Aerocaribbean. A frota estava restrita a três EMB-110, baseados em Manaus e Cuiabá, paradoxalmente sem operações na sede da empresa. No ano seguinte, o PP-BUG foi estocado em Manaus.
Em 30 de setembro de 1997, a Justiça do Trabalho da 8ª. Região decretou intervenção na empresa, devido à sua situação operacional deplorável. Sob administração judicial, a TABA ainda teve um respiro, com venda de ativos, renegociação de dívidas e com parte dos funcionários aceitando receber parcialmente seus salários, na ânsia de ajudar a empresa a se recuperar. As notícias pareciam animadoras, com os números de passageiros de 1998 superiores ao do ano anterior e havia planos de trazer dois ATR 42-300 (PT-WTR e PT-WTY) em parceria com a Triton Táxi Aéreo, com o objetivo de fazer fretamentos para o festival de Parintins.
Entretanto os planos não se concretizaram, parte dos funcionários estava insatisfeita com os resultados da companhia e a desvalorização cambial de 1999 foi a tampa do caixão para a TABA, encerrando as operações naquele ano. Houve uma tentativa de parte dos funcionários em criar a Amazônia Linhas Aéreas, com os EMB-110 operacionais da TABA, mas os planos não foram para frente. Encerrava-se um ciclo de uma companhia que superou enormes obstáculos na selva amazônica, mas acabou sucumbindo quando veio a oportunidade de expandir, no ímpeto de conquistar novos mercados a todo custo, que só acelerou o fim da empresa.
Curiosidades:
- No final da década de 1940, houve outra TABA, fundada por um dos integrantes do 1º Grupo de Aviação de Caça da FAB, o lendário Alberto Martins Torres, com base em Belém e fazendo voos cargueiros. Torres pediu autorização do Ministério da Aeronáutica para operar entre Rio de Janeiro e Porto Alegre. Para obter a autorização, alterou o nome para TABA – Transportes Aéreos Bandeirantes. Em 1950, inoperante, foi vendida para o Lóide Aéreo Nacional.
- Em junho de 1995, durante 20 dias, o EMB-120 PP-ISA da recém-criada InterBrasil STAR (parte da Transbrasil) foi utilizado na ponte-aérea Santos Dumont-Pampulha para testes.
- Os dois Fokker 100 da TABA voltaram posteriormente ao Brasil, nas cores da TAM, e a empresa instalou uma porta 2L em cada modelo. O PT-MCO virou PT-WHL e o PT-MCN em PT-WHK. Este último sofreu um atentado a bomba em um voo entre Vitória e São Paulo-Congonhas, via São José dos Campos, com o passageiro Fernando Caldeira de Moura Campos sendo ejetado do avião e falecendo ao cair em uma plantação na cidade de Suzano.
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