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sábado, 1 de abril de 2023

Dos "Sucatinhas" ao "Sucatão": história dos aviões presidenciais brasileiros

 Durante o governo do Presidente Ernesto Geisel, tornou-se evidente que seria necessário dotar a Força Aérea Brasileira de aeronaves presidenciais mais modernas e de maior alcance que os One-Eleven VC-92 e Viscount VC-90 então utilizados.

Naquela época, o jato comercial de maior sucesso no mercado era o Boeing 737-200 Advanced. Desde 1969, a Vasp operava o modelo, e seus concorrentes Varig e Cruzeiro do Sul logo a seguiram. Era uma aeronave versátil e confiável, que dispunha de uma espaçosa cabine de passageiros, de seção idêntica à do jato intercontinental Boeing 707, só mais curta.
Escadas embutidas nas portas traseiras: ítem raro nos 737-200 comerciais
A escolha do governo foi óbvia: em 1975, a FAB encomendou diretamente à Boeing dois Boeing 737-2N3, em configuração executiva. A FAB exigiu várias modificações em relação aos 737 comerciais, entre as quais uma escada embutida na porta traseira, além da dianteira, para proporcionar maior independência de infraestrutura de terra.
VC-96 em frente ao hangar do GTE, em Brasília
O primeiro desses jatos, c/n 21165, o 441º 737 na linha de produção, voou pela primeira vez em 05 de março de 1976, e foi entregue à FAB em 31 de março do mesmo ano, permanecendo nos Estados Unidos para configuração do interior e depois transladado para o Brasil, onde chegou em 19 de agosto de 1976. Recebendo o registro militar FAB 2115, foi incorporado imediatamente ao GTE, em Brasília.
O FAB 2116 em Heathrow, Londres
O segundo avião, c/n 21166, o 445º 737 na linha de produção, voou pela primeira vez no dia da entrega do 2115 à FAB, 31 de março de 1976. Em 13 de abril foi entregue à FAB, permanecendo nos Estados Unidos para configuração do interior e depois transladado para o Brasil, onde chegou vinte dias depois do 2115, recebendo o registro militar FAB 2116.

Após um breve período de adaptação dos tripulantes e equipes de terra, a FAB despachou os dois One-Eleven VC-92 para o Rio de Janeiro e colocou-os à venda. Logo os dois VC-92 foram adquiridos pela Fordair, uma subsidiária da Ford Motor Company européia, e seguiram para a Europa.

Os Boeing 737-200 logo revelaram suas qualidades. Tinham alcance suficiente para atingir qualquer cidade do Brasil, a partir de Brasília, sem escalas, veloz e confortavelmente.

Durante mais de 10 anos, os dois VC-96 só fizeram voos, com o Presidente a bordo, dentro do Brasil e na América Latina. Todavia, o Governo resolveu operá-los, depois, em voos para a Europa e os Estados Unidos, fazendo escalas técnicas para reabastecimento. Sem encontrar maiores dificuldades, essas missões tornaram-se, depois, muito comuns.

Uma das missões mais memoráveis dos VC-96 no Brasil ocorreu durante a visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em julho de 1980. O Governo Brasileiro colocou à disposição do Papa o VC-96 2116, e essa aeronave conduziu o Sumo Pontífice a onze Estados brasileiros durante a sua visita.

Dificilmente uma dessas aeronaves ficava indisponível, e os Presidentes que as utilizaram geralmente colocavam uma delas à disposição de Chefes de Estado estrangeiros em visita ao Brasil, utilizando-se da outra para o seu próprio serviço. Em caso de problemas, o velho Viscount VC-90, o "Cafona", estava sempre a postos.

No início dos anos 80, os aviões passaram por uma revisão nos seus sistemas de navegação, e incorporaram novos recursos então exclusivos do modelo 737-300, como o FMS e  o TCAS, sistemas de gerenciamento de voo e de prevenção contra colisão no ar, respectivamente.
Em 1989, os dois aviões passaram por um grande retrofit do assoalho para cima, e todo o interior foi refeito, o que garantiu um melhor conforto para os ocupantes. Embora confortáveis, os VC-96 eram desprovidos de qualquer tipo de ostentação, bem ao sóbrio estilo da Força Aérea Brasileira.

Os Boeing VC-96 eram tão úteis ao governo que não ficaram restritos ao uso exclusivo presidencial. Era muito usado por ministros de estado e outras autoridades importantes em missões dentro e fora do Brasil. De fato, os dois aviões acumularam um total de quase 50 mil horas de voo durante os 34 anos em que ficaram em serviço.

A partir da década de 1990, os VC-96 passaram a voar para qualquer lugar do mundo, sem maiores restrições, graças aos equipamentos modernos de navegação e comunicação. Entre os aeroportos que frequentaram estavam Lisboa, Kopenhagen, Zurique, Nova York, Cairo, Capetown, Osaka, Ilha do Sal e Ascenção.

A mais longa missão executada pelos VC-96 foi transportar o Presidente Luíz Inácio Lula da Silva ao Japão, em maio de 2005, com um total de 54 horas de voo.

Depois que o Boeing 707 (KC-137) presidencial da FAB ganhou o infame apelido de "Sucatão", os dois VC-96, até então chamados de "Bregas" (como os demais 737-200 brasileiros), receberam o apelido de "Sucatinhas". Todavia, não existe histórico de incidentes graves com esses aviões durante todos os anos em que permaneceu em serviço, e seu estado geral era impecável.

Finalmente, em 2011, o Governo Brasileiro resolveu aposentá-los. Os dois aviões mantiveram a plena operacionalidade até o fim, mas já tinham 34 anos de uso. A FAB adquiriu, então, dois Embraer E190 novos, denominados na FAB como VC-2, e os dois VC-96 foram retirados de serviço no dia 16 de abril de 2010.

A FAB despachou os dois aviões para a Base Aérea de Anápolis e os colocou à venda. Todavia, mesmo as aeronaves tendo um baixíssimo número de ciclos e de horas de voo, e estando perfeitamente conservadas, foram sempre mantidos sob normas militares, e sua conversão em aeronaves civis é bastante complicada, burocrática e cara, especialmente se a intenção do comprador for colocar os aviões em serviço comercial. Não encontraram compradores, até o momento (fevereiro de 2012).

A FAB, por fim, resolveu entregar o FAB 2115 para o Museu Aeroespacial (MUSAL), e o avião executou o seu último voo, com destino ao museu, no dia 04 de novembro de 2011. A partir de 8 de novembro, foi exposto à visitação pública. Quanto ao 2116, seu destino é incerto. Há rumores de que tenha sido vendido para o ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, mas tudo não passa de especulação, ao menos por enquanto. É possível que seja transformado em sucata, se não encontrar compradores.

Em 1986, a FAB negociou com a Varig quatro aeronaves Boeing 707-300C, com a intenção de convertê-los em aeronaves KC-137, de reabastecimento no ar, para complementar sua frota de Lockheed KC-130 Hercules, e dotar a FAB de um reabastecedor a jato.

A Varig estava substituindo os 707 por aeronaves mais econômicas, como os Boeing 767, mas os aviões ainda estavam em boas condições de uso.

Os aviões escolhidos foram os que operavam na Varig com as matrículas PP-VJK, PP-VJY, PP-VJX e PP-VJH, que seriam convertidas como aviões tanques KC-137 e levariam os registros FAB 2400, 2401, 2402 e 2403, respectivamente.
O PP-VJK da Varig deveria ser o FAB 2400, mas acidentou-se antes de ser entregue
Infelizmente, o PP-VJK, operando seu último voo comercial pela Varig, caiu na Costa do Marfim em janeiro de 1987, foi substituido pelo PP-VLK em março do mesmo ano, que levou o registro FAB 2404. Todas as quatro aeronaves voaram para os Estados Unidos para serem convertidas em reabastecedores. Foram equipadas com pods de abastecimento Beech 1080 nas pontas das asas, os quais possuem mangueiras retráteis de 12 metros de comprimento e um "cesto" estabilizador, no qual as aeronaves podem encaixar suas sondas para receber o combustível. As aeronaves não possuem tanques extras de combustível, já que a sua capacidade original é grande o suficiente para cumprir suas missões na FAB, e sua configuração conversível de passageiros/carga foi mantida. Normalmente, são destinados a trasnportar passageiros, em missões especiais.
A função primária dos KC-137 é o reabastecimento em voo dos caças das FAB
A aeronave 2401 (foto abaixo) foi equipada para servir como transporte do Presidente da República em voos mais longos, nos quais os Boeing 737, denominados na FAB VC-96, deixavam a desejar. O FAB 2401 se distinguia externamente dos demais pela sua pintura VIP, em branco com uma faixa preta na altura das janelas. O FAB 2403 também recebeu esse esquema. O primeiro voo do FAB 2401 como presidencial ocorreu em 1986, transportando o Presidente José Sarney, e mais de 2500 missões de transporte presidencial ocorreram depois disso.
FAB 2401, com esquema de pintura VIP
O FAB 2401 possuia um interior VIP, com uma suíte a bordo para o presidente, sala de reuniões e poltronas para as comitivas presidenciais. Apesar disso, o interior era simples e austero, sem ostentação, mas bastante confortável. Esse "kit" presidencial podia ser instalado nas outras aeronaves KC-137 da FAB, e o FAB 2403 operou nessa configuração várias vezes.
Cama da suíte presidencial, a bordo do FAB 2401
Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, houve alguns incidentes com o KC-137, e em uma dessas ocasiões o avião foi apelidado pelo então Chanceler Luiz Felipe Lampréia de "Sucatão", depois de um incidente com um dos motores, a bordo do FAB 2403. O apelido infelizmente caiu no agrado da imprensa e "pegou".
FAB 2403, atualmente parado
O Presidente Fernando Henrique Cardoso passou a evitar o avião e contratou aeronaves Airbus A-330 da TAM para suas viagens intercontinentais, mas o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a utilizar o FAB 2401, devido ao alto custo dos contratos com a TAM, até adquirir uma aeronave Airbus A319 ACJ para atender à Presidência, em fevereiro de 2004
O FAB 2401 foi repintado em cinza depois de aposentado pelo Presidente Fernando Henrique, mas o Presidente Lula mandou repintar o esquema VIP
O velho, mas versátil, KC-137 é uma das aeronaves mais úteis da Força Aérea Brasileira. Foi o único avião presidencial comprado já usado, mas não chegou a decepcionar nessa função, a despeito do incidente sofrido pelo Chanceler Lampreia e de restrições contra ruídos de aeronaves sofridas em alguns aeroportos estrangeiros.
Dois KC-137 no Aeroporto Salgado Fillho, em Porto Alegre/RS
Embora praticamente desativado como aeronave presidencial, os KC-137 ainda prestam bons serviços como reabastecedor em voo e como aeronave de transporte de longo alcance e grande capacidade. Estão sempre presentes nas missões humanitárias e no resgate de brasileiros vítimas de guerras e outras catástrofes, embora tenham já 44 anos de uso, em média.
Interior do FAB 2402, mostrando o esquema misto carga/passageiros da aeronave: versatilidade.
A FAB já desmontou quatro velhos Boeing 707 para suprir o estoque de peças para o KC-137, inclusive uma aeronave que já serviu como aeronave presidencial do Paraguai, e que foi doada pelo governo daquele país.

Atualmente, apenas três aeronaves estão em serviço. O FAB 2403 foi retirado de serviço temporariamente há cerca de 8 anos, para executar um Check C, mas não voltou mais a operar, desde então. É possível que esteja sendo lentamente canibalizado para não paralisar os demais.
o KC-137 em voo, no esquema cinza de baixa visibilidade
Não existe uma intenção declarada da FAB em substituir os KC-137 por aeronaves mais modernas. Todavia, a oferta de peças de reposição no mercado é escassa, pois o avião deixou de ser fabricado em 1979, há mais de 30 anos, e isso pode forçar a uma desativação inesperada dos aviões.

As aeronaves KC-137 operadas pela FAB foram, ou são:

FAB 2400: Boeing 707-379C, c/n 19822, comprado novo pela Varig e entregue em 04 de novembro de 1968; Matriculado no Brasil como PP-VJK. Já estava vendido à FAB, onde receberia o registro FAB 2400, mas não foi entregue. Acidentou-se com perda total em Abdijam, Costa do Marfim, em 03 de janeiro de 1987, quando cumpria o que seria último voo regular antes de ser entregue à FAB; 

FAB 2401: Boeing 707-345C, c/n 19840, arrendado pela Varig da Seabord em operação de lease back, veio novo e entregue em 26 de fevereiro de 1968; Matriculado no Brasil como PP-VJY. Foi vendido para a FAB em 04 de julho de 1986, onde opera até hoje como FAB 2401. Voou muito tempo como aeronave presidencial, e apelidado pejorativamente de "Sucatão"; Ainda mantém inalterado o seu esquema de pintura presidencial;


 FAB 2402: Boeing 707-345C, c/n 19842, comprado pela Seabord, mas não entregue. Veio novo e entregue à Varig em 06 de agosto de 1968, onde foi matriculado como PP-VJX. Foi sequestrado três vezes, durante o Governo Militar, por oposicionistas. Foi vendido para a FAB em 12 de novembro de 1986, onde opera atualmente como FAB 2402;
O FAB 2403 em voo, em 1993
FAB 2403: Boeing 707-320C, c/n 20008, comprado novo pela Varig e entregue em 14 de julho de 1969; Matriculado no Brasil como PP-VJH; Vendido para a FAB em 13 de março de 1986, onde opera até hoje como FAB 2403, e serviu como avião presidencial reserva. Atualmente está parado, sem previsão de voltar a operar;


FAB 2404: Boeing 707-324C, c/n 19870, fabricado em 1968, foi comprado usado da Continental, onde era N47332, e entregue à Varig em 30 de março de 1972: Matriculado no Brasil como PP-VLK. Foi vendido para a FAB em 16 de março de 1987, em substituição ao PP-VJK, que foi acidentado ainda na Varig, e onde opera até hoje como FAB 2404;
O FAB 2404 em manutenção no PAMA/GL

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