Conheça a história do desenvolvimento do C-130J Super Hercules e as dificuldades enfrentadas pelo projeto
PROBLEMAS AERODINÂMICOS
Estruturalmente o C-130J é basicamente a mesma aeronave que entrou em operação na década de 1950 (Ver imagem acima mostrando aviões de versões anteriores – hélices de quatro pás). De certa forma isso acabou gerando contratempos para a empresa porque algumas das partes da aeronave não tinham documentação aprovada no sistema da empresa de tão antigas que eram.
Mas se a estrutura se manteve o mesmo não pode ser dito do grupo propulsor e controles associados a este. A Lockheed escolheu o turboeixo Allison AE2100D3 de 4.591 shp associado a uma hélice Dowty R391 de seis pás de material composto em forma de cimitarra.
Ao nível do mar a potência desenvolvida por esse novo grupo propulsor produz 25% mais empuxo do que o do C-130H. Há ganhos também em relação ao alcance, à velocidade máxima e à distância de decolagem.
A Lockheed não esperava grandes problemas aerodinâmicos provenientes da troca dos motores e das hélices. E em função disso criou um calendário de ensaios em voo muito otimista. Entre o primeiro voo do primeiro exemplar de produção (não foram produzidos protótipos) e a obtenção do certificado civil de aeronavegabilidade a empresa estimou um período de doze meses (ver detalhes sobre o programa de ensaios na próxima parte deste texto).
Porém, durante a parte dos ensaios em voo relacionados ao comportamento da aeronave em situações de estol, observou-se que o comportamento do C-130J era totalmente diferente dos seus irmãos mais antigos. O fluxo de ar sobre as asas gerado pelas novas hélices de seis pás era o responsável por estas mudanças no fluxo.
Os resultados dos ensaios mostraram que soluções aerodinâmicas satisfatórias foram encontradas para determinadas situações específicas, mas para outras não. Por exemplo, situações que envolviam ausência de potência ou potência máxima necessitavam de soluções diferentes que não atendiam a ambos os casos. Estas soluções envolviam o uso de geradores de votex, fendas nas asas e stall strips entre outras.
Em função da dificuldade de se encontrar soluções aerodinâmicas satisfatórias e dos atrasos no programa de ensaios em voo a Lockheed optou por instalar um dispositivo chamado stick pusher, muito comum em aeronaves comerciais.
O stick pusher é um sistema que monitora constantemente os parâmetros críticos de voo (como ângulo de ataque, velocidade e posição do flap), acionando automaticamente os controles da aeronave para que ela não entre em situação de estol.
No caso do C-130J os pilotos recebem avisos visuais no HUD e nas telas dos painéis, acompanhado de avisos sonoros quando a aeronave estiver quarenta nós acima da velocidade de estol. E se não houver interferência por parte do piloto o stick pusher automaticamente entra em ação.
A ideia era adotar o stick pusher como solução provisória para obter a certificação da aeronave e em seguida retomar o programa de ensaios em voo para encontrar uma solução definitiva. No entanto os clientes resolveram aceitar a solução com o stick pusher e assim a Lockheed deixou de buscar soluções aerodinâmicas para a questão.
Mas o comportamento do fluxo de ar sobre as asas não havia provocado modificações apenas nas condições de estol. Descobriu-se, nas etapas finais do processo de certificação, que o fluxo de ar proveniente da rotação das hélices modificava o processo de formação de gelo nas superfícies da aeronave. O caso mais agudo era na base da deriva. Para contornar este problema introduziu-se um dispositivo anti-gelo distinguível pela cor preta (ver imagem abaixo).
O novo grupo propulsor também afetou o nível de vibração. As novas hélices de seis pás geram uma ressonância na frequência de 102 Hz. Esse problema foi detectado quando a aeronave já havia sido entregue para alguns clientes. Em função disso a RAAF (Real Força Aérea Australiana) impôs restrições no transporte de munições e explosivos, assim como equipamentos médicos de emergência em missões de evacuação. A solução veio com a mudança na parte do software que controla a sincronização das hélices
Por ser apenas uma modernização de uma aeronave já extensivamente utilizada ao longo de décadas e por diversos operadores, a Lockheed esperava que o programa de ensaios em voo fosse bastante curto.
As expectativas iniciais indicavam que o roll-out do primeiro exemplar ocorreria em outubro do ano de 1995. Dois dias depois seria a vez do roll-out do segundo exemplar. O primeiro voo deveria ocorrer antes do Natal daquele ano e após doze meses de ensaios a aeronave receberia o certificado da FAA. Na sequência os dois primeiros exemplares seriam entregues ao primeiro cliente do modelo.
Os problemas com a integração do software tornaram-se críticos nessa etapa. A versão inicial (Block 1.1) era apenas para testar alguns componentes do circuito eletrônico. Já a versão Block 1.2 possuía os códigos necessários para fazer a aeronave voar e foi inicialmente carregada num simulador de voo para testes. Para o processo de certificação civil seria empregada a versão Block 2, que teria mais de 90% das funcionalidades da versão militar (Block 3).
Alguns fornecedores atrasaram a entrega dos equipamentos e isso postergou os testes integração. Quase todos os equipamentos dos fornecedores falharam em testes de qualificação, sendo que alguns foram reprovados em testes de vibração, interferência eletromagnética e compatibilidade com o barramento. Além disso, a Lockheed encomendou todo o primeiro lote de produção sem que os mesmos fossem completamente testados.
Por causa dos problemas de integração o primeiro exemplar foi liberado para voo somente no início do mês de abril de 1996. Naquela época esperava-se que o programa sofresse um atraso de cinco meses e por este motivo a certificação foi postergada para maio de 1997. Em outras palavras, a empresa continuava acreditando que o programa de ensaios em voo levaria doze meses.
Quando os ensaios em voo começaram a abordar as características do C-130J em condições de estol, descobriu-se que o comportamento da aeronave não era igual ao dos seus antecessores (ver texto anterior – parte 3). Ao lado dos problemas de integração de software a busca por soluções aerodinâmicas para resolver o problema de estol foram os maiores responsáveis pelos atrasos no programa.
Com se não bastasse tudo isso, problemas com o fornecedor original das telas do painel também causaram atrasos no programa e o fornecedor foi substituído.
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