Fabricante brasileira afirma que acordo entre as fabricantes reforça as oportunidades no mercado de aviões de 100 a 150 assentos
A aviação comercial mundial vai passar por um período de crescimento significativo nos próximos anos. Pesquisas de mercado das fabricantes, que analisam as variações na demanda de passageiros e a quantidade de aviões perto de serem desativados, apontam que companhias aéreas vão precisar de 40.000 novos aviões de diferentes portes até 2036. E esse movimento já começou.
Hoje suportado basicamente por jatos com capacidade de 70 a 130 passageiros, o setor da aviação regional promete ganhar força em 2o anos. A pesquisa de mercado mais recente da Embraer (Market Outlook) apontou que nesse período companhias aéreas dessa categoria vão precisar de aproximadamente 6.400 novas aeronaves avaliadas em mais de US$ 300 bilhões.
É uma enorme demanda (e também muito dinheiro), e mais da metade dela fica concentrada nos Estados Unidos, o paraíso da aviação regional com milhares de rotas domésticas operadas por dezenas de empresas. Não à toa, a Airbus decidiu entrar nesse bolo formando uma parceria com a Bombardier para adquirir o controle do programa dos jatos CSeries, o principal concorrente dos jatos regionais da Embraer.
Shailon Ian, engenheiro aeronáutico formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e presidente da consultoria Vinci Aeronáutica, avalia que a parceria dessas duas empresas poderá causar impactos significativos para a Embraer no longo prazo.
Para o especialista, a competição na aviação comercial ocorre tanto nas esferas técnica como na econômica. “Se tecnicamente os jatos da Embraer são superiores, na esfera econômica, a entrada de um peso-pesado como a Airbus no mercado traz potenciais riscos para a Embraer”, analisa Ian.
O acesso a financiamentos mais vantajosos para aquisição de aeronaves CSeries é um dos fatores do provável acirramento da competição da empresa canadense com a Embraer. Como aponta Ian, a otimização da frota em torno de um único fabricante, desde os jatos regionais até os de longo alcance, é um fator facilitador para um operador.
Em posicionamento oficial sobre a negociação entre as empresas, a Embraer declarou que considera o movimento importante para a indústria aeronáutica, “pois endossa as enormes oportunidades existentes no mercado de 100 a 150 assentos”.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva, manteve a mesma postura e disse que “para a Embraer, a primeira leitura é de uma pressão maior, uma vez que a Airbus é uma empresa bastante grande. No entanto, é uma comprovação de que o segmento de aviões com até 150 assentos é relevante no mercado. Se não fosse, a Airbus não entraria”, afirmou o executivo.
Por outro lado, nas bolsas de valores pelo mundo, os efeitos sobre a parceria entre a Airbus e Bombardier foram imediatos. No dia seguinte após o anúncio, as ações da Embraer caíram 5,4%, o equivalente a uma perda de R$ 700 milhões em valor de mercado. A avaliação da empresa canadense, em contrapartida, subiu 20%.
Competição desleal
A Embraer atualmente é a “dona” do segmento de jatos regionais, com 58% de participação no mercado mundial. Mantendo esse mesmo ritmo e seguindo a demanda projetada, a fabricante brasileira tem potencial para produzir cerca de 3.700 aeronaves, algo em torno de um avião a cada dois dias até 2036.
Os jatos CS100 e CS300 competem no filão de aeronaves com capacidade para 100 a 150 passageiros. Ou seja, os CSeries são uma opção entre as maiores aeronaves da aviação regional, como é o caso dos Embraer E190 e E195, e ao mesmo tempo um concorrente das menores versões de jatos da categoria seguinte, lideradas pelos tradicionais Airbus A320 e Boeing 737.
Apesar da interessante versatilidade que programa CSeries apresenta, o projeto em andamento desde 2005 passou por uma série de problemas e atrasos até finalmente ser declarado operacional em 2016. Mesmo após esse dispendioso processo de maturação da aeronave, a Bombardier conseguiu oferecer o novo produto com preços surreais de tão baixos, o vem gerando reclamações da Boeing e Embraer na OMC.
A polêmica sobre o modo de atuação da Bombardier ganhou ainda mais notoriedade depois que a fabricante fechou um contrato avaliado em US$ 5,4 bilhões para fornecer até 125 jatos CSeries à Delta Air Lines. Esse foi o primeiro acordo para o CSeries nos EUA – o jato já está em operação com a Swiss Air e a airBaltic.
A Boeing e o Departamento de Comércio Exterior dos EUA, no entanto, alegam que a Bombardier vende seus aviões por cerca de US$ 19 milhões a unidade, enquanto seu valor de produção fica em torno de US$ 33 milhões. Esse mesmo contrato da Delta, por exemplo, poderia ter sido assumido pela Boeing, com o novo 737 MAX 7, ou a Embraer com os modelos E190, E195 e os E-Jets 2 que estreiam a partir de 2018.
Como retaliação aos processos de venda da Bombardier, o governo de Donald Trump impôs uma taxa de 300% para importação dos jatos canadenses nos EUA. Ao produzir as aeronaves na planta da Airbus no Alabama, a empresa da Canadá se encaixa nas regras do mercado norte-americano, além de gerar empregos com mão de obra local.
Como comparação, os aviões da Boeing e Embraer, embutindo os custos de produção e lucros, são muito mais caros que os novos jatos da Bombardier, oferecidos com descontos. O novo jato E190-E2 é avaliado em US$ 53,6 milhões, enquanto o Boeing 737 MAX 7 é anunciado por US$ 90,2 milhões. O Airbus A319neo, concorrente do CS300, é mais caro ainda: US$ 99 milhões.
Aproximação entre Boeing e Embraer
A criação de uma parceria entre a Boeing e a Embraer para enfrentar o novo grupo Airbus-Bombardier foi um dos principais comentários gerados após o anúncio na mudança do comando do programa CSeries. As duas empresas, porém, por enquanto evitam falar sobre esse assunto.
“Nossa relação com a Boeing é muito boa. Agora se isso vai levar para parcerias novas no futuro, depende das oportunidades que surgirem”, afirmou o presidente da Embraer, ao Valor. Boeing e Embraer são parceiras no programa de vendas e suporte internacional para o novo cargueiro militar KC-390 e também trabalham juntas no desenvolvimento de novas tecnologias aeronáuticas no projeto ecoDemonstrador.
No curto prazo, a aviação comercial e regional ainda não devem ser impactadas pela nova parceria da Airbus com a Bombardier e os volumes de entrega da Embraer não vão diminuir. A consolidação do CSeries agora depende principalmente do modelo fabricado nos EUA, onde está concentrada a maior parte da demanda por aviões nessa categoria. A negociação e o projeto das linhas de montagem dos jatos canadenses no Alabama ainda esperam por aprovações da Casa Branca.
A Boeing, por sua vez, ainda mantém sua posição séria sobre a Bombardier. Em comunicado, a empresa afirmou que a parceria entre a Airbus e a Bombardier “se trata de um acordo discutível entre as duas empresas concorrentes fortemente subsidiadas por seus governos com objetivo de contornar a decisão do governo dos EUA”.
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