Na época da Guerra Fria, a União Soviética não poupou recursos para copiar projetos de aviões do Ocidente, mas também produziu aeronaves formidáveis, superiores a muitos de seus oponentes
A ameaça constante do estouro da Guerra Fria que nunca aconteceu levaram os Estados Unidos e seus aliados a desenvolverem uma enorme variedade de aeronaves militares em diferentes épocas. Porém, para cada novo avião que os americanos ou europeus criavam, a União Soviética muitas vezes respondia com um projeto similar ou em alguns casos com cópias exatas ou pelo menos muito próximas.
A rivalidade entre as duas nações encontrou espaço inclusive na aviação comercial e até mesmo no espaço, com veículos soviéticos muito similares a projetos consagrados do Ocidente. Esses aparelhos, no entanto, nunca chegaram a competir diretamente e foram poucos os modelos comerciais desenvolvidos na URSS que atuaram fora das nações sob o antigo regime socialista.
De fato, houve casos comprovados de espionagem, mas também projetos com propostas coincidentes e até alguns aviões comunistas que superavam com margem seus equivalentes ocidentais. Confira a seguir alguns deles:
Boeing B-29 vs. Tupolev Tu-4
Durante a Segunda Guerra Mundial, três bombardeiros Boeing B-29 da força aérea americana tiveram de pousar na URSS e nunca mais foram embora, apesar de insistentes pedidos dos EUA. Não só isso, o avião se “multiplicou”. Terminado o conflito mundial, soviéticos e americanos já não eram mais aliados. Pelo contrário, se tornaram rivais. Na segunda metade da década de 1940, os soviéticos ainda não contavam com um bombardeiro pesado de longo alcance, como era o B-29. A solução foi copiar o modelo da Boeing, que ressurgiu em 1946 como Tupolev Tu-4, um dos casos mais famosos de engenharia reversa na história da aviação.
Os B-29 que ficaram na URSS foram desmontados peça por peça e em seguida replicados. Uma das poucas diferenças entre o Tu-4 e o bombardeiro original eram os canhões de 23 mm no lugar de peças de 20 mm e chapas de alumínio mais grossas, pois os soviéticos ainda não dominavam as técnicas aplicadas nos EUA. Esse detalhe deixou o B-29 “russo” 1.400 kg mais pesado. Ao todo, a Tupolev produziu 847 unidades do “clone” do B-29, que voou até 1960.
XB-70 Valkyrie vs. Sukhoi T-4
O ambicioso bombardeiro supersônico XB-70 já havia sido cancelado quando o Sukhoi T-4 voou pela primeira vez, em 1972. Embora fosse um interceptador em sua concepção, o T-4 exibia muitas soluções copiadas do avião da North American (hoje parte da Boeing). Estavam lá os motores na parte inferior da fuselagem, que se alongava à frente das entradas de ar em cunha (e que usavam o mesmo princípio aerodinâmico do Valkyrie). Até os canards atrás do cockpit o jato trazia, mas seu desempenho deixou a desejar: dizem que nunca chegou a atingir Mach 3 e foi aposentado anos depois.
E-2 Hawkeye vs. Yakovlev Yak-44
Até o começo dos anos 80, a União Soviética não possuía porta-aviões de grande porte como os americanos, apenas a classe Kiev, que levava os jatos de decolagem vertical Yak-38. Quando decidiu ter seus ‘super porta-aviões’ da classe Kuznetsov, os russos também determinaram que novos aviões seriam necessários, incluindo um modelo de alerta aéreo antecipado. Coube ao escritório Yakovlev criar o Yak-44, um turboélice para a função. Embora não seja uma cópia do americano E-2 Hawkeye é impressionante a semelhança entre eles. O modelo russo, no entanto, tinha hélices contra-rotativas avançadas e deveria ter um alcance maior, além de pode decolar pelo sistema de rampas do navio. Mas não passou de uma maquete em tamanho real quando a União Soviética ruiu no início dos anos 90.
B-1B Lancer vs. Tupolev Tu-160
Em matéria de bombardeiros, os russos foram autores de algumas aeronaves únicas como os modelos Tu-22 e Tu-26, este último com asas de geometria variável. Mas quando os americanos apresentaram o bombardeiro B-1 no final dos anos 60, a União Soviética viu nele uma ameaça a ponto de autorizar o desenvolvimento de um avião semelhante no conceito, mas muito maior e capaz, o Tu-160 ‘Blackjack’. Ao contrário do avião norte-americano, que teve de mudar de função após anos de indecisão (deixou de voar alto e rápido para atacar em baixa altitude), o Tupolev tornou-se o maior bombardeiro operacional da história capaz de ultrapassar Mach 2 e lançar mísseis em grande altitude. Mas sua configuração claramente seguia à risca o rival dos EUA, com imensas asas de enflechamento variável e quatro motores sob elas, além de cauda com estabilizadores a meia altura.
F-111 vs. Su-24 ‘Fencer’
A semelhança entre o jato americano F-111 e seu concorrente soviético Su-24 é muito grande, mas não se pode garantir que ela foi intencional. Embora o país comunista estivesse acompanhando o desenvolvimento da aeronave de ataque supersônica e de asas de geometria variável, o escritório Sukhoi não equipou o protótipo T-6 com elas. Em vez disso, ele lembrava uma versão com assentos lado a lado do caça Su-15. Mas bastou o F-111 entrar em serviço em 1967 e comprovar a eficiência dessa configuração para os russos decidirem mudar o Su-24, que ganhou asas do mesmo tipo em 1970. No fim, os dois jatos possuíam as mesmas características de ataque em qualquer tempo, com missões bem sucedidas na carreira.
Boeing YC-14 vs. Antonov An-72/74
A história do Antonov An-72 é curiosa. Ele utiliza um conceito aerodinâmico diferente para proporcionar decolagens e pousos curtos, o efeito Coanda, que consiste em aproveitar os jatos quentes das saídas dos motores instalados por cima para potencializar a capacidade de voo delas, ao ‘prendê-los’ por meio de flaps longos. Ou seja, uma ótima ideia para cargueiros capazes de operar em qualquer pista. A ironia é que a ideia surgiu primeiro nos Estados Unidos com a Boeing no projeto C-X que previa um jato de transporte para substituir o C-130 Hercules. Com o protótipo YC-14, a fabricante provou a capacidade do conceito, mas foi derrotada pela então rival McDonnell Douglas e seu YC-15 de desenho convencional – e que mais tarde evoluiu para o C-17. Quanto aos ucranianos da Antonov, eles criaram um jato menor, mas comprovadamente eficaz a ponto de vários An-72 e An-74 voarem até hoje mesmo em serviço comercial.
A-10 Thunderbolt II vs. Sukhoi Su-25
Eis um caso que não se pode denominar como um ‘clone’ ao pé da letra. O russo Sukhoi Su-25 em nada se parece com o equivalente americano, o A-10 Thunderbolt II, mas trata-se de uma releitura sobre o mesmo conceito, um jato subsônico pesadamente armado e focado em ataques anti-tanque e contra tropas. Não é à toa que ambos compartilham uma característica, o visual nem um pouco inspirado, mas provaram ser máquinas de guerra extremamente eficientes em teatros como o Sudeste Asiático e o Afeganistão, no caso do Su-25.
Concorde vs. Tu-144
O episódio dos jatos de passageiros supersônicos merece um capítulo à parte nessa história da corrida para produzir os melhores aviões do mundo. Mas é claro até para leigos como o Tupolev Tu-144 se parece com sua contrapartida ocidental, o Concorde. Mas era capaz de fazer mais como voar mais rápido e levar mais passageiros. No entanto, sua carreira foi um imenso fracasso comercial após acidentes que o transformaram num avião de carga (pasmém) até deixar de voar. Um dos exemplos mais vivos da corrida tecnológica da Guerra Fria, o Tu-144 voou antes que o Concorde, talvez por ajuda de planos e projetos roubados na Europa, embora tivesse várias diferenças técnicas. Curiosamente, ele foi operado pela Nasa em estudos aerodinâmicos após o fim da União Soviética.
C-130 Hercules vs. Antonov An-12
O Antonov An-12 ‘Cub’ é mais um caso clássico do pragmatismo soviético. Se os americanos criavam algum avião com uma proposta válida, rapidamente essa configuração era testada no país comunista. Enquanto sua inspiração, o C-130 Hercules, voou em 1954, o An-12 decolou pela primeira vez três anos depois com um tamanho semelhante ao avião da Lockheed – era um pouco mais longo, mas com menos envergadura e capacidade. As soluções, no entanto, eram idênticas: quatro motores turboélices instalados em asas altas, cauda convencional e uma porta de carga traseira com rampa – o Antonov, no entanto, trazia a famosa torreta com um canhão nos moldes dos bombardeiros americanos da Segunda Guerra. Se não teve o sucesso comercial do Hercules (produzido até hoje), o An-12 segue voando em vários países do mundo.
C-5 Galaxy vs. An-124
Uma reedição do episódio do C-130 e An-12, a história dos gigantes C-5 Galaxy e An-124, entretanto, teve um desfecho um pouco diferente. Enquanto o imenso jato cargueiro americano teve um desenvolvimento complicado entre a década de 60 e 70, o Antonov só saiu das pranchetas no início dos anos 80, tendo voado pela primeira vez em 1982. Utilizava uma configuração quase idêntica a do Galaxy, com portas de carga na frente e atrás e cockpit num piso elevado, mas era mais pesado e capaz, além de utilizar uma empenagem convencional em vez de em ‘T’ como no rival. Enquanto o jato da Lockheed se mantém como um dos pilares de transporte da USAF, o An-124 tornou-se um modelo comercial visto em várias partes do mundo, após o colapso da União Soviética.
Boeing 727 vs. Tupolev Tu-154
Não foi apenas no campo militar que Estados Unidos e União Soviética disputavam a primazia dos ares. Também na aviação comercial houve modelos cuja aparência era tão próxima que causava suspeitas como o Tupolev Tu-154. Principal avião comercial da Aeroflot por décadas, o trijato era muito parecido com outro ícone dos anos 60, o Boeing 727. O jato americano, com três motores instalados na cauda, voou em 1962 e mais de 1.800 unidades foram construídas. Já o modelo soviético voou em 1968 e utilizava a mesma configuração em ‘S’ para o motor central cuja entrada de ar ficava na base do estabilizador vertical – configuração também usava pelo britânico Trident. Apesar de levarem uma quantidade similar de passageiros, o Tu-154 era levemente maior e mais pesado.
P-3 Orion vs. Il-38
Nem tudo que voava na União Soviética era fruto de inspiração em modelos ocidentais e o turboélice Ilyushin Il-18 é prova disso. O avião de passageiros de quatro motores voou meses antes do Lockheed Electra II, famoso no Brasil na ponte aérea Rio-São Paulo. Era maior que o rival americano e teve uma carreira mais bem sucedida também. Mas quando a marinha dos EUA decidiu utilizar o Electra como base para o avião anti-submarino P-3 Orion eis que os soviéticos resolveram copiá-los com o Il-38 ‘May’. Isso, no entanto, uma década depois dos americanos, mas a semelhança de proposta é clara, com ambos exibindo o equipamento ‘MAD’, uma lança na cauda que por meio de um sistema de anomalias magnéticas, consegue detectar submarinos submersos.
VC-10 vs. Il-62
Uma das mais intrigantes coincidências reúne os jatos comerciais de longo alcance Vickers VC-10 e Ilyushin Il-62. Ambos surgiram no início dos anos 60 e serviram em rotas internacionais. A configuração escolhida tanto por ingleses quanto soviéticos foi a mesma: quadrimotor com cauda em T e motores dispostos em dupla nas laterais da fuselagem. Uma solução um tanto exótica só compartilhada pelo jato executivo JetStar. No entanto, há quem garanta que tudo não passou de coincidência mesmo, já que os aviões russos na época seguiam preceitos aerodinâmicos padronizados por conta dos estudos de um escritório estatal com papel semelhante ao da Nasa. E mais: o Il-62 foi um avião bem melhor que o VC-10, com soluções mais bem resolvidas, produção significativamente maior (290 unidades contra 54) e carreira mais longa – ao VC-10 coube uma missão de consolação, servir como avião de reabastecimento na RAF, a força aérea britânica.
B-52 vs. Tu-95
Logo após o fim da Segunda Guerra, o advento do motor a jato mudou a forma de projetar aviões. A aerodinâmica, ainda uma ciência pouco empregada, passou a ser crucial na indústria. Foi assim que estudos alemães com asas enflechadas passaram a virar regra nas novas aeronaves. Os americanos a utilizaram no pequeno bombardeiro B-47 e em seguida no mítico B-52, o jato de oito motores que até hoje está na linha de frente da Força Aérea dos Estados Unidos. Do outro lado da cortina de ferro, os soviéticos também criaram seu ‘B-52’, o Tupolev Tu-95. Assim como o avião da Boeing, ele também exibia imensas asas e estabilizadores enflechados, até mais agudos que o B-52. Mas foi equipado com turboélices com hélices contra-rotativas. Elas garantiam uma velocidade próxima a do jato, mas também um longo alcance numa época em que a Rússia não possuía motores a jato eficientes. Assim como o B-52, o Tu-95 é um avião longevo, mas acumulou funções mais variadas que seu equivalente ocidental, como patrulhamento marítimo e teve parte do seu projeto usado num avião comercial, o Tu-114.
F-86 vs. MiG-15
Embora semelhantes em vários aspectos, a maior parte dos aviões comentados nesse artigo rivalizava apenas na proposta, nunca se enfrentando na prática. Algo diferente do que ocorreu com outros dois projetos, os caças North American F-86 e Mikoyan-Gurevich MiG-15. Nesses casos, no entanto, a inspiração não veio de um deles, mas de uma fonte externa em comum. Cada um a sua maneira, o Sabre e o ‘Fagot’ foram projetados com base em estudos da Alemanha nazista capturados após o fim da Segunda Guerra. Daí a similaridade de desenho, com entrada de ar frontal na fuselagem e asas enflechadas. Mas o MiG-15 possuía as suas a meia altura enquanto no F-86 elas eram baixas – a cauda convencional deste último contrastava com os estabilizadores a meia altura do MiG. Na prática, como ficou provado na Guerra da Coréia, onde os dois tiveram inúmeros encontros, o MiG-15 mostrou-se um jato formidável, eficiente e temido, exigindo dos pilotos americanos mais destreza para compensar algumas deficiências.
Ônibus espacial vs. Buran
A espionagem soviética em busca de dados para construir suas versões de equipamentos ocidentais chegou até ao espaço. Quando o ônibus espacial Buran apareceu na feira de Le Bourget, em 1989, causou espano pela semelhança com o ‘space shuttle’ americano. É não era sem razão. Na década de 70, os russos foram convencidos de que a espaçonave dos EUA poderia lançar artefatos militares em Moscou em questão de minutos. Coube à KGB conseguir documentos e dados do projeto americano, o que não chegou a ser tão difícil já que a Casa Branca não considerou o ‘shuttle’ um projeto secreto
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