Neutralidade do país na Guerra Fria obrigou a indústria local a produzir uma safra de caças exclusivos
A posição de neutralidade da Suécia diante de conflitos entre duas nações significa que o país não toma partido a favor de nenhum dos lados em uma guerra, e em troca espera não ser atacada por quaisquer dos envolvidos. Se isso acontecer, é preciso estar preparado.
Por conta da postura neutra, a Suécia teve de desenvolver sua própria indústria bélica para suprir necessidades de defesa sem depender de outros países e assim não assumir um lado que pudesse desagradar outro. Com essa política, o país escandinavo construiu alguns dos mais avançados aviões militares em diferente épocas, acompanhando avanços dos Estados Unidos e União Soviética (e depois Rússia) ao longo dos anos da Guerra Fria e tempos atuais.
O principal produto de todos esses anos de estudos é o caça Gripen NG, considerado um dos mais avançados da atualidade e que a partir de 2019 começam a ser introduzidos a frota da Força Aérea Brasileira (FAB). O contrato entre Brasil e Suécia prevê a aquisição de 36 aeronaves, sendo que parte delas serão fabricadas pela Embraer, permitindo transferência de tecnologia para futuros projetos da empresa brasileira.
Apesar do respeitável arsenal –a força aérea do país possui mais de 130 caças Saab Gripen -, a Suécia não se envolve em uma guerra desde 1814, quando instaurou sua neutralidade.
A última vez que Estocolmo declarou estado de guerra foi entre 1812 e 1814, quando o país apoiou a “Sexta Coligação” para combater a tentativa de Napoleão Bonaparte invadir a Rússia e também em retaliação a Dinamarca e a Noruega, que declaram apoio a França na parte final das “Guerras Napoleônicas”, que seriam encerradas em 1815.
Desde então, a Suécia participou apenas de missões de apoio a ONU na África, nos anos 1960, e recentemente na coligação da OTAN que ajudou a derrubar o ditador Muamar Kadafi na Líbia.
Primeiros aviões
Com os aviões provando um poder devastador durante a Primeira Guerra Mundial, as grandes nações partiram para o desenvolvimento massivo de aeronaves com performances superiores. A Suécia também entrou nesses estudos e na década 1920 começou a desenvolver seus próprios aeroplanos para aplicação militar.
O primeiro avião militar sueco foi o biplano Jakfalken, produzido pela Svenska Aero, empresa já extinta. O modelo voou pela primeira vez em 1929 e na década de 1930 serviu como avião de observação, bombardeiro e caça da recém formada Força Aérea da Suécia. Mas como os anos seguintes mostrariam, aeronaves mais avançadas seriam necessárias.
Foi a partir da década de 1930 e com prenúncio da Segunda Guerra Mundial que a Saab, que já fabricava carros e trens, passou a desenvolver aviões. O primeiro aparelho de grande performance da empresa escandinava foi o Saab J 21, um exótico caça com o motor a hélice virado para trás.
O modelo J21 voou pela primeira vez em 1943 e logo foi declarado operacional para vigiar os céus da Suécia, que estava literalmente cercada. A esquerda, a Finlândia era invadida pelos soviéticos, enquanto do lado direito a Noruega era atacada pela Alemanha. Por fim, havia ainda no sul a ameaça dos nazistas, que haviam invadido a Dinamarca, e ao norte uma enorme entrada para uma possível invasão da URSS pelo mar.
Todas essas nações, contudo, respeitaram a neutralidade da Suécia e o Saab J 21 nunca precisou disparar suas armas em combate, que consistia em uma combinação de metralhadoras e canhões, além de bombas e foguetes. O modelo também foi um dos mais rápidos de seu tempo: podia alcançar a velocidade máxima de 640 km/h.
Entre as décadas de 1930 e 1940, a Saab desenvolveu outras importantes aeronaves para defesa da Suécia, como os modelos “B-17” (que não tem nenhuma relação com o americano Boeing B-17) e o Saab 18, um bombardeiro bimotor de longo alcance.
Primeiros jatos
Com o final da Segunda Guerra Mundial e o início dos temores da Guerra Fria entre EUA e URSS, a Suécia se viu novamente entre duas enormes potências cada vez mais armadas e preparadas para um novo conflito. Foi nessa época que começaram a surgir os primeiro aviões de combate com motores a jato, capazes de alcançar velocidades até então consideradas impossíveis. E os suecos, novamente, não ficaram para trás.
A Suécia participou da primeira geração de caças a jato com o Saab J 21R, uma versão do J 21 adaptada para funcionar com um motor a reação. O primeiro jato sueco entrou em operação apenas dois anos após o final da Segunda Guerra Mundial e apresentou performances semelhantes às dos modelos americanos e soviéticos da mesma época: era capaz de atingir 800 km/h com alcance aproximado de 800 km. Os armamentos eram os mesmos do J 21.
Ao mesmo tempo que os EUA desenvolvia o F-86 Sabre e a URSS o temível MiG-15, considerados os jatos mais modernos da primeira geração, a Suécia mostrou ao mundo já em 1948 o excêntrico jato Saab J 29 “Tunnan” (“Barril”, em sueco), que alcançava em alguns aspectos os modelos das superpotências em corrida armamentista.
O segundo jato operacional da Suécia podia alcançar a velocidade máxima de 1.060 km/h e foi a primeira aeronave da força aérea sueca armada com mísseis. Além do novo armamento revolucionário que podia abater outros aviões a distância e com precisão, o “Barril” ainda contava com canhões e foguetes para atacar alvos terrestres e navais.
O Tunnan foi o primeiro avião da Suécia a entrar em combate. O país apoiou a missão de paz no Congo, em 1962, realizando ataques aéreos com o J 29 contra posições insurgentes com fogo de canhões e foguetes. Durante a crise no país africano, o comando militar da ONU considerou o desempenho da aeronave excepcional. Nenhuma unidade da força sueca foi perdida durante a ação, exceto por um modelo que se acidentou enquanto decolava.
Apesar do sucesso do J 29 no Congo, os aviões foram destruídos por determinação da ONU em 1964 após o final da guerra civil. O custo para enviar as aeronaves de volta a Suécia, além de um extensivo programa de revisão após dois anos de conflito, era inviável e os caças foram retalhados. O Tunnan também foi exportado para a Áustria.
Na década de 1950 começaram a surgir caças a jato multifuncionais, como o MiG-17 e o britânico Hawker Hunter, aviões que voavam a mais de 1.000 km/h por longas distancias e carregando pesadas cargas de armas. A resposta da Suécia para esse momento foi o Saab J 32 “Lansen” (“Lança”), que foi também o primeiro caça sueco equipado com radar.
Mais rápido e com alcance superior ao do Tunnan, o Lansen entrou em operação em 1952 e se tornaria a aeronave mais longeva da Força Aérea da Suécia, permanecendo em serviço até o final da década de 1990.
Quando estreou, o J 32 foi aplicado na função de interceptador e bombardeiro e teve também versões de reconhecimento. No final de sua carreira ainda servia na importante função de guerra eletrônica, com aparelhos de pertubação, e funções secundárias como rebocador de alvos e “agressor” em treinamentos de caça com unidades mais avançadas.
Velocidade do som
Com a velocidade do som superada em 1947 e o conceito provado pelo protótipo norte-americano Bell X-1, todas as nações com indústria bélica avançada correram para desenvolver suas aeronaves supersônicas. Os EUA, obviamente, saíram na frente com o F-100 “Super Sabre”, introduzido em 1954, e em seguida foram acompanhados pela URSS com o MiG-19 e a França com o Dassault Super Mystère. Esses três modelos, os mais famosos da segunda geração de caças, eram capazes de voar a mach 1, a velocidade do som (cerca de 1.225 km/h).
A Suécia começou a estudar velocidade supersônicas no início da década de 1950 e a partir de seus primeiros protótipos descobriu que os novos caças mach 1 ficariam obsoletos rapidamente. Estudos sugeriam que era possível dobrar a velocidade do som ou quem sabe até ir mais rápido. Foi o que os suecos fizeram.
Em 1955, a Saab apresentou o J 35 “Draken” (“Dragão”), um caça com uma enorme asa em formato delta e um potente motor capaz de levá-lo a mach 2 (2.150 km/h). Além disso, o modelo foi o primeiro do país escandinavo capaz de operar mísseis orientados por radar, ainda mais precisos que os artefatos guiados por calor. O Draken iniciou seus serviços da Suécia em 1960, mesmo período em que também estrearam outros interceptadores mach 2, como MiG-21, Mirage III e o F-104 Starfighter.
Com os Lansen e Draken entrando em fase de obsolescência, a Força Aérea da Suécia requisitou em 1960 um novo caça polivalente. O plano era criar um avião capaz de cumprir as mesmas tarefas que os então principais aparelhos da força sueca, e ainda aumentar o leque de possibilidades. Não só isso, o avião deveria ser barato e fácil de operar e capaz de pousar em pistas improvisadas, como rodovias. O resultado dessa longa lista de exigências foi o Saab J 37 Viggen (“Trovão”, em sueco), apresentado em 1967.
Ainda mais rápido que o Draken e com uma capacidade de ataque ao solo ainda mais devastadora que a do Lansen, o novo Viggen foi considerado um dos melhores aviões de seu tempo. O modelo sueco era um dos poucos caças capazes de lançar o míssil AIM-120, orientado por radar e capaz de abater alvos fora do alcance visual do piloto.
Apesar das performances avançadas para a época, nenhum outro país além da Suécia comprou o J 37. O caça da Saab disputava o mercado de aeronaves como o Mirage III e o MiG-23, que tinham a seu favor experiência em combate. O Viggen, inclusive, foi um dos três caças selecionados no programa FX-1 da FAB, que também concorriam o britânico English Electric Lightning e o Dassault Mirage III, que venceu a disputa.
Tanto o Draken como o Viggen viraram o milênio e operaram até meados de 2010, quando foram totalmente substituídos pelos Gripen.
Projeto Gripen
O Saab JAS 39 Gripen, hoje tão falado na mídia brasileira, não é tão novo quanto parece. O modelo foi desenvolvido na década de 1980 e o primeiro protótipo voou em 1988. O programa de desenvolvimento do novo caça, porém, enfrentou uma série de problemas, sobretudo por uma série de acidentes, e o aparelho demoraria para entrar em operação.
O primeiro esquadrão de Gripen da Suécia foi formado em 1997 e gradativamente os veteranos Draken e Viggen eram retirados da frota a medida que os novos caças chegavam. A força aérea sueca possui atualmente mais de 130 caças JAS 39.
Capaz de alcançar a mesma velocidade máxima do Viggen, o Gripen por outro lado cumpre a mesma função com menor consumo consumo de combustivel e pode operar em “cruzeiro supersônico” sem precisar ativar o pós-combustor do motor. O JAS 39 também é menor que seu antecessor e pesa quase a metade. Carregados, porém, eles têm praticamente o mesmo peso.
A Suécia apoiou as forças da OTAN em 2011 contra a Líbia, cujas forças militares estavam voltando suas forças contra a população, no período que ficou conhecido como “primavera árabe”. Os Gripen foram o principal meio sueco no conflito, sendo utilizado a partir de bases no Chipre em missões de reconhecimento.
O Gripen possui equipamentos de voo compatíveis com os mais avançados armamentos e todos os controles são “fly-by-wire” (comando eletrônicos), o que aumenta o grau de automação da aeronave e facilita a operação do piloto. Mas como notamos ao longo desses quase 100 anos, os suecos não param.
A Saab apresentou em 2008 o demonstrador de tecnologia “Gripen NG”, uma versão otimizada do Gripen, com maior capacidade para combustível e armamentos, motor 20% mais potente e alguns dos equipamentos de voo (aviônicos) mais avançados da atualidade. Foi justamente essa nova geração do Gripen que o Brasil escolheu para equipar a FAB.
O Brasil foi o primeiro cliente do Gripen NG, mas não o primeiro do Gripen. O caça compacto da Saab também opera nas forças armadas da África do Sul, Hungria, República Tcheca e Tailândia.
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