A Força Aérea da Suíça garante a neutralidade armada do país.
Por Kaiser David Konrad
Reportagem publicada originalmente em 2016 em Tecnologia & Defesa.
A Schweizer Luftwaffe, ou Força Aérea da Suíça, foi primeiramente estabelecida em julho de 1914, como um braço do Exército Suíço.
Sua criação deveu-se à preocupação popular que antevia a necessidade emergencial de possuir aviões para assegurar a manutenção da neutralidade através da garantia da inviolabilidade das fronteiras do país, que àquela época estavam ameaçadas pela proximidade dos combates da 1ª Grande Guerra.
Ela viria a se transformar numa Força Aérea independente somente no ano de 1936. Atualmente seu comandante é o tenente general Aldo C. Schellenberg, que não é piloto, mas oriundo da artilharia antiaérea, e que será substituído no próximo ano pelo major general Bernhard Müller, um experiente piloto de helicóptero.
O quartel general em tempos de paz está localizado na Base Aérea de Dübendorf, nas proximidades de Zurique, e em caso de conflito, ele é transferido para uma instalação militar secreta, protegida dentro de uma montanha nos Alpes. Em Dübendorf está localizado o Centro de Operações de Combate, órgão responsável por reunir todas as informações de vigilância, comunicações, comando e controle destinados ao gerenciamento das atividades de defesa do espaço aéreo nacional, integrando dados dos diversos sensores e sítios de radar TAFLIR (Tactical Flight Radar) e FLORAKO instalados nos picos das montanhas e nos vales espalhados pelos Alpes. Às vezes, quando um vale está sem cobertura radar, o controle de tráfico militar chama via rádio ou telefone um miliciano para fazer a verificação e identificação visual da aeronave que está voando por aquela área.
A Suíça é um país neutro desde 14 de setembro de 1515, e no século XX conseguiu a um custo muito grande manter este status durante as duas Guerras Mundiais e à ameaça soviética na Guerra Fria. Isso só foi possível graças à sua “neutralidade armada”, possuindo Forças Armadas fortemente equipadas e capacitadas, e uma população masculina bem treinada, basicamente toda ela formada por reservistas. Conhecidos como “milícia”, os reservistas mantém seus rifles em casa e se apresentam anualmente às suas respectivas unidades militares por um período de três semanas, quando fazem cursos de aperfeiçoamento e manutenção da prontidão operacional.
Não importa sua condição social, toda a população masculina suíça deve se apresentar e saber qual é o seu papel na defesa da pátria. Existem até líderes políticos, empresários de grandes corporações e instituições financeiras que deixam suas responsabilidades profissionais de lado para cumprir com suas obrigações militares anuais como um simples soldado, enquanto outros, como o caso de um dentista, que deixa seu consultório odontológico para aperfeiçoar suas técnicas de combate como piloto de F-5 Tiger II.
A principal tarefa da Força Aérea desde a sua criação é a defesa aérea, e o maior desafio será renovar a frota de aeronaves de caça e sua defesa antiaérea (GBAD). Os F/A-18 C/D Hornet vão chegar ao fi m da sua vida pelo ano de 2030, e até lá será necessária sua substituição, e também os atuais sistemas de defesa antiaéreos Rapier, Stinger e M Flab (canhão Oerlikon de 35mm), que são de curto alcance e defasados tecnologicamente. Aliás, a Força Aérea Suíça dá muito valor à sua defesa antiaérea. Por questão doutrinária ela trabalha como um único sistema e em conjunto com as aeronaves de interceptação, pois no caso de uma invasão ou de um ataque aéreo, os combates serão levados para dentro dos vales, e nessa “área confinada” sob a proteção das montanhas, nada é mais letal para uma aeronave invasora do que um sistema de defesa antiaéreo estrategicamente posicionado.
A Suíça vai ter que gastar muito dinheiro para substituir seus F/A-18 e investir num novo sistema de defesa antiaéreo de médio alcance. Somente para as novas aeronaves, estima-se gastar mais de 8 bilhões de dólares. Para enfrentar a Guerra Híbrida, o foco será investir na defesa cibernética. Somente para reunir inteligência e executar missões de reconhecimento, a Força Aérea selecionou e encomendou à Elbit Systems uma versão única da ARP Hermes 900, que vai ser a mais moderna em operação no mundo. A manutenção dos altos níveis de interoperabilidade é outro ponto que vem recebendo bastante atenção. Embora seja neutra, a Suíça é membro da Parceria para a Paz, uma iniciativa da Organização do Tratado do Atlântico Norte, o que permite a seus militares fazer parte de treinamentos e operações internacionais fora das fronteiras do país, com destaque para o desdobramento de efetivos para a missão no Kosovo e a participação em operações de resgate e ajuda humanitária.
POLICIAMENTO DO ESPAÇO AÉREO
O espaço aéreo suíço é um dos menores e ao mesmo tempo com maior tráfego de aeronaves da Europa. Fazendo fronteira com França, Alemanha, Itália e Áustria, geralmente quando uma aeronave comercial está indo ou vindo de algum dos maiores aeroportos europeus, existe uma grande probabilidade de ela ter de voar sobre os Alpes suíços. Além disso, em virtude do seu status de neutralidade, o país abriga uma série de organizações internacionais, e é sede de importantes eventos, como o Fórum Econômico Mundial. Por isso, todos os anos, atrai centenas de visitas de autoridades estrangeiras e aviões ofi ciais, a maior parte deles militares.
É importante sempre checar se eles são realmente quem dizem que são, e também assegurar lá em cima a segurança de quem está lá embaixo, e esse tem sido um grande desafio e o sentido maior da missão da Força Aérea, principalmente devido à crescente ameaça terrorista. Em 2014, virou polêmica o caso de um jato comercial da Etiópia que havia sido sequestrado e ter de pousar em Genebra escoltado por caças Mirage 2000 franceses. Até aí nada de errado, pois as Forças Aéreas suíça e francesa possuem um acordo que permite atravessar a fronteira e escoltar uma aeronave até o pouso no país vizinho. A questão foi à afirmação de que na Suíça a defesa aérea só funcionaria em horário comercial. Por mais estranho que isso possa parecer, existe uma explicação.
Com um território tão diminuto, qualquer avião que entre sem autorização ou com necessidade especial – sequestrado ou em emergência -, veio de algum dos seus vizinhos, por isso, de início é uma situação cuja origem começou em território estrangeiro dentro de uma região de paz. Até então, a defesa aérea só funcionava 24 horas durante grandes eventos internacionais, quando se mantém sempre duas aeronaves F/A-18 em alerta de cinco minutos (pilotos dentro das aeronaves) e, em situação normal, com alerta de 15 minutos. Hoje, a Força Aérea está construindo uma capacidade de alerta de reação rápida (QRF). Em 2016 era das 8h às 18h, de segunda à sexta; em 2017 e 2018 será no mesmo horário, mas trabalhando nos finais de semana também; em 2019 e 2020 o horário será ampliado das 06h às 22h, e finalmente, em 2021, será como deve ser: 24/7, 365 dias ao ano.
SCRAMBLE SOBRE OS ALPES
A fim de testar o alerta de defesa aérea da Suíça e sua capacidade de pronta resposta no caso de uma violação do espaço aéreo nacional, eu e o tenente coronel Peter Bruns, da Divisão de Operações, decolamos para simular um alvo ilícito sobre os Alpes. Nossa aeronave era um PC-7 Pilatus da esquadrilha de demonstração da Força Aérea (PC-7 Team). Aeronave turboélice de treinamento com assentos em tandem, o PC-7 foi concebido e fabricado pela Pilatus Aircraft Ltd em Stans, a partir de 1983. Com a finalidade de proporcionar melhor treinamento para os pilotos militares, em 2008 a frota foi modernizada com um glass cockpit, GPS e piloto automático. É nele que é feito o treinamento básico VFR e IFR, navegação, voos em formação e acrobacias. Os jovens pilotos voam aproximadamente 1 ano antes de trocar para o PC-21 (onde voam por mais 1 ano antes de ir para o F/A-18 Hornet).
O voo seria um pouco complexo devido às condições peculiares das operações sobre os Alpes. Sem assento ejetável e carregando o próprio paraquedas, foi com muita calma que ouvi as instruções de emergência, no caso de termos que saltar em meio a um vale alpino. “Eu vou ejetar o canopí, você solta o cinto, sobe na asa esquerda e pula”, simples assim disse o aviador. Tão logo decolamos de Dübendorf nós sobrevoamos Zurique ganhando altitude para alcançar os Alpes, chegando àquela cadeia de montanhas através da sua porta principal: o cume do Monte Eiger, de 3970 metros de altitude.
A imponência da montanha à qual sobrevoamos e circundamos a poucas centenas de metros da sua parede e o cenário deslumbrante fazia daquele voo algo magnífico e único. Seguimos para o centro da cadeia voando entre vales e sobre lagos de cor azul turquesa. Passamos por gigantescos paredões que nos faziam insignificantes, como se fôssemos do tamanho de um pássaro. Em dado momento uma forte turbulência chacoalhou o avião com tamanha força que parecia que ele iria se quebrar.
“Voar nos Alpes tem seus desafios” disse o Ten Cel Peter Bruns. “Começa com o vento, que é imprevisível. Fortes ventos e nevascas, nuvens baixas e visibilidade reduzida formam um cenário exigente para os pilotos. Nossas bases aéreas nos vales dos Alpes geralmente tem uma pista de aterrissagem curta, não maior que 2000 metros de cumprimento e as aproximações IFR são muito acentuadas, com ângulo máximo de descida de 11º. Isso não é particularmente perigoso, se os pilotos são bem treinados e conhecem o ambiente.
Mas quando você voa sobre os Alpes, ou dentro dos vales, tem que respeitar profundamente aquele ambiente e os possíveis desafios, e você deve conhecer aquela região com o coração”. Se chocar com uma montanha durante um voo de treinamento não é raro e a Força Aérea já perdeu vários pilotos da sua primeira linha. É tão complexo voar ali que às vezes quando estávamos saindo de um vale para contornar uma montanha o tempo virava, se voava dentro da nuvem sendo guiado por uma combinação de carta de navegação, conhecimento prévio, instinto do piloto e claro, muita sorte.
Após mais de meia hora voando com aquele cenário de tirar o fôlego, desta vez sobre o maior glaciar suíço, fomos finalmente interceptados por duas aeronaves F/A-18C Hornet. Uma delas, o Shooter, manteve posição às 6 horas, na nossa retaguarda, colocando nossa aeronave na sua mira. No lado esquerdo notamos a presença do Eyeball, que se posicionou à frente, para ser visto e depois recuou, fazendo a checagem da nossa matrícula e se a aeronave estava armada. Ele já balançava suas asas e mostrava a pintura no tanque ventral indicando a frequência internacional de emergência STBY 121.50, à qual passamos a seguir.
Pelo rádio o Shooter iniciou a interrogação: “Aeronave não-identificada, é a Força Aérea Suíça, você foi interceptado pela defesa aérea…” Durante os primeiros minutos não respondemos a nenhum dos chamados. Então o interceptador “Eyeball”, que já estava em pré-estol, quase perdendo a sustentação para poder acompanhar o PC-7, se afastou e começou a lançar salvas de flares, que é um procedimento similar ao tiro de advertência efetuado no Brasil. A mensagem foi clara, não estávamos sendo cooperativos e poderíamos ser derrubados. Eles estavam lá para fazer cumprir as medidas de policiamento do espaço aéreo. Ambas as aeronaves, além do canhão M61 Vulcan de 20 mm, estavam armadas com um míssil AIM-120 AMRAAM e um AIM-9X Sidewinder.
Depois deste aviso o piloto balançou as asas e o iniciou a comunicação por rádio com os interceptadores, recebendo a ordem para mudança de rota, acompanhando o Eyeball na sua condução coercitiva para pouso obrigatório em Sion, no cantão de Valais.
As aeronaves interceptadoras, pela marca no capacete do Eyeball foram identificadas como sendo pertencentes ao Fliegerstaffel 11 Tigers, o 11º Esquadrão de Caça, da Base Aérea de Meiringen, no cantão de Berna.
Geralmente as aeronaves de alerta tem até 15 minutos para decolar. Em situações normais, os pilotos só tomam conhecimento da missão três minutos após a decolagem. Dependendo da gravidade, eles podem receber a ordem de split, ou seja, se dividir e tomar rotas separadas para surpreender o alvo vindo de diferentes posições.
Em 80 minutos voamos sobre todo o território suíço, e um detalhe interessante é que em cada cantão se falava um idioma diferente, seja ele alemão, francês ou italiano. A quantidade de bases aéreas para desdobramento também chamou a atenção.
Embora desativadas, elas estão prontas para receber aeronaves civis e militares. Em um único vale, havia pelo menos quatro pistas de pouso de uso militar diferentes.
PRESENTE E FUTURO
Atualmente a Força Aérea Suíça opera dois modelos de aeronaves de caça. A mais antiga é a frota de F-5 Tiger II, que é composta por 26 aeronaves (21 F-5E / 5 F-5F), divididas em dois Esquadrões sediados nas bases aéreas de Payerne e Emmen, mantendo na reserva pelo menos 27 células (20 F-5E / 7 F-5F), sendo que um estoque de outras dezenas em ótimo estado de conservação estaria disponível para venda. As aeronaves foram adquiridas em dois lotes. O primeiro, em 1978, de 60 F-5E e 6 F-5F, e o segundo, em 1983, composto por 38 F-5E e seis F-5F.
Os F-5 atualmente servem como aeronave de serviço e são utilizados pela milícia (pilotos reservistas) para manter suas aptidões de voo. A frota deixou de ser usada na primeira linha e passou a voar missões como agressora (Red Air) para o treinamento dos pilotos de F/A-18, sendo também empregada para treinar a defesa antiaérea e como parte da equipe acrobática, a famosa Patrouille Suisse.
Os F-5 suíços escreveram uma história de sucesso na sua Força Aérea, tendo ultrapassado a marca de 275 mil horas de voo, e são os que estão em melhores condições no mundo, com um Custo Operacional e de Suporte (LSC e LOC) orçado em 18 mil francos Suíços (pouco mais que 18 mil Dólares).
A companhia RUAG é responsável pela manutenção de nível I (aeronave) e nível D (motor e sobressalentes).
Os F/A-18 Hornet foram adquiridos em 1997, sendo 26 F/A-18C e oito F/A-18D, mantendo em operação 25 F/A-18C e cinco F/A-18D. A frota já ultrapassou a marca das 100 mil horas de voo, sendo distribuídos em três Esquadrões, operando a partir das bases aéreas de Meiringen e Payerne, representando a única aeronave da primeira linha da força aérea, já com previsão de ser substituída por um novo vetor multimissão.
Em 2014, depois de ter sido selecionado para ser a nova aeronave de caça da Força Aérea Suíça, o Gripen E foi rejeitado pelo contribuinte, com 54,4% dos votos.
À época, os militares esperavam adquirir um lote de 22 aeronaves suecas, mas o referendo popular decidiu que não era a hora de se investir em novos aviões de combate, na primeira vez que as Forças Armadas perderam um referendo do tipo.
Interlocutores afirmam que o momento era errado e que existia uma grande frota de F-5 disponível, e que o povo suíço não queria se arriscar a investir num projeto. Com o comportamento agressivo da Rússia para com seus vizinhos e a realização do primeiro voo do Gripen E, a situação mudou e vai ser bem mais fácil convencer a população sobre esta necessidade, disse uma fonte.
A Força Aérea busca um caça multimissão e de baixo custo operacional.
Nos corredores de Dübendorf a preferência do oficialato continua pelo caça sueco, entretanto o poderoso lobby político em favor do F-35 é cada vez maior.
Às vésperas de relançar seu programa F-X2, os militares suíços trabalham com quatro linhas, que vão depender do orçamento a ser autorizado para esta aquisição.
A opção 1 é a de adquirir entre 55 e 70 novos caças; a opção 2 de 40 novos caças; a opção 3 de 30 novos caças e a opção 4, de adquirir 20 novos caças e manter em operação os 30 F/A-18 Hornet.
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