Durante o período da Guerra Fria (1945-1991), a tentativa de conseguir adeptos à causa dos países envolvidos na disputa ideológica e conseguir obter inteligência militar, com o acesso a equipamentos dos inimigos, promoveu uma série de ações de espionagem e contraespionagem. Uma das formas de se conseguir acessar equipamentos militares dos inimigos era, por óbvio, o roubo dessas armas ou outras formas de extraviar tais objetos. Com o uso de agentes de campo ou mesmo de desertores, aliciados através de amplos trabalhos de convencimento e promessas de recompensas.
Nesse sentido, são amplamente conhecidas as ações dos EUA e aliados para conseguir acesso aos equipamentos, com a distribuição de propagandas por meio de folhetos e programas de rádio orientados para os países inimigos, oferecendo ofertas de asilo, recompensas financeiras e uma nova vida no ocidente, longe dos gélidos e restritos países socialistas. Ações desse tipo são conhecidas de terem sido levadas a cabo desde a Guerra da Coreia, passando pelo Vietnã, Europa e países do Oriente Médio, onde o efeito dessas atividades rendeu bons frutos, com os EUA e seus aliados conseguindo acessos a diversas sistemas eletrônicos, mísseis e aeronaves do bloco soviético.

É importante lembrar que durante esse período da história a propaganda dos governos de ambos os lados era usada amplamente para a divulgação de seus feitos científicos, tecnológicos, esportivos e políticos. Assim, os casos de deserção eram amplamente explorados como vitórias morais e símbolos ideológicos tanto pelos países capitalistas como pelos socialistas. Dentre essas ações, uma das mais famosas foi a deserção de Viktor Belenko com seu caça Mig-25, fugindo de uma base no extremo leste soviético e pousando de modo espetacular em um aeroporto civil japonês, em 1976.

No entanto, para além de deserções de soviéticos, poloneses, cubanos e sírios para o ocidente, durante a Guerra Fria, alguns casos se deram no sentido inverso, com pilotos dos EUA e seus aliados buscando refúgio no bloco oriental, fugindo do chamado “mundo livre”. Apesar de poucas em comparação ao fluxo para o ocidente, vários pilotos optaram por pedir asilo nos países de orientação socialista, seja por questões ideológicas, econômicas, religiosas ou por falta de perspectivas em suas carreiras.
Os primeiros casos de fuga de pilotos que aconteceram já sob a intensa rivalidade Leste-Oeste, ocorreram na Coreia do Sul. Pouco antes do início do conflito que iria arrasar a península coreana nos anos 1950, o 1° Tenente Pak Young-ju desertou para a Coreia do Norte levando consigo uma aeronave Stinson L-5, em setembro de 1949.

Já avançada a guerra, em dezembro de 1952, o 2° Tenente Kug Yong-am durante o treinamento de voo realizado junto as tropas dos EUA, utilizando-se de uma aeronave L-19 Bird Dog, atravessou a fronteira e voou para Pyongyang, onde pediu asilo ao governo local. Kug Yong-am foi incorporado oficialmente à força aérea norte-coreana, porém, viria a ser assassinado três semanas depois de sua deserção.

Logo após o conflito, outras duas deserções de sul-coreanos rumo ao norte ocorreriam. A primeira delas, em outubro de 1953, quando o Capitão Kim Sung-bai desertou levando um caça F-51 Mustang. Meses depois, em janeiro de 1954, o 2° Tenente Choi Mai-chong levaria outra aeronave L-19 em sua fuga. Além dos sul-coreanos, pilotos de outras nacionalidades fugiram de países ocidentais ou aliados para se juntar aos inimigos desses.

Durante as Guerras De Independência da África portuguesa um caso pitoresco e que viria a ter influência na política de Moçambique ocorreu quando dois portugueses desertaram para se juntar à então Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), conforme revelou o site O Observador. Em março de 1963, o então 1° Tenente Jacinto Soares Veloso, acompanhado do amigo e farmacêutico João dos Santos Ferreira, roubaram um T-6 Texan II da Força Aérea Portuguesa, fugindo com a aeronave pela fronteira da atual Tanzânia, onde se juntou a FRELIMO.

Ambos eram contrários ao conflito que ocorria em terras africanas e ao regime político que vigorava em Portugal, então chefiado por Antonio Salazar. Nenhuma notícia sobre o ocorrido foi publicada em Portugal, que negou a perda da aeronave e a fuga de dois portugueses, com a história só vindo a ser conhecida tempos depois.

Em 1975, após a retirada das forças portuguesas e consequente independência de Moçambique, Jacinto Soares Veloso viria a ser convidado a assumir o Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), com status de ministro do governo, vindo depois a se tornar conselheiro da presidência para assuntos econômicos. Já o amigo, João dos Santos Ferreira se tornaria ministro da agricultura do país.
Bem longe dali, no Vietnã, em meio a conflitos que tiveram início com a luta contra A tropas invasoras japonesas durante a Segunda Guerra e depois, contra os colonizadores franceses nos anos 1950, Vietnã do Norte e seu vizinho do Sul travavam a uma batalha fraticida entre 1955 e 1975. Durante esse período, em 1962, dois Tenentes da então Força Aérea Sul-vietnamita, Nguyen Van Cu e Pham Phu Quoc tomaram parte de uma tentativa de golpe contra o presidente do país Ngo Dinh Diem.
Ambos pilotos utilizaram aeronaves A-1H Skyraider da Força Aérea do Vietnã do Sul, armados com bombas de 500 lbs e seus canhões. A princípio, os pilotos deveriam realizar uma patrulha no Delta do Mekong, porém, logo após decolar rumaram para o Palácio Presidencial em Saigon, onde lançaram suas bombas e permaneceram em órbita por mais de meia hora, continuando a atacar as forças de defesa presidencial com os canhões. Uma das bombas caiu na sala em que Diem estava, mas não explodiu, permitindo que o presidente se evadisse em segurança.

Após os ataques, os pilotos rebeldes rumaram para o Camboja. O avião de Phu Quoc, avariado por tiros dos defensores do Palácio, fez um pouso forçado no Rio Saigon, sendo preso em seguida. Já Van Cu, conseguiu levar seu Skyraider até o Camboja, onde solicitou asilo. Em 1963, após a queda do governo de Diem, ambos seriam perdoados e retornariam à Força Aérea Sul-Vietnamita. Apesar de não serem desertores, de fato, esse caso abriu caminho para uma série de militares insatisfeitos trocarem de lado ou lutarem pra dissolução do governo Diem, acelerando sua queda.
Além deles, outros pilotos passariam efetivamente para o “outro lado”, já próximo ao fim do conflito. Em novembro de 1973, o Tenente Ho Duy Hung desertou com um helicóptero UH-1, matrícula 60-139, levando-o até uma área controlada pelo Vietcong. O helicóptero seria desmontado e enviado para análise em Hanói, com Hung se tornando instrutor junto as forças do Vietnã do Norte. O caso foi considerado uma perda significativa, já que Hung era parte da inteligência do Vietnã do Sul.

Já em 1975, em meio as turbulências que levariam ao fim do regime sulista e vitória do Vietnã do Norte, o Capitão Nguyen Thanh Trung roubou uma aeronave F-5E armada com 4 bombas de 500 lbs e, outra vez, bombardeou o Palácio Presidencial em Saigon, rumando para o Norte com sua aeronave logo após.

Trung serviria à Força Aérea do então Vietnã unificado até 1990, quando passou a atuar na aviação civil, pilotando para a Vietnã Airlines. Em 2005, Trung foi responsável por comandar o 777 da empresa que levou o então presidente Trán Dúc Lúóg a uma visita oficial aos EUA.
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