Pesquisar este blog

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Pode a indústria européia criar um novo caça?

 


Recentemente foi anunciado que a industria germânica e francesa estão prestes a assinar um acordo para um novo caça europeu. Pode a industria européia voltar a produzir um avião sem esbarrar nos interesses nacionais?

Após o cancelamento do TSR BAC em 1965, foi sugerido que a RAF comprasse 50 jatos General Dynamics F-111K e 100 AFVG, a proposta anglo-francesa de geometria variável para um caça multifuncional. Os problemas que este projeto enfrentou ilustram os três principais obstáculos que ainda enfrentam o desenvolvimento dos caças europeus:

  • O marketing agressivo dos EUA apoiado pelo poder político (soft power);
  • A incapacidade da Grã-Bretanha de tocar sozinha algum programa;
  • A insistência da França em fabricar seus próprios equipamentos militares;

O F-111 era visto como uma alternativa de menor custo e menor risco para o programa TSR.2, mas já em 1965 o governo britânico estava ciente de que o programa F-111 dos EUA estava tendo sérios e caros problemas de desenvolvimento. Especialistas britânicos que visitaram a fábrica da General Dynamics e avaliaram a aeronave. Eles notaram que os sistemas high-lift (especialmente os slats de ponta) eram inadequados para as condições extremas do voo a baixo nível. Este era um problema alarmante, já que era exatamente o tipo de voo para o qual o F-111 fora concebido para fazer. O desenho da entrada de ar do motor era terrível e o motor estava propenso a parar. A General Dynamics solicitou a assistência do Royal Aircraft Establishment (RAE) da Grã-Bretanha para resolver o problema do alto consumo de combustível.

BAC TSR.2

Antes de o TSR.2 ter sido cancelado, ingleses e franceses estavam considerando colaborar no desenvolvimento de um caça de geometria variável.

O AFVG era um jato de ataque multi-função projetado com formidáveis capacidades. Além das variantes terrestres para a RAF e a Armée de l’Air, elas estariam disponíveis em variantes compatíveis com os porta-aviões da Marinha britânica e francesa. Era para ter um raio de ação de 950 km quando configurado para o papel de ataque ou reconhecimento, uma velocidade máxima de mais de Mach 2 e um teto de 18.000 m. Seria propulsado por dois SNECMA/Bristol Siddeley M45G. Este era um turbofan novo que foi usado, em sua versão M45H, para o avião VFW-Fokker 614.

Nos estágios iniciais do projeto, os franceses queriam que a missão de ataque fosse priorizada; os britânicos, por outro lado, queriam que ela fosse ponderada em direção à missão de caça. Em 1966, essa posição se inverteu: a Grã-Bretanha comprou o F-4 Phantom alegando que o caça norte-americano atendia as necessidades da RAF e a França deixou a OTAN.

F-111K
P.106

A equipe de design era composta por membros da Dassault e da BAC. Os designers experientes e qualificados foram dedicados e trabalharam num espírito de respeito mútuo; o mesmo não pode ser dito dos funcionários envolvidos no projeto. A fricção entre os dois maiores países da aviação da Europa era comum, e os britânicos ficaram desconfiados das autoridades francesas, acreditando que isso favorecia as ofertas francesas em detrimento dos esforços de colaboração. Enquanto isso, os custos do AFVG estavam subindo.

A desconfiança britânica mostrou-se correta quando se descobriu que a Dassault trabalhava secretamente em seu próprio caça de geometria variável. Na verdade, o Mirage G8, um demonstrador de tecnologia, estava sendo preparado para voar. Os britânicos ficaram furiosos com essa duplicidade. Funcionários da embaixada britânica e funcionários do projeto foram confrontar Bloch, chefe da Dassault, e co-presidente do comitê anglo-francês, Lecamus. A equipe francesa negou conhecimento do projeto, mas os ingleses foram insistentes. Lecamus sabia que o jogo estava acontecendo e disse a Bloch em francês: “Não é bom, eles sabem”. Eles não admitiram, no entanto, a existência do Mirage F.1, outra ameaça ao projeto. Logo depois, em junho de 1967, a França saiu do AFVG citando o aumento do custo como a principal razão. A França perseguiu seus próprios projetos de geometria variável por um curto período de tempo e depois os cancelou. Mais tarde, o F-111K também foi cancelado.

Enquanto isso, do outro lado do canal, o AFVG se tornou o UKVG, um projeto britânico. No entanto, a cultura havia se afastado de aeronaves produzidas 100% pela industria local e o UKVG recebeu pouco financiamento. A Grã-Bretanha enviou uma delegação ao Canadá para perguntar se poderia se juntar às enormes discussões de substituição do F-104G com a Bélgica, Canadá, Holanda, Alemanha e Itália. Essas nações ficaram um pouco ofendidas por um não operador do F-104 se juntar a essas conversas, mas relutantemente deixaram os britânicos entrar com o “status de observador”. O real motivo da Grã-Bretanha pode ter sido a tentativa de cooptar essas nações para co-desenvolver seu UKVG, que com o apoio internacional tornou-se o MRCA (aeronave de combate multi-função). A Alemanha, a Itália e os Países Baixos aderiram ao projeto (embora este último tenha logo desistido). O Canadá e a Bélgica estavam irritados com os britânicos destruindo suas tentativas de obter um caça barato. Os britânicos queriam desenvolver um tipo muito mais sofisticado e, portanto, mais caro. O MRCA acabou sendo batizado de Tornado e permanece em serviço até hoje, quatro décadas depois.

Tornado Versus Typhoon

O Tornado foi tão bem-sucedido, que prejudicou o potencial do projeto Typhoon – como o Tornado ainda é uma plataforma viável de ataque ao solo – a Grã-Bretanha, Alemanha e Itália protelaram demais para desenvolver o potencial de ataque ao solo do Typhoon, algo que afetou as vendas externas. Ainda hoje, a Eurofighter está se gabando de que o Typhoon está sendo integrado com armas que o Tornado vem carregando há uma década. Além do equipamento superior, a Força de Tornado da RAF tem as tripulações mais experientes (em suporte aéreo de asa fixa) na Europa. A entrada em serviço do F-35 só tende a prejudicar as exportações do Typhoon.

Com medo de ir sozinho

A história do AFVG destaca as diferenças culturais no desenvolvimento de aeronaves militares britânicas e francesas: a indústria britânica não tem permissão para agir sozinha, e a França teme que sua indústria de aviação caia em mãos internacionais.

Não há vantagens de custo para o desenvolvimento colaborativo de uma aeronave, apesar das muitas vezes isso ser reivindicado. A vantagem é que, quando estão em movimento, são mais difíceis de cancelar. Geralmente, eles também são mais difíceis de exportar. O custo total para o contribuinte britânico do Typhoon é o mesmo que os franceses pagaram pelo Rafale – entre 50 e 60 bilhões de euros.

TKF90

O governo britânico está feliz em pagar por dois tipos de desenvolvimento de aeronaves militares nacionais: coisas familiares (Nimrod, Hawk, etc) e coisas desconhecidas (UCAVs, já que não se tem certeza do que são).

Apesar da Grã-Bretanha ter a base tecnológica necessária para desenvolver suas próprias aeronaves, só é permitido trabalhar em uma equipe internacional. Alguns podem perguntar se desperdiçar essa capacidade é uma boa ideia (até mesmo a China e a Índia lutam para produzir aviões avançados genuinamente nativos). Mas da mesma forma, pode-se argumentar que a noção de nação é, na melhor das hipóteses, uma irrelevância. A Lockheed, cujo domínio da tecnologia e relações públicas é incomparável, adotou uma abordagem estranha e poderosa com o F-35: todas as coisas são para todos – americanos ou colaboradores, dependendo de quem pergunta.

Com o sucesso do Gripen E no Brasil, é fácil imaginar se o BAe P.106 poderia ter se tornado uma aeronave ainda mais bem-sucedida. O BAe P.106 de 1980 foi um estudo britânico para um modelo muito semelhante ao Gripen. Se isso pudesse ter sido desenvolvido com a mentalidade única demonstrada pela França com o Rafale, poderia ter resultado em uma aeronave muito mais exportável do que o Typhoon.

Olhando para Rafale e Typhoon juntos em voo, ambos são semelhantes. Na sequência de um exercício conjunto, um piloto de Typhoon da RAF foi questionado sobre a seguinte celeuma: quem é o melhor? Typhoon ou Rafale? Ele respondeu que são aeronaves muito semelhantes. O desenvolvimento paralelo de uma aeronave similar é um enorme desperdício, embora o que você conclua disso dependa do seu viés. Um francês observou que, se as nações do Eurofighter se juntassem ao Rafale, dividissem os custos e enviassem seus designers/operários para a França, uma fortuna teria sido salva. Embora isso fosse difícil para as nações não francesas engolirem.

Uma das razões para o sucesso do Gripen são as modestas instalações de produção que ele usa. A Eurofighter e a Dassault investiram em instalações modernas extremamente caras para produzir seus caças. Este nível de ambição é caro, especialmente no caso da França, onde a quantidade de aeronaves produzidas é baixa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário