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sexta-feira, 13 de setembro de 2024

M.B.326/CA-30/Impala/AT-26 Xavante



Primeiro avião a jato a ser fabricado no Brasil e a aeronave existente em maior número na FAB, o Xavante é um membro da família M.B.326, que se originou na Europa — na Itália — e se expandiu por três outros continentes.

O M.B.326 foi idealizado em meados da década de 1950, e com ele a Aermacchi entrou na concorrência pelo mercado de jatos de treinamento no âmbito da OTAN. A empresa francesa Fouga foi a vencedora, com o CM.170, mas a Força Aérea italiana (Aeronautica Militare Italiana – AMI) decidiu encomendar o M.B.326. Estava aberto o caminho para vinte anos de exportação e fabricação sob licença em três países.

Os dois primeiros protótipos voaram em dezembro de 1957. O motor escolhido foi o turbojato Rolls-Royce Bristol Viper 8, de 795 kg de empuxo. A fuselagem era semimonocoque, toda de metal; as asas eram médias, em balanço (cantilever), também completamente de metal, com duas longarinas e revestimento ativo. Essas asas eram constituídas de três partes, e a central era integrada com a fuselagem. O avião era projetado para cargas de vôo entre +8 e -4g e levava um freio aerodinâmico de acionamento hidráulico na parte inferior da fuselagem. Havia a opção de equipar o trem de pouso (triciclo) com pneus grandes, de baixa pressão, para pistas semi-preparadas.

Os assentos ejetáveis foram colocados em linha, mas o de trás ficava no mesmo plano do dianteiro. A cabine era pressurizada. Os 782 litros de combustível levados em dois tanques flexíveis na fuselagem eram complementados por 240 litros contidos em dois tanques fixos na ponta das asas. Podiam ainda ser colocados dois tanques ejetáveis sob as asas, cada um com 305 litros. Os aviônicos eram simples, mas, para exportação, eram opcionais sistema de navegação aerotática (TACAN) ARN-65, radiofarol onidirecional/sistema de pouso por instrumentos (VORIILS) Collins 51RV-1, radiogoniômetro (ADF) Marconi AD.722 ou Collins DF-203 e equipamento de identificação amigo ou inimigo (identify friend or foe – IFF) Bendix TRA-61C.

Como o segundo protótipo, os exemplares iniciais de série tinham motor mais potente, Viper 11 Mk 22, de 1 134 kg de empuxo. O primeiro avião de um lote de quinze encomendados voou em outubro de 1960, e a AMI assumiu o compromisso de comprar 100 unidades. Em janeiro de 1962 o M.B.326 entrou em serviço, na Escola de Vôo Básico Inicial em Jatos (SVBIA), onde permaneceu corno aeronave oficial de instrução até 1981, quando foi substituído pelo M.B.339. Nesse período, foram realizadas 400 000 horas de vôo, no treinamento de 1.728 pilotos italianos e 145 estrangeiros. Entre os exemplares comprados pela AMI estavam dez M.B.326E para treinamento com armas.

CA-30

O outro grande operador da versão de treinamento, sem armas, foi a Austrália, com 97 exemplares do M.B.326H distribuídos entre a Força Aérea e a Marinha. A maior parte desses aparelhos foi construída no próprio país, pela Commonwealth Aircraft Corporation, sob a designação CA-30.


O equipamento padrão dos aviões australianos incluia TACAN, ADF e UHF. A principal unidade que operou o tipo foi o Esquadrão de Treinamento de Caças, em Pearce. Lá os alunos recebiam um curso de 35 semanas em que voavam 120 horas, depois de fazerem treinamento primário em avião com motor a pistão. Graças a um programa de extensão de vida útil (LOTEX), os M.B.326H ficaram em serviço até 1999. Em 82 exemplares foram instalados novos componentes de asas, fuselagem e deriva; também foram feitos melhoramentos na cabine e nos aviônicos. Descobriu-se depois que a colocação de novo revestimento sobre as longarinas das asas alterava o perfil do aerofólio e modificava o desempenho do avião, com perda de sustentação e emperramento dos ailerons. Esses problemas foram sanados pela instalação de 75 pequenos geradores de vórtices sobre o bordo de ataque de cada asa.

O modelo armado

A Aermacchi desenvolveu o M.B.326B, combinando as funções de treinamento e de ataque ao solo, graças a seis pontos para cabides subalares. Quando armado, esse modelo normalmente só levava o piloto. O peso máximo do avião é de 4.536 kg, bem mais que os 3.765 do M.B.326. A variante B podia levar dois tanques alijáveis de 257 litros cada e contava com a opção de duas metralhadoras internas de 7,7 mm. Entre as cargas operacionais típicas estavam seis bombas de 118 kg; dois casulos com metralhadora de 12,7 mm, com trezentos cartuchos, e quatro casulos Matra 122, com sete foguetes de 68 mm cada; doze foguetes de alta velocidade (HVAR) de 127 mm, ou um casulo com metralhadora, um casulo de reconhecimento Vinten, com quatro câmaras de 70 mm, dois tanques alijáveis e tanques grandes para as pontas das asas.

Concepção artística de um “K”

A mudança para o motor Viper 20 Mk 540 elevou o empuxo para 1.547 kg e melhorou bastante as vendas do avião.

A variante M.B.326G voou em meados de 1967, conservando as capacidades de treinamento/ataque, mas com numerosas modificações na célula reforçada. A envergadura (incluindo os tanques) aumentou em 28 cm; embora os ailerons tenham continuado de acionamento manual, o leme recebeu um compensador de acionamento elétrico, para complementar os dispositivos desse tipo já em uso nos profundores. Entre os outros melhoramentos praticados estava a inclusão de ar-condicionado, de aquecimento das entradas de ar e de um amplo leque de aviônicos, de acordo com as necessidades do comprador.

O M.B.326 é um avião de treinamento dócil de controlar, mas podia ser convertido rapidamente em um potente aparelho de ataque ao solo, para operações como o combate a guerrilheiros. De fato, ele foi um dos primeiros aviões biplaces de treinamento que deram origem a variantes monoplaces otimizadas para ataque. O principal operador da família foi a África do Sul, que usou seus lmpala em ações de guerra. A Argentina também usou os seus na guerra de 1982, mas de forma mais contida.

Com o peso máximo aumentado para 5.215 kg, o M.B.326G podia levar até 1.960 kg de armamento, se os tanques das pontas das asas e o assento traseiro fossem retirados. Tanques alijáveis maiores, de 332 litros, aumentavam a carga máxima de combustível para um total de 2.056 litros.

Equipado com mira SFOM 83 ou Ferranti LFS 5/102A (giroscópica), o M.B.326G encontrava compatibilidade com ainda mais armamentos: dois mísseis ar-superfície (ASM) Aérospatiale AS.11 ou AS.12; dois casulos Matra SA-10, com um canhão ADEN de 30 mm e 150 cartuchos; dois conjuntos LAU-3/A com dezenove foguetes de 69,85 mm, com estabilizadores escamoteáveis (FFAR), e dois conjuntos de oito foguetes Hispano-Suiza SURA, de 80 mm; duas bombas de 227 kg e oito foguetes HVAR de 127 mm; dois casulos com metralhadora de 12,7 mm, dois casulos SUU-11, com Minigun de 7,62 mm e 1.500 cartuchos, além de dois conjuntos de seis foguetes SURA, de 80 mm, e duas Miniguns, duas bombas de 227 kg e dois conjuntos Matra 361, cada um com 36 foguetes FFAR de 37 mm.

No Brasil, o Xavante

Em maio de 1970, a EMBRAER assinou um acordo de licença com a Aermacchi para fabricar o M.B.326G no Brasil. Foram comprados dois aparelhos italianos, e em 3 de setembro de 1971 voou o primeiro AT-26 Xavante. Designado EMB-326GB pela EMBRAER e M.B.326GC pela Aermacchi, o Xavante tinha um sistema VOR/ILS Collins e ADF Bendix, além de uma ampla gama de armamento brasileiro. Entre as armas levadas pelo avião estavam bombas de 113 kg e de 227 kg; casulos com duas metralhadoras de 7,62 mm; casulos com sete foguetes de 70 mm com estabilizadores escamoteáveis; casulos LM-70/19, com dezenove foguetes cada, e casulos LM-37/36, com 36 foguetes SBAT de 37 mm.

Na Força Aérea Brasileira, o AT-26 serviu na função de ataque ao solo, em esquadrões de combate, e como avião de treinamento, no Centro de Aplicação Tática e Recomplementação de Equipagem (CATRE), em Natal. Naquele centro, os pilotos voavam cem horas antes de serem transferidos para uma unidade de linha de frente equipada com AT-26. O 182º e último Xavante foi entregue pela EMBRAER em 25 de fevereiro de 1983. Foram exportados dezesseis exemplares: dez para o Paraguai e seis para o Togo. Onze aeronaves foram emprestadas para o Comando de Aviaión Naval Argentino em 1982, a fim de repor as perdas de M.B.326 decorrentes do conflito com a Grã-Bretanha. O término da produção do Xavante marcou também o fim da fabricação do M.B.326 em todas as suas formas, somando 761 aviões. A Aermacchi construiu (ou entregou sob a forma de kits completos) 321 exemplares.

No final de 2010 a FAB retirou os últimos Xavantes de serviço.

Na África do Sul, o Impala

A produção inicial na África do Sul foi do modelo Atlas Impala Mk 1, também conhecido como M.B.326M. Semelhante ao primeiro treinador armado, com envergadura menor, o Impala Mk 1 tem o motor mais possante Viper Mk 540 do M.B.326G. A licença de fabricação foi concedida em 1964, e dois anos depois chegaram dezesseis aviões feitos na Itália, desmontados, em kits. O Impala biplace era empregado pela equipe acrobática nacional, por esquadrões de apoio aproximado e pela Escola de Treinamento em Jatos nº 83. Nesta última unidade os alunos tinham 125 horas de instrução no Impala Mk 1, depois de passarem por um período equivalente voando com aparelhos North American T-6.

Variante M.B.326K, otimizada para apoio aproximado. Os aviões desse tipo podiam levar seis bombas de 227,kg nos cabides subalares, além de terem dois canhões internos de 30 mm nos lados do nariz. Essa versão era produzida na Africa do Sul, com a designação Atlas lmpala Mk 2.

Depois de fabricar 151 Mk 1, a Atlas produziu noventa, talvez cem, Impala Mk 2 (versão do M.B.326K). Bem diferente das outras variantes, o M.B.326K era um avião de ataque monoplace baseado no M.B.326GB, mas com um turbojato Viper 632-43, de 1.814 kg de empuxo, e capacidade interna de combustível de 1.660 litros. Dois dos seis cabides subalares tinham tubulação para receber um tanque alijável de 340 litros. O peso máximo foi elevado ainda mais, para 5.670 kg. O armamento era semelhante ao das outras versões, podendo atingir um máximo de 1.814 kg, mas com a adição permanente de dois canhões DEFA 553 de 30 mm. Por causa das maiores cargas aerodinâmicas impostas pelo regime de ataque leve, os ailerons passaram a ter atuação hidráulica.

O primeiro de dois protótipos do M.B.326K voou em agosto de 1970, provisoriamente com motor Viper Mk 540, que continuou a ser usado no Impala Mk 2. Em 1973, a Aermacchi lançou o M.B.326L, um modelo biplace compatível com o K, usando, como ele, o assento ejetor Martin-Baker WY-6A zero/zero. No M.B.326K, a posição traseira da cabine simplesmente era coberta, de modo que a passagem para monoplace não implicou alteração do comprimento da fuselagem. A produção do Impala Mk 2 terminou em 1982, três anos depois do último dos M.B.326KD/LD feito pela Aermacchi ter sido entregue ao Dubai.

Em combate

Considerado um avião versátil no combate a guerrilhas, o M.B.326 só esteve em combate real a serviço da Força Aérea da África do Sul. Os Impala Mk 2 foram muito usados nas incursões sul-africanas contra a Organização do Povo da África do Sudoeste (SWAPO) na Namíbia e em Angola, inclusive em missões noturnas, embora os aviões não tivessem equipamento para aquisição de alvos, como radar ou sensor infravermelho.

Um Impala chegou a voltar de uma missão com a ogiva não detonada de um SAM SA-9 alojada no duto de escape.


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M-346 – Um eficaz e acessível guerreiro multifuncional

 

M-346 Um eficaz e acessível guerreiro multifuncional
O Leonardo M-346, é um avião biturbina e biposto oferecido em dois modelos: treinamento avançado para pilotos (Advanced Jet Trainer — AJT) e de combate (Fighter Attack — FA).



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Muitos leitores solicitaram um texto com mais dados sobre o FA 346 que completas-se a matéria “Notas Estratégicas FAB – Hora de decidir por um novo avião de combate

Republicamos a matéria publicada originalmente em Maio 2022, há exatos dois anos.

O Editor


O Leonardo M-346, é um avião biturbina e biposto oferecido em dois modelos: treinamento avançado para pilotos (Advanced Jet Trainer — AJT) e de combate (Fighter Attack — FA).

O aparelho foi testado pelo comandante da Aeronáutica brasileiro, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, no dia 28 de abril, em sua visita ao 61° Stormo, sediado na Base Aérea de Lecce-Galatina. A unidade da Aeronáutica Militar Italiana tem como objetivo dar aos pilotos as capacidades indispensáveis para operar caças de quarta, como o Eurofighter Typhoon, e de quinta gerações, o Lockheed-Martin F-35.

Icônica foto de duas aeronaves em uma: a da esquerda é o M346 Fighter Attack – FA, com algumas de composições de armamentos e PODS que pode levar e a da direita o M346 Advanced Jet Trainer — AJT. Foto Leonardo

DefesaNet teve contato com as duas versões do M-346 na histórica fábrica de Venegono (Ver Nota 1). A planta ainda produz em uma segunda linha de montagem o M-345, um treinador monomotor leve que emprega um turbofan e que concorre na faixa de preço e custo operacional dos treinadores avançados a turboélice, como o Pilatus PC-21.

É preciso ressaltar que as versões de treinamento avançado e de combate leve do M-346 compartilham a mesma célula com sistema de reabastecimento em voo e previsão estrutural para a instalação de pontos duros para carregar armas e combustível. Também estão previstos pontos de passagem para o cabeamento para a instalação do radar Grifo M-346 e equipamentos de alerta contra radar (RWR — Radar Warning Receiver), de aproximação de mísseis (MAW — Missile Approach Warning) e despistador de mísseis guiados por radar ou infravermelho (Chaff & Flare Dispenser). Desta maneira, os custos e tempo necessários para um eventual upgrade são reduzidos.

M-326 FA com mísseis Sidewinder AIM-9L, Bombas guiadas Lizard e tanques de combustivel Foto Alessandro Maggia

O projeto segue a filosofia de operação em rede (netcentric) e as duas versões empregam um sistema de conexão de dados para comunicação em duas vias comandado por computador (datalink). A célula do M-346 está homologada para suportar 8 G (gravidades de força (o F-39 Gripen E/F foi desenhado para uma carga de 9 G). A fuselagem abriga um cockpit com dois postos de pilotagem em tandem. A cabine do instrutor está localizada no posto traseiro em posição elevada, o que permite ampla visibilidade sobre o posto anterior, ocupado pelo aluno. O painel de bordo é digital e está separado em três visores e HUD duplo.

O avião possui dois motores turbofan Honeywell F124-GA-200 com 2.850 kg de empuxo, uma potência superior à do Northrop F-5EM em pós-combustão (dois turbojatosGeneral Electric J85-GE-21B com 2.267 cada) e à do AMX (um Rolls&Royce Spey de 5.009 kg de empuxo).

Economia

Graças ao uso de um software de controle de voo (FCS) e de um sistema de hardware digital (Fly By Wire) de quatro canais, com ampla redundância, o M-346AJT é capaz de emular as características de aviões de combate ou de transporte pesado, o que flexibiliza as operações de instrução, mas esta não é a única vantagem oferecida pelo produto da Leonardo: o avião é parte de um sistema amplo que inclui integração com simuladores de voo.

Um aluno pode participar de uma missão real, como ala, a partir do simulador. Também é possível coordenar vários simuladores entre si e com um avião no ar. Desta forma, ganha experiência sem custo de combustível até estar capacitado a voar o equipamento em ambiente real.

A fábrica em Venegono abriga o centro de desenvolvimento dos simuladores. Os engenheiros optaram por modelos sem movimentação axial por um motivo simples: a mecânica é incapaz de reproduzir a sensação imposta pela gravidade. Desta forma, o piloto não adquire vícios que poderiam ser perigosos em situações reais.

Como treinador de caça avançado (Lead-in fighter training — LIFT), o M-346AJT utiliza aviônicos e capacidade de gerenciamento de armazenamento que emulam aviões de combate operacionais. Por meio de um datalink, recebe informações compartilhadas por outras aeronaves ou estações localizadas em terra, o que inclui imagens de radar em tempo real. Situações como ataques por mísseis guiados por infravermelho ou radar, ar-ar ou antiaéreos, podem ser respondidos por contramedidas eletrônicas simuladas.

As vantagens econômicas são expressivas. O custo da hora/voo corresponde a menos de 25% por cento do custo de operação de um de caça ou aparelho de combate. Recentemente, na oferta feita ao governo da Áustria, a SAAB estipulou a hora/voo do Gripen C/D em 28 mil euros. A Leonardo constatou que o valor correspondente do M-346AJT é entre US$ 5 mil a US$ 6 mil. Com base nestes valores, a Força Aérea da Alemanha decidiu transferir uitas de suas atividades de treinamento avançado para a Aviação Militar Italiana enviando muitos de seus pilotos, apesar de não ter comprado o avião. Um M-346FA pode ser adquirido por menos de 30% do preço de um Gripen E.

Ataque ao solo e combate aéreo

A versão armada, batizada de M-346FA, é equipada com um radar Grifo M-346. Trata-se de um aperfeiçoamento do modelo empregado pelos F-5EM/FM modernizados pela Força Aérea Brasileira. Além de realizar as missões de treinamento realizadas pela versão básica, o aparelho é capaz de cumprir missões em modos de ataque ao solo, de policiamento do espaço e de defesa aérea a um custo bastante reduzido e uma carga útil respeitável: 3 toneladas, equivalente à do Gripen C/D adotado pelas forças aéreas da Suécia, África do Sul, Chéquia (ex-República Checa), Hungria e Tailândia.

A versatilidade do M-346FA é exemplificada nesta imagem. Com mísseis Ar-Ar Iris-T (também serão usados no Gripen F-39 E/F) e bombas guiadas Lizard e bombas MK-82 Foto Leonardo

Uma grande lista de armas e sistemas foi integrada ao modelo incluindo equipamentos de guiagem; canhão de 20 mm; mísseis de combate aéreo e de ataque ao solo; bombas guiadas a laser e por GPS; bombas burras e lançadores de foguete (Nota 2). As duas versões do M-346 estão capacitadas e homologadas para levar três tanques de combustível de 630 litros e para realizar operações de reabastecimento em voo. . Leonardo detém toda a propriedade intelectual do software e pode adaptar a configuração às necessidades do cliente.

Um jato de baixo custo

O modelo de treinamento da Aeronáutica Militar Italiana emprega o SF-260, um clássico aparelho monomotor a pistão, como treinador primário. No Brasil, este papel cabe ao T-25 Universal. O aluno, então, parte para o M-345 (no Brasil, o T-27 Tucano) antes de finalizar o curso no M-346AJT. Na Força Aérea Brasileira, a fase final de adestramento é realizada no AT-29 Super Tucano, um avião turboélice extremamente bem sucedido como aeronave de ataque, mas que, devido ao torque excessivo em virtude do motor Pratt & Whitney Canada PT6A-68C de 1.600 shp de potência, apresenta alguns problemas como treinador avançado.

O M-345 está equipado com um motor turbofan Williams FJ44-4M-34 com 1.540 kg de empuxo. O cockpit segue o mesmo padrão do M-346AJT. O modelo foi adotado pela Aeronáutica Militar Italiana também como substituto do MB-339 no Freccia Triccolore, o esquadrão nacional de demonstração de acrobacias. Apesar de ser uma solução de baixo custo, o aparelho, por meio de datalink, usufrui do mesmo modelo de integração com os simuladores empregado pelo M-346 e possui cinco pontos duros para tanques subalares e armamento. A capacidade de carga é superios à 1 tonelada. Uma metralhadora de 20 mm pode ser instalada sob as asas. O mesmo ponto pode ser empregado para casulos de guerra eletrônica ou de aquisição de alvos.

High-low

A Força Aérea Brasileira persegue, há alguns anos, a filosofia de emprego de apenas um vetor de combate. Em teoria, isto facilitaria o fluxo de manutenção por meio de uma linha de suprimento única. Por outro lado, aumenta o risco do corte de peças de reposição em uma crise. O SAAB F-39 Gripen E/F foi adquirido pelo baixo custo operacional (que precisa se confirmar na prática).

As previsões mais otimistas apostam em uma hora/voo de US$ 20 mil, cerca do dobro da apresentada pelo Northrop F-5EM, que, aos 50 anos, se aproxima da hora da aposentadoria. A aquisição de um aparelho de treinamento de caça avançado implica em um menor uso do vetor principal, o que implica em aumento da disponibilidade e da expectativa de vida dos principais meios de uma força aérea, além das óbvias vantagens econômicas apresentadas por uma hora/voo de somente US$ 5 mil dólares.

A disposição do dos tripulantes permite uma ampla visão Foto Leonardo

Apostar em um vetor também implica em alguns riscos. Quando ocorre um acidente, toda a frota do mesmo modelo é obrigada a permanecer no solo enquanto a investigação das causas não é fechada. Ou seja: é bom ter uma alternativa nestes momentos. Por último, o emprego do AT-29 Super Tucano como LIFT não é adequado em virtude dos vícios inerentes a uma célula turboélice com forte torque, o que pode resultar em reflexos inadequados no processo de transição para um caça supersônico de 4,5 geração.

A versão M-346FA, além disto, soma todas as vantagens de um sistema de treinamento com forte suporte de simuladores com as de um avião de combate bem armado, capaz de reabastecimento em voo e com alta consciência situacional, o que é indispensável para missões de proteção do espaço aéreo, apoio a forças de terra ou marítimas. A aquisição de um vetor adicional de baixo custo para suplementar o F-39 Gripen E/F traria novas capacitações à FAB e não inviabiliza a compra de um segundo lote do caça sueco. Traria a possibilidade de um maior número de aeronaves para aumentar a cobertura do território nacional, o mesmo papel ocupado pelo AT-26 Xavante no passado. Barato não é antônimo de sofisticado.


Nota 1: Sob a direção do engenheiro Mario Castoldi, a Macchi projetou e fabricou aviões de recorde e de corrida que marcaram as décadas de 1920 e 1930. O hidroavião MC72 bateu o recorde de velocidade em 1934. A empresa foi responsável pela fabricação de caças durante a Segunda Guerra Mundial. Os caças Macchi MC202 Folgore e MC205 Veltro, junto com o FIAT G.55, foram considerados os melhores aviões de combate italianos durante o conflito. Um exemplar do MC205 está exposto na entrada do prédio administrativo em Venegono.

Entre os anos de 1960 e 1970, já rebatizada de Aermacchi, sob a orientação do engenheiro Ermanno Bazzocchi, desenvolveu o treinador avançado a jato MB-326, que teve um grande sucesso no mercado por suas qualidades de voo e baixo custo operacional. Ao todo, foram construídos em Venegono 778 aparelhos, vendidos para treze países. Ele deu origem ao primeiro avião de combate construído em série pela EMBRAER, o AT-26 Xavante, que formou a base da Força Aérea Brasileira (FAB) nos anos 1970 e 1980 e criou um forte laço entre Brasil e Itália. A planta de São José dos Campos produziu 176 unidades para o Brasil, dez para a Força Aérea Paraguaia e seis para a Força Aérea Togolesa. O aparelho também foi fabricado sob licença na África do Sul e na Austrália. Um MB-326 guarda o portão de entrada em Venegono.

MB 326 na FAB – AT-26 4478, 1º Grupo de Aviação de Caça (foto Base Aérea de Santa Cruz via Arquivo A. Camazano A.)

O MB-339 é um desenvolvimento direto do MB-326. Uma nova fuselagem foi construída para aumentar o campo de visão do instrutor sobre o aluno. Ao todo, 260 unidades equiparam cinco forças aéreas, inclusive a Aeronáutica Militar Italiana.

Atualmente a FAB opera o AMX que é um produto ítalo-brasileiro e que tem dado excelentes resultados operacionais  e foi um fator de excelente impulso para a indústria aeronáutica brasileira.

AMX em operação na FAB

O M346FA pode ser considerado um sucessor natural do AMX, que está chegando ao final de sua vida útil. A comunallidade entre o M346AJT e o M346FA pode criar no futuro uma comunidade de frotas entre AJT e FA com otimização de recursos financeiros e manutenção da formação de pilotos em excelente nível de eficiência, com impacto no desempenho de ambos CAS / operações de COIN e para a gestão de rentabilidade e treinamento para Gripen F-39E/F

Nota 2: A versão M-346FA está equipada com um radar de uso múltiplo Grifo-M346, fabricado pela Leonardo Electronics, otimizado especificamente com um IFF (Identification Friend or Foe — identificação amigo ou inimigo) para missões de combate aéreo ou ataque ao solo. A FA Version pode ser equipado com um Datalink Tático (Tactical Datalink) que pode ser tanto  integrado ao sistema LINK 16, padronizado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN); uma versão Non-NATO também está disponível. Casulos externos para reconhecimento, contramedidas eletrônicas, para designação de alvos e para simulação de combate estão disponíveis. O aparelho possui sete pontos duros para cargas externas.

Armamentos integrados (Nota DefesaNet – itens marcados compem o arsenal do Gripen F-39E/F)

Nota DefesaNet

Mísseis para combate aéreo

• AIM-9L ou IRIS-T. Possível integração de mísseis de médio alcance.

Míssil de ataque ao solo:

• Brimstone

Bombas guiadas

• GBU-12/16 (500/1000 libras) Paveway II LGB

 Lizard 2 LGB (500 libras)

• GBU-38/32 (500/1000 libras) JDAM

• GBU-49 (500 libras) Enhanced Paveway II GPS/LGB

• Lizard 4 (500 libras) GPS/LGB

• Small Diameter Bomb (SDB)

• TEBER (250 libras) GPS/LGB

• SPICE (250 libras) EO/GPS

Sistemas tradicionais de ataque ao solo:

• Casulo para canhão de 20 mm ou 30 mm

• MK.82FF (500 libras) general-purpose bomb

• MK.82HD Snakeye/MK.83 (500/1000 libras) GPB

• Lançadores de foguete

PODS

M-346 pode carregar os pods de designação de alvos Litening. Também está integrado o pod Reccelite de reconhecimento.

C

Malvinas 38 anos: as ações da 1ª Esquadrilha Aeronaval de Ataque

 

MB339_atacando_Argonaut_pintura_Carlos-Garcia

por Guilherme Poggio

  • O texto a seguir foi originalmente publicado em abril de 2010. Em função do aniversário de 38 anos do conflito vale a pena resgatá-lo para que as novas gerações conheçam melhor a história do conflito

A “1ª Esquadrilla Aeronaval de Ataque”, baseada em Punta Índio, província de Buenos Aires, foi uma das unidades da Aviação Naval argentina que teve seu batismo de fogo durante a Guerra das Malvinas. Em 1982 a unidade estava equipada com jatos de procedência italiana MB.326 e MB.339. O MB.339 é o “irmão mais novo” do conhecido jato EMB.326 Xavante.

A Marinha da Argentina, primeiro cliente do 339, havia adquirido dez exemplares no final de 1980 e transladados no ano seguinte.  Para a função de treinador armado o 339 era capaz de transportar pouco menos de duas toneladas de armamento em seis cabides sob as asas. As aeronaves vieram pintadas nas cores laranja e branco, assim como as aeronaves vendidas ao Peru.

MB339 linha de voo-foto COAN
Foto de 1981 mostrando os dez exemplares estacionados em Punta Indio FOTO: COAN

Em março de 1982 a 1ª Esquadrilha tinha uma baixa disponibilidade, algo em torno de 40%. Após a conclusão da “Operação Rosário”, nome dado à ação de reconquista das ilhas, a 1ª Esquadrilha recebeu ordens para enviar uma divisão de quatro aviões Aermacchi MB.339 para Rio Grande. Rapidamente o esquadrão trabalhou para solucionar os problemas das aeronaves e na primeira quinzena de abril 16 (sendo 10 MB.339) das 17 aeronaves da unidade estavam em condições de voo.

MB339-4-A-118 vermelho e branco
O 4-A-118 exibindo o padrão inicial de pintura para voos de treinamento. FOTO: COAN

Havia a questão da pintura, totalmente incompatível para um combate. As aeronaves receberam uma camuflagem semelhante à utilizada pelos caças Dagger (verde e areia). Os dez MB.339 foram então deslocados de Punta Indio para os aeródromos da porção Sul da Argentina. Em Comandante Espora ficaram quatro aeronaves e as outras seis em Rio Grande.

No dia 24 de abril dois MB.339 (4-A-113 e 4-A-116), em companhia de um BE-200, decolaram de Rio Grande às 9:45h, chegando às 11:15h em Puerto Argentino, como foi renomeada a localidade e o aeródromo de Port Stanley nas Ilhas Malvinas. As aeronaves foram estacionadas fora da pista sobre pranchas de alumínio, próximo à cabeceira 26. Entre os dias 25 e 30 de abril foram feitos três voos de reconhecimento e ambientação sobre a ilha.

MB339 primeiro pouso nas Malvins
Primeiro pouso de um MB.339 em Puerto Argentino. FOTO: COAN

Nas Malvinas os 339 deveriam operar não só na função de reconhecimento armando, mas também no ataque marítimo e no apoio aéreo aproximado. Para esta função optou-se por uma configuração com dois canhões DEFA 553 de 30 mm nos cabides internos (cada pod com capacidade para 120 projéteis) e dois casulos de foguetes Zuni LAU-10/A (quatro foguetes de 127 mm por casulo) nos cabides intermediários.

A tranquilidade do final do mês de abril foi substituída por ações intensas logo no dia 1º de maio. Pela manhã o aeródromo de Puerto Argentino foi atacado por Sea Harrier da Royal Navy e, por sorte, nenhum dos 339 foi atingido. Mas uma das bombas destruiu 30 tambores de combustível JP-1 dos caças.

ataque a puerto argentino
Ataque ao aeródromo de Puerto Argentino. As chamas indicam o local onde era estocado o combustível dos MB.339 FOTO: AP

Ainda naquele mesmo dia os aviões da divisão foram acionados para averiguar dois contatos detectados pelo radar instalado na ilha. Pareciam ser helicópteros, mas nada foi constatado. Os dois MB.339 foram novamente acionados no dia 3 para investigar um “eco de superfície” detectado a 60 milhas no rumo 160º.

Voando rente ao mar e com uma meteorologia totalmente adversa, as duas aeronaves chegaram ao local indicado pelo radar, mas não encontraram nada. Retornando em formação de combate e em baixa altitude, o líder (“Capitan de Corbeta” Molteni) pousou na pista 26. Logo atrás dele vinha o “Teniente de Fragata” (Primeiro-Tenente) Carlos Alberto Benitez, que, de tão baixo, acabou tocando com a ponta da asa em uma pequena elevação do solo. Benitez perdeu o controle da aeronave, mas ainda teve tempo de ejetar-se. Infelizmente, por estar próximo ao solo e com a aeronave inclinada, o pára-quedas não se abriu e o piloto argentino faleceu na queda. A guerra mal havia começado para a 1ª Esquadrilha e ela acabara de perder sua primeira aeronave e seu primeiro piloto.

Diante da situação foram solicitadas novas aeronaves. No mesmo dia do trágico acidente (3 de maio) outros dois MB.339 foram transladados de Espora para Rio Grande. No dia seguinte, pela tarde, dois aviões partiram para Puerto Argentino. Após 12 minutos de voo os pilotos foram alertados de que o aeródromo de Puerto Argentino estava sob ataque e retornaram para o continente. Nos dias subsequentes a atividade aérea inimiga e os navios piquete-radar, associado ao clima desfavorável, impediram a chegada dos reforços à ilha. Somente no dia 15 de maio as duas aeronaves (4-A-112 e 4-A-115) conseguiram pousar em Puerto Argentino.

Uma missão histórica

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MB339_atacando_Argonaut

Na tarde do dia 20 de maio de 1982 um pensamento teimava em não sair da cabeça dos militares argentinos. Quando e onde seria o desembarque britânico? Já havia passado quase um mês desde que as ilhas Geórgia do Sul foram reconquistadas. A ação do dia 25 de abril demonstrou que a vontade da “coroa” em retomar as Malvinas era real.

No aeródromo de Puerto Argentino, oficiais da aviação naval argentina reuniram-se na tarde do dia 20 para o planejamento da missão do dia seguinte. O “Capitán de Fragata” Oscar Manuel Arce, comandande da estação aeronaval, comunicou aos “Tenientes de Navío” (Capitão-Tenente, equivale ao posto de Capitão na Força Aérea) Guillermo Owen Crippa e Horacio Talarico, pilotos de MB.339, que na manhã do dia seguinte (21 de maio) duas aeronaves deveriam sobrevoar a região do estreito de San Carlos. Existiam indícios de que um desembarque inimigo poderia ocorrer naquela região. Porém, não se sabia a dimensão de tal manobra ou se o mesmo seria apenas um desembarque para desviar a atenção.

A missão deveria ser realizada a baixíssima altura, contornando as encostas mais elevadas e utilizando o relevo da ilha como defesa. A partir de Puerto Argentino as duas aeronaves seguiriam para oeste acompanhando a cadeia de montanhas Rivadavia, que atravessava a ilha Soledad de leste a oeste. Próximo ao monte Usborne (ponto mais elevado da ilha) os jatos deveriam seguir por um vale que os levaria direto para San Carlos.

componentes da esquadrilha de ataque nas malvinas
Membros da 1ª Esquadrilha de Ataque no interior do apertado hangar de Puerto Argentino

Na manhã do dia 21 o tempo estava encoberto sobre as ilhas. O teto estava baixo e havia neblina e garoa localizada. Não era o melhor dia para se voar, mas existiam condições satisfatórias para o cumprimento da missão. Desde muito cedo os mecânicos trabalharam exaustivamente nas duas aeronaves, mas problemas técnicos que exigiam soluções mais demoradas apareceram no avião de Talarico.

Por volta das 8:30h patrulhas do Exército Argentino informaram a presença de navios no Estreito de San Carlos. Como o cumprimento da missão era fundamental, todo o esforço foi feito para que pelo menos uma das aeronaves estivesse em condições de voo. Pouco antes das dez horas da manhã o avião do tenente Crippa ficou pronto. De certa forma o atraso permitiu uma melhora no tempo, embora ainda estivesse nublado (com nuvens baixas) e neblina em alguns locais.

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Eram 10:04h quando Crippa alinhou o seu MB.339 com a pista 08 e recebeu autorização da torre para decolar. Após a decolagem, Crippa curvou suavemente para a esquerda e tomou rumo Oeste. Após passar pelas linhas de defesa argentinas e pelo Monte Kent, o oficial naval tinha total liberdade para atacar qualquer helicóptero que encontrasse no caminho.

Ainda não muito distante do Monte Kent, Crippa observou duas colunas de fumaça cinza que se erguiam a partir do solo. Eram helicópteros do Exército (um Chinook e um Puma) que haviam sido atacados por Harrier GR.3 da RAF no início daquela manhã. Se a aeronave de Crippa tivesse decolado duas horas antes, seu destino poderia ter sido diferente. Mas este era o seu dia.

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Mapa do trajeto de Crippa, indicando o local do ataque. Clique na imagem para ampliar

Voando dentro do vale do Rio San Carlos Crippa deparou-se com uma espessa camada de neblina próximo ao solo que provocava uma série de reflexos com os raios de sol, prejudicando a visão. O oficial argentino decidiu então modificar a rota e penetrar no estreito de San Carlos pela sua porção norte. Assim, também teria o sol nas suas costas o máximo possível.

Ao atingir a Enseada do Norte não encontrou nenhum navio e curvou para a esquerda para dentro o estreito. Nas proximidades da baía de Punta Roca Blanca, voando a 500 pés de altitude e aproximadamente 300 nós, Crippa identificou um navio que, segundo ele, tratava-se de uma fragata Tipo 21. A princípio o navio não se deu conta da aeronave, que seguia margeando a costa a baixa altitude. Alguns segundos depois, identificou outros navios próximo ao ponto onde estava a Tipo 21.  Ao transpor um dos montes que margeiam o estreito de San Carlos deu de cara com um helicóptero Lynx da Royal Navy, pairando cerca de 1000 pés acima da superfície do mar.

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Como Crippa tinha ordens para atacar qualquer helicóptero que encontrasse, tratou de manobrar a aeronave (ele estava mais baixo que o helicóptero) para realizar o ataque. Momentos antes de apertar o gatilho, o oficial argentino identificou mais outro navio. Tratava-se da fragata HMS Argonaut (classe Leander). Como era um alvo de maior valor, Crippa manobrou o MB.339 para a esquerda e partiu para cima do navio. No momento do disparo do canhão, nenhum projétil saiu pelo cano. Tentou com os foguetes Zuni e nada novamente. Deu-se conta então que não havia selecionado o “master switch” do armamento, o que vez de imediato.

Eram aproximadamente 10:30h quando Crippa estava quase sobre o navio. Fez mira no passadiço e nos sistemas eletrônicos ao redor. Sabia que não poderia afundar a fragata, mas pelo menos tentaria colocá-la fora de ação.

Disparou tudo o que podia (canhões e foguetes) antes de erguer o nariz da aeronave, curvar de volta ao mar e passar pela popa já executando manobras evasivas. Três tripulantes foram feridos e o radar de vigilância aérea Tipo 965 foi colocado fora de combate.

Neste momento sua presença já não era mais uma surpresa e tudo quanto é boca de fogo que existia ali começou a disparar sobre o seu avião. Era a luta de um contra todos.

HMS Argonaut-foto RN
HMS Argonaut. Esta é uma imagem antiga, pois o canhão da proa foi substituído por lançadores de SSM Exocet (comparar com a ilustração acima). Observar o lançador quádrulo de mísseis Seacat acima do hangar do helicóptero. e a ré da antena do radar de vigilância aérea Tipo 965. FOTO: RN

Crippa observou que um navio de assalto anfíbio da classe Feraless (HMS Fearless ou o HMS Intrepid) que estava a sua esquerda havia disparado um míssil (muito provavelmente um Seacat), que não o atingiu. Quanto mais o MB.339 avançava por aquele braço de mar, mais navios encontrava. Voou mais baixo ainda e com potência plena enfiou-se entre os navios da frota britânica. Momentaneamente o fogo cessou, com a possibilidade de um navio atingir o outro. Mas isso durou pouco. Como forma de livrar-se de vez dos navios, o piloto argentino buscou refúgio atrás das colinas. Após superar a primeira colina, Crippa deu de cara com mais navios a sua direita, fundeados na Baía de Ruiz Puente. Novamente começaram os disparos contra o seu avião. Rapidamente Crippa curvou para a esquerda na direção do povoado de Puerto Sussex.

Ainda antes de retornar para Puerto Argentino ganhou altitude e fez uma manobra suave para a esquerda com o propósito de realizar um último reconhecimento. Na sua avaliação existiam quatorze navios de médio e grande porte em San Carlos. Era uma concentração muito grande em águas tão restritas. Não havia mais dúvidas, a “invasão” havia começado.

Restava a Crippa voltar e dar todas as informações possíveis sobre o voo. O informe não foi feito via rádio, pois o voo baixo, praticamente “colado ao relevo”, reduzia muito o alcance do VHF. Ainda existia o medo de encontrar uma CAP de Sea Harrier caso a sua rota de retorno fosse denunciada pela transmissão.

E a sua rota de retorno tornou-se a grande preocupação naquele momento. Como a navegação de ida foi alterada em função das condições climáticas, as referências geográficas foram perdidas.

MB339-4-A-115 marca do navio atingido
Desenho de um navio (a silhueta lembra uma Tipo21) na fuselagem do 4-A-115 simbolizando o ataque de Crippa à fragata HMS Argonaut . Na esquerda o símbolo da 1ª Esquadrilha.

Estando mais ao Sul do que deveria, Crippa passaria próximo de Puerto Darwin, onde existia uma guarnição argentina que desconhecia o seu paradeiro e a sua missão. A AAA (artilharia antiaérea) amiga poderia até atingi-lo, como já havia acontecido com o Capitão García Cuerva da FAA, derrubado próximo de Puerto Argentino por fogo amigo.

Crippa então decidiu voar “colado ao solo” e margeando as colinas de Rivadavia, pois estas o levariam ao lado oriental da ilha. Poucos minutos depois o MB.339 já estava sobrevoando a Baía Agradable. Na certeza de que estava perto de “casa”, o piloto argentino subiu e comunicou-se com o aeródromo. Após receber as instruções rumou para o pouso. Antes de alinhar-se com a pista ainda fez um último contato.

Eram aproximadamente 10:45h quando Crippa pousou. Ao deixar o cockpit partiu para o Centro de Operações, onde relatou em detalhes o ataque e a situação da frota britânica no estreito. Era o primeiro relato detalhado do desembarque. Suas informações foram fundamentais para os ataques posteriores vindos do continente. Crippa foi condecorado com a “medalla al heroico valor en combate”.

Os últimos dias

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MB339-4-A-115 apos o ataque-Crippa a direita
Membros da 1ª Esquadrilha de Ataque posam ao lado do avião pilotado por Crippa (último à direta). Observar o armamento típico empregado poe estes aviões durante a campanha das Malvinas.

A operacionalidade dos MB.339 era duramente afetada pelas condições locais. A falta de estrutura para manter e dispor as aeronaves no pátio associada ao rigoroso inverno (que afetava os sistemas elétricos da aeronave) reduziam muito a disponibilidade das aeronaves. Além da perda do 4-A-113, o 4-A-116 estava com o motor danificado por estilhaços e o 4-A-115 com falhas elétricas. Somente o 4-A-112 tinha condições de voo. Eram necessários mais MB.339.

No dia 26 de maio, acompanhados por um Fokker F-28, três MB.339 (4-A-110, 4-A-114 e 4-A-117) partiram de Rio Grande com destino a Puerto Argentino, onde chegaram às 14:32h. No mesmo dia foi feito um esforço de manutenção para colocar o 4-A-115 em atividade a partir de peças canibalizadas dos  4-A-112 e do 4-A-116. A medida era urgente, pois as tropas britânicas avançavam sobre Darwin e os MB.339 deveriam ser empregados em missões de apoio aéreo aproximado.

MB339-4-A-116 abandonado3
Foto do 4-A-116 abandonado em Puerto Argentino. Observar o estado da aeronave  sem o leme e a roda do trem direito

Mesmo diante das adversidades, duas aeronaves (4-A-114 e 4-A-117) foram lançadas na manhã do dia 28 para apoiar o exército em Darwin. Com a piora do tempo e a visibilidade quase nula, a missão foi abortada. Pela tarde o tempo melhorou e as mesmas aeronaves decolaram para oeste. O ataque foi feito com o emprego de canhões e foguetes Zuni. O “Capitan de Corbeta” Molteni, piloto do 4-A-117, observou o disparo de um míssil e iniciou as manobras de despistamento. O outro MB.339 (4-A-114) não teve a mesma sorte e o piloto, “Teniente de Corbeta” Daniel Enrique Miguel, foi abatido por um MANPAD Blowpipe dos Royal Marines. No dia seguinte os britânicos tomaram Darwin.

Para piorar a situação, um ataque aéreo ao aeródromo de Puerto Argentino no dia 30 de maio, realizados por Harrier da RAF, colocou fora de ação o 4-A-110, que havia chegado à ilha quatro dias antes. Os estilhaços perfuraram um tanque da ponta das asa. A única notícia boa do dia para a 1ª Esquadrilha foi o retorno do 4-A-115 à linha de voo. Os três dias seguintes tiveram temperaturas baixíssimas e as aeronaves estacionadas ao relento sofreram muito com isso. O sistema de armamento foi afetado e os problemas do sistema elétrico de partida do motor pioraram (quando a temperatura das baterias caía muito, ela não era capaz de fornecer 19V). Com três aviões fora de ação, dois perdidos e apenas dois em condições de voo, foi decidido encerrar as atividades da esquadrilha no conflito.

MB-339 abandonado
Um dos MB.339 abandonados em Puerto Argentino. Este é, muito provavelmente, o 4-A-110
MB339-4-A-112 abandonado
Foto do 4-a-112 tirada após a tomada do aeroporto de Puerto Argentino por forças britânicas

O retorno começou no dia 31 de maio, com os mecânicos voltando para casa a bordo de um transporte F-28. Os mesmos problemas que afetaram a operacionalidade dos MB.339 também atrasaram o retorno das duas aeronaves sobreviventes. Por 36 horas foi impossível dar partida no motor. Somente no dia 5 o “Capitán de Corbeta” Molteni e o “Teniente de Corbeta” (Primeiro-Tenente) Henry conseguiram transladar respectivamente os aviões 4-A-115 e 4-A-117 para o continente.

Os outros três (4-A-110, 4-A-112 e 4-A-116) foram inutilizados e abandonados na ilha. No dia 14 de junho, dia da queda de Puerto Argentino, sete membros da 1ª Esquadrilha foram feitos prisioneiros. Encerava-se assim a participação da 1ª Esquadrilha no conflito das Malvinas.

Total de aeronaves empregadas7
Número de missões executadas4
Total de horas de voo em combate21:20h
Aeronaves perdidas2
Aeronaves capturadas3
Pilotos falecidos durante os combates2

Após a Guerra

Ao final da guerra, os outros cinco sobreviventes do lote inicial de dez exemplares tiveram baixa disponibilidade. O maior problema era a manutenção dos motores Rolls Royce Viper, de origem britânica. A aquisição de peças de reposição foi afetada pela imposição do embargo de material militar.

Em 1984 o MB.339 4-A-117 teve o seu assento ejetável acionado no interior do hangar de manutenção. Embora ninguém tenha se ferido no incidente, o cockpit ficou bastante danificado pelo motor foguete do assento. A aeronave foi encostada para um possível reparo futuro. Com a baixa disponibilidade das aeronaves, as mesmas foram estocadas em um hangar na Base Aaeronaval de Punta Indio.

Uma das aeronaves (4-A-119) foi recomprada pela Aermacchi, sendo modificada para servir de testes para a concorrência norte-americana JTAPS (a mesma que o EMB-312H participou e foi vencida pela Pilatus). Outras três foram vendidas para um colecionador em 1999, que as transportou para os Estados Unidos. Somente o exemplar 4-A-117 ficou na Argentina e foi preservado no Museu de Aviação Naval  Argentina (MUAN), localizado na entrada da Base Aeronaval Comandante Espora. Em 2007 o avião foi restaurado após permanecer em exposição externa durante anos.

MB339 Yovilton-foto Ian Howat
MB.339 exibido em Yeovilton. Esta célula foi montada utilizando-se da fuselagem frontal do 4-A-110 e as demais partes do 4-A-116. FOTO: Airliners/I. Howat

Também existiu um outro exemplar que ficou exposto no museu de aviação de Yeoviton (Inglaterra) por vários anos. Na verdade tratava-se da união da fuselagem frontal do 4-A-110 com o 4-A-116, ambos capturados em Puerto Argentino.

Em 2008 foi feita uma campanha para recomprar a aeronave 4-A-115, que estava em Houston. Esta aeronave possui um enorme valor histórico, pois foi pilotada pelo “Teninente de Navio” Crippa em 21 de maio de 1982. Infelizmente os esforços não se concretizaram. Nem mesmo a troca pelo 4-A-117 foi aceita.

MB339-4-A-115 estocado
Fuselagem do 4-A-115 estocada em Houston por um colecionador argentino

 

número de construçãomatrículadestino final
66240761/4-A-110capturado/fuselagem frontal exposta em Yeovilton
66250762/4-A-111adquirido por civil e estocado em Houston
66260763/4-A-112capturado e abandonado em Port Staley
66270764/4-A-113acidentado em 24/04/82
66280765/4-A-114abatido em 28/05/82
66290766/4-A-115adquirido por civil e estocado em Houston
66300767/4-A-116capturado/parcialmente exposto em Yeovilton
66310768/4-A-117adquirido por civil e em exposição no museu
66320769/4-A-118estocado em Houston
66330770/4-A-119vendido em 1991, transformou-se no protótipo da Aermacchi para o programa JPATS (matrícula civil italiana I-RAIB). Transladado para os EUA em 1997 foi rematriculado N339L e destruído em 25/7/2000 quando pertencia a Lockheed

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