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sexta-feira, 5 de maio de 2023

Engenheiro de Voo: a rara, mas ainda existente, função no Brasil no Boeing 727

 

Posto de Engenheiro de Voo no cockpit do Boeing 727

Recentemente, apresentamos aqui no AEROIN um vídeo divulgado pelo Comandante Robert Zwerdling, também conhecido como Captain Bob, em seu canal Asa Aviation, no qual ele presenteou todos os amantes ou admiradores da aviação com a experiência de um voo na cabine de um clássico trijato Boeing 727 da companhia brasileira Total Linhas Aéreas.

Além da repercussão do vídeo em si, houve algo a mais que também chamou muito a atenção da maioria dos leitores: a oportunidade de ver que ainda existe no Brasil pessoas trabalhando na cada vez mais rara profissão de Engenheiro de Voo, ou FE na sigla em inglês para ‘Flight Engineer’.

Fabricantes de aviões já deixaram há muito tempo de projetá-los com a posição de Engenheiro de Voo, porque os modernos sistemas computadorizados substituíram a maior parte dos instrumentos e funções que existiam nos antigos jatos, portanto, são cada vez mais escassos os modelos que ainda voam com tal profissional a bordo.

E como FE a bordo do Boeing 727 da Total estava Leoni Gomes Pereira, de 39 anos, com quem conversamos para trazer a você, leitor, um pouco mais de como é a rotina de um profissional dessa função, desde a preparação de solo até o voo.

Conhecendo Leoni

Leoni, no posto de Engenheiro de Voo no cockpit do Boeing 727

A história de Leoni na Total Linhas Aéreas teve início em 25 de abril de 2000, quando começou oficialmente uma longa jornada. Ele conta que tinha 18 anos e 10 meses quando foi admitido na companhia, portanto, já são mais de 20 anos e meio de aviação na mesma empresa.

Mas a carreira de Engenheiro de Voo se iniciaria somente 5 anos mais tarde, no ano de 2005.

Inicialmente, Leoni foi Auxiliar de Pista da Total, posição em que recepcionava tripulantes e, por vezes, clientes em embarque e desembarque, controlava horários de pousos e decolagens e acompanhava movimentação em solo, reboque e sinalização de aeronaves.

Depois, tornou-se Auxiliar de Manutenção, trabalhando em alguns setores, tais como seção de baterias, sistemas de ar condicionado, pista, etc, até passar para a posição de Mecânicos de Aeronaves, atuando como mecânico credenciado nos aviões Embraer EMB-120 Brasília, ATRs e Boeings 727.

Avião Boeing 727-200F Total Cargo
Boeing 727-200F – Imagem: Rafael Luiz Canossa / CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

Flight Engineer

Finalmente, após cerca de 5 anos, chegou a hora de ir para o cockpit. Segundo Leoni, a oportunidade de ir para o voo foi dada pela Total em decorrência da necessidade de novos tripulantes para a frota que havia chegado.

“No ano de 2005 fui efetivamente para o voo. Alguns anos depois, tive a oportunidade de fazer um curso de Instrutor de Flight Engineer. Fiz parte das instruções em rota, e mais tarde fiz o curso na ANAC para Examinador Credenciado.”

Leoni chegou a iniciar o curso de piloto, voando Paulistinha no Aeroclube de Pará de Minas durante algum tempo, mas não prosseguiu na carreira. Atualmente, além de voar como Engenheiro de Voo, está finalizando o Bacharelado em Ciências Aeronáutica pela Universidade do Sul de Santa Catarina.

A rotina de um Engenheiro de Voo

Leoni nos contou, passo-a-passo, tudo que costumeiramente faz em sua profissão quando realiza um voo no Boeing 727, desde a ida rumo à aeronave no pátio até os procedimentos a bordo, da decolagem ao pouso.

Segundo o Engenheiro, quando se aproxima da aeronave já começa sua missão para a segurança do voo. “Eu, de longe, já olho…faço um cheque visual de segurança, para ver se não tem nenhum dano estrutural, se não tem nenhuma escada próxima ou embaixo da asa, se a aeronave está calçada, se não tem ninguém mexendo no avião, fazendo manutenção, e coisas assim”, descreve ele.

Subindo a bordo

Então ele sobe para a cabine e lá incia outro cheque de segurança, fazendo um apanhado geral para ver se tudo está correto, analisando equipamentos, como uma bomba hidráulica ligada, alguém que tenha mexido em algum instrumento, etc.

Na sequência, passa à verificação do livro de bordo. “No livro de bordo da aeronave eu vou checar se tem algum reporte. Se alguém reportou alguma pane, e qual a ação da manutenção associada. Se esse avião vai ser liberado com a pane, ou se resolveram o problema.”

Leoni detalha que no livro de bordo há uma seção chamada ACR, que significa Ação Corretiva Retardada. Se o mecânico não consegue resolver a tempo uma pane que foi lançada no livro de bordo, ele libera o voo, desde que permitido pelo manual conforme a MEL (Lista de Equipamentos Mínimos para o voo), e anota a pane na ACR para que ela seja resolvida posteriormente.

Depois do livro de bordo, ele verifica os ‘circuit breakers’, que são dezenas de ‘switches’, ou chavinhas, que ficam no painel lateral de sua posição de FE. “São dispositivos de segurança para os equipamentos eletrônicos”, explica Leoni. “Então, qualquer curto-circuito que houver, qualquer superaquecimento, alguma coisa assim, esse sistema corta o circuito para não deixar pegar fogo, para não danificar o equipamento.”

Leoni verificando o painel de ‘circuit breakers’ no cockpit do Boeing 727

Em seguida, ele parte para a inspeção de seu painel principal. “No painel, checo todos os sistemas ali presentes. Sistema de oxigênio, sistema de aviso de fogo dos compartimentos de carga e dos porões, sistema elétrico, barras standby, bombas de combustíveis, sistema anti-gelo, hidráulico, de pressurização, de ar-condicionado, de alijamento de combustível, e a integridade da APU (fonte auxiliar de energia).”

Finalizada a verificação dos sistemas, o Engenheiro de Voo passa à verificação dos equipamentos de emergência, que são os coletes salva-vidas, garrafa de oxigênio, garrafa de água e machadinha, e também avalia se está a bordo a alavanca para abaixamento manual do trem de pouso, utilizada em caso de emergências em que a aeronave perde o sistema hidráulico e não é capaz de abaixar automaticamente as rodas.

De volta ao solo: inspeção externa

Finalizada a parte interna, o Flight Engineer desce para a inspeção externa. “A inspeção externa já é um pouco mais detalhada do que aquela que fiz quando eu cheguei na aeronave. Vou checar tudo, realmente toda a integridade da parte externa”, explica.

Leoni checa a condição dos pneus, vê se não há falta de parafusos de fixação das rodas e verifica os tubos de pitots para ver se não estão entupidos por algum objeto ou inseto que possa ter entrado. Então checa a estrutura da aeronave e analisa se não há nenhum vazamento hidráulico ou de combustível, bem como confere o funcionamento da escada traseira típica do Boeing 727.

Veja a seguir uma sequência de curtos vídeos com alguns trechos da inspeção externa:

Voltando à cabine e voando

Terminada toda a verificação externa, é hora de voltar à cabine para preparar o voo, através dos ‘take off datas’.

“Os take off datas são os cartões que a gente preenche. Ali, insiro todos os dados para a decolagem”, explica Leoni. “Vai ter, por exemplo, velocidade e potência que vai usar, e para inserir esses dados eu pego as condições do aeroporto, como temperatura, se a pista está seca ou molhada e ajuste barométrico (pressão). Pego todos esses dados, vou para análise de pista específica desse aeroporto que estamos operando e ali pego todos os dados que precisamos.”

Na sequência, a partir da folha de peso e balanceamento da aeronave fornecida pelo DOV (Despachante Operacional de Voo), que descreve a distribuição da carga que está a bordo na aeronave, o combustível que foi abastecido e a carga dos porões, ele faz o cruzamento desses dados para pegar a potência que vai ser usada para decolagem. “Quando isso tudo fica pronto, praticamente estamos prontos para o voo”, afirma Leoni.

Depois que estes dados estão ajustados e conferidos com os pilotos, a decolagem é efetuada e ele comenta que “à medida que o jato vai subindo, vou ajustando a potência dos motores a cada cinco mil pés, até o nível de cruzeiro”.

Quando chega ao nível de cruzeiro, o Engenheiro de Voo passa a outra tabela. “Pego o peso do momento, combustível e os demais dados que preciso, e o nível que estamos voando, e a partir da tabela faço um cartão que se chama ‘Cruise Card’. É um cartão do nível de cruzeiro, que lista todos os dados para voar naquele nível, como a velocidade e a potência que vai usar. Passo para os pilotos, eles ajustam e fazem o voo de cruzeiro.”

Leoni conta que o tempo de voo de cruzeiro geralmente também é aproveitado para preencher o livro de bordo, que lista todos os dados de cada voo, como o número do voo, o aeródromo de partida, o aeródromo de destino, o nível de voo, a hora do pushback da aeronave, a hora da decolagem, a hora do toque no solo ao pousar, a hora do corte dos motores e os volumes de combustível de início do voo, de decolagem, de pouso e de corte dos motores.

Também são anotados no livro de bordo os dados de toda a tripulação do voo, com seus respectivos códigos ANAC e suas funções, bem como as panes, se houver alguma. O comandante irá conferir, finaliza e assinar o livro após o encerramento do voo.

Para a descida, Leoni prepara outro cartão. Ele explica que os pilotos avisam a quantas milhas do destino será iniciada a descida, e ele então faz o cálculo dos parâmetros de descida. Na sequência, preenche o cartão chamado ‘landing data’, que fica no verso do ‘take off data’.

“Preencho esse cartão com a velocidade que vai pousar, a potência de arremetida, o combustível e o peso com que vai pousar. Passo para os pilotos, a gente ajusta tudo, confere e faz o pouso”, detalha Leoni

Finalizando o voo

Após o pouso e o cumprimento dos procedimentos normais, com o corte dos motores, o Engenheiro de Voo desliga sistemas como as bombas de combustíveis, o sistema hidráulico e o ar-condicionado, e então faz o ‘Terminate Flight’, que é a lista de itens a serem verificados para o encerramento definitivo do voo antes de abandonar a cabine.

“Ali desligo o sistema de oxigênio, fecho a válvula de oxigênio e corto a energia da bateria. O livro de bordo já está pronto, o comandante o assina e a gente vai embora da aeronave”, conclui Leoni.

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