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segunda-feira, 25 de abril de 2022

O ‘Lápis Flamejante’ que ajudou no desenvolvimento do Concorde


Apesar de sua aparência radical, a aeronave supersônica de pesquisa Bristol 188 nunca chegou perto de cumprir seus objetivos principais.

Antes do Concorde, havia vários outros programas britânicos e franceses em andamento que ajudaram na pesquisa e desenvolvimento de tal programa supersônico. Um projeto foi o Bristol 188, com o avião realizando seu primeiro voo em 14 de abril de 1962.

A aeronave de pesquisa supersônica foi construída pela Bristol Airplane Company para voo sustentado em excesso de duas vezes a velocidade do som. A forma elegante do tipo com uma seção transversal levou a ser apelidado de Flaming Pencil (Lápis Flamejante) pela indústria.

Bristol 188 XF923 em construção em Filton em 22 de julho de 1960. A maior parte da fuselagem foi construída com aço inoxidável, o que se mostrou problemático e levou à decisão de não usar o material no Concorde. (Foto: BAE Systems)

O Reino Unido estava interessado em entender o impacto de viajar mais rápido que a velocidade do som, especialmente quando se tratava da estrutura das aeronaves. Depois que a especificação do avião foi concluída, a Bristol recebeu o contrato. Archibald Russell, que mais tarde receberia o título de cavaleiro por sua contribuição ao Concorde, dirigiu o programa Bristol 188.

Em 1953, dois protótipos (XF923 e XF926) e uma fuselagem de teste estático foram encomendados sob contrato e sua construção e desenvolvimento continuaram ao lado do programa Avro730 (outra aeronave de pesquisa de alta velocidade prevista para atingir Mach 3).

Conectado a uma célula de teste de sintonia do motor, o XF923 está preparado para corridas em Filton em 13 de dezembro de 1961. (Foto: BAE Systems)

Um pedido também foi feito para 3 aeronaves adicionais para apoiar o desenvolvimento de um bombardeiro de reconhecimento Avro 730, embora este tenha sido retirado após o cancelamento de todo o projeto Avro 730 em 1957. O programa Bristol 188 continuou no entanto.

O Gloster Javelin FAW.1 XA552 foi modificado com motores de Havilland para servir como banco de testes PS.50 Gyron Junior durante o programa de desenvolvimento do Bristol 188.

A Royal Air Force destacou o seguinte sobre o design do avião: “O design era um cilindro incrivelmente longo e fino com um nariz pontudo; o perfil foi apenas ligeiramente quebrado pelo cockpit, o diâmetro da fuselagem foi ditado pelo tamanho do assento ejetor. Cada asa era dividida na extensão por um compartimento do motor que não era muito menor do que a fuselagem em diâmetro, enquanto uma grande barbatana sustentava o plano da cauda na parte de trás.”

Esta imagem do XF923 demonstra o quão fina – e afiada – era a asa do 188. ‘Luvas’ especiais foram produzidas para as bordas de ataque das seções externas para evitar que os engenheiros se machucassem ao entrar nelas.

Desafios de desenvolvimento, incluindo o fornecimento do aço inoxidável certo, causaram atrasos no programa, especialmente porque os desenvolvedores tiveram que se adaptar aos materiais que seriam usados.

O protótipo aguardando seu próximo teste de solo antes de um primeiro voo em Filton. Observe as carenagens do extintor de incêndio na parte superior das naceles do motor que foram instaladas apenas no XF923.

O protótipo inicial (XF923) finalmente voou oito anos após o início do programa, em 14 de abril de 1962, com o Piloto de Teste G.L. Auty nos controles.

O voo de abril de 1962 foi uma simples transferência da localidade da Bristol de Filton para o local da RAF em Boscombe Down, de onde fez mais 16 voos, antes de retornar a Filton para os dois últimos voos. Ele fez sua estréia pública ao voar em quatro dias consecutivos no SBAC Farnborough Air Show, em setembro de 1962.

Acredita-se que esta foto tenha sido tirada durante o show da SBAC em Farnborough em 1962, esta visão do XF923 mostra a aparência radical do tipo.

O segundo protótipo voador (XF926) utilizou os motores turbojato com pós-combustão de Havilland DGJ.10R Gyron Junior do XF293 para seu primeiro voo em 26 de abril de 1963, antes que os motores Mach 2 posteriores fossem instalados. Todo o programa de voo para a segunda aeronave foi realizado a partir de Filton.

O piloto-chefe de testes Godfrey Auty retrai o trem de pouso do XF923 na partida para outra saída de teste no início de seu ciclo de testes.

No entanto, a segunda unidade logo passaria a barreira do som no mês de abril seguinte, mas nenhum dos aviões atingiu sua velocidade de projeto, com Mach 1,88 (1.430 mph) a 36.000 pés sendo a velocidade mais alta registrada. Ao todo, foram realizados 70 voos de teste, enquanto o voo mais longo durou apenas 48 minutos.

Uma rara visão em voo do XF926 mostrando a carcaça do paraquedas de frenagem – esta aeronave foi adaptada com o arranjo durante o segundo semestre de 1963.

A BAE Systems destaca o seguinte sobre os desafios do programa: “Embora a aeronave tenha sido projetada para velocidades acima de 1.200 mph, sua utilidade foi limitada devido à sua resistência muito restrita nessas velocidades. Com tempos de voo típicos da ordem de 25 minutos, e com as duas aeronaves combinadas completando apenas um total de 70 voos (nem todos os voos foram voos de teste), o projeto foi abandonado em 1964 após o último voo em 12 de janeiro daquele ano.”

Muitos dos dados obtidos durante as dezenas de testes se mostrariam inconclusivos em relação ao progresso dos aviões supersônicos. No entanto, o projeto mostraria seu valor quando se tratasse de pesquisa de materiais e construção.

Notavelmente, o Bristol Type 223, que era outro projeto supersônico inicial, foi inicialmente considerado para trabalhar com aço inoxidável. No entanto, o 188 mostrou que esse processo seria muito desafiador e caro. Assim, o projetista Russell aproveitou as lições aprendidas e favoreceu a produção de ligas em baixa velocidade.

Em uma imagem datada de 24 de outubro de 1963, os dois Type 188 foram fotografados juntos em Filton – quando o XF923, suas naceles seladas, foram retiradas. (Foto: BAE Systems)

Estudos anteriores de aeronaves, como o 188, ajudaram a indústria de transporte supersônico do Reino Unido na direção certa. No entanto, as especificações do 223 estavam mais próximas do Concorde, e o programa ajudou a inspirar a colaboração com a francesa Sud Aviation, que estava trabalhando no Super-Caravelle. Posteriormente, um acordo entre o Reino Unido e a França nasceu em 1962, dando início ao projeto Concorde.

O segundo protótipo está preservado no Museu da RAF, em Cosford, tendo o primeiro sido descartado após o uso como alvo em Shoeburyness Ranges

sábado, 9 de abril de 2022

A história da BRA: um cometa na aviação brasileira

 A BRA teve uma vida tão breve quanto intensa. De seu começo controvertido a seu final abrupto, o fato é que a companhia deixou sua marca nos céus do Brasil e de países em três continentes antes de desaparecer. Flap Internacional relembra a saga dos irmãos Folegatti e de sua companhia aérea.



Texto e fotos: Gianfranco Beting

Origens controvertidas

Impossível narrar a história da BRA sem começar pela trajetória dos dois homens por trás de sua meteórica passagem nas páginas da história da aviação comercial brasileira. Juntos no nascimento, vida, morte (e ressurreição) da BRA, estavam os irmãos Walter e Humberto Folegatti. Diz a lenda que, em meados dos anos 80, os dois buscavam uma sala para alugar, pois planejavam abrir uma empresa de informática. Encontraram um conjunto de escritórios onde operava uma agência de viagens, cujos donos queriam passar o negócio adiante. O preço pedido era irrisório. Os Folegatti mudaram de ideia e entraram em um setor que desconheciam completamente. A Pan Express Viagens e Turismo Ltda., fundada em 1986, mudava de mãos. Anos depois, criaram uma operadora, a PNX Travel. Essas duas companhias, acrescidas mais tarde da rede de hotéis HWF, formavam o portfólio de empresas do grupo, acrescidas depois pela Panpress, que executava serviços gráficos. Lentamente cresceram, sobretudo, devido às excepcionais relações com pessoas e grupos influentes no setor, muitas vezes envolvendo-se em passagens no mínimo controvertidas, quando não abertamente questionadas por pessoas importantes e reconhecidas no meio. Seja como for, a Pan Express cresceu vagarosamente sem conseguir, depois de 15 anos de vida, figurar entre os destaques do setor.

Operando com foco em turismo rodoviário de massa, os Folegatti resolveram investir em aviação. Para isto, aproveitaram-se de uma oportunidade. Em 1999, com a crise cambial, a procura por viagens internacionais simplesmente desabou. Na época uma das companhias especializadas em voos charter internacionais era a Passaredo, hoje reconhecida como competente transportadora aérea regional. Pois bem: a Passaredo tinha dois A310-300 em sua frota, e da noite para o dia viu-se com poucos clientes e uma conta de arrendamento (fixada em dólares) difícil de honrar. Pensando na devolução da aeronave, os operadores encontraram uma solução: subarrendá-la justamente para os irmãos Folegatti, que entravam assim, modestamente, no ramo de transporte aéreo. Surgia, em agosto de 1999, a BRA – Brasil Rodo Aéreo, operando um único A310-300 (PP-PSD) que voava serviços não regulares sobretudo entre São Paulo e várias cidades no nordeste brasileiro. Como o nome indica, uma vez em solo, muitos passageiros rumavam para seus destinos finais em ônibus da própria empresa. Em seu primeiro verão (2000), época de alta estação, mais de 100.000 passageiros foram transportados. A empresa arrendou um 737-300 (PR-BRA) em dezembro de 2000, o primeiro de vários Boeing que seriam recebidos. No entanto, uma pane de motor deixou o Airbus no chão e centenas de passageiros furiosos – fato que voltaria a assombrar a companhia em diversas ocasiões.

Ao mesmo tempo, o Grupo Varig operava, desde 1998, um braço focado no Turismo, a Varig Travel, que vendia pacotes aéreos a preços inferiores aos da própria empresa-mãe, de quem alugava espaço das aeronaves do grupo, tanto da Rio-Sul e Nordeste como da própria Varig. No entanto, isso tudo mudaria radicalmente em um curto espaço de tempo. A PNX ganhou um vigoroso reforço quando os irmãos Folegatti começaram a se aproximar do grupo Varig. Desenvolvendo excelentes relações com o presidente da Fundação Ruben Berta, Yutaka Imagawa – na prática, o manda-chuva da Varig entre 1998 e 2003 – os irmãos Folegatti convenceram o grupo Varig a transferir o “ônus” da operação turística justamente para a própria Panexpress e para a PNX. Eles argumentavam que a Varig poderia ganhar muito mais se estruturasse uma associação tendo a dupla como sócios, que cuidariam de dar novo estímulo ao negócio. Nascia assim, levantando muitas dúvidas internamente no grupo Varig, a Rotatur, empresa de voos fretados do grupo formada em parceria com os Irmãos Folegatti e tendo por acionistas a Varig Participações e a HWF (Humberto e Walter Folegatti). A diretoria era composta pelos irmãos Folegatti e, respondendo pelo grupo Varig, Manuel Lourenço. Um segundo 737-300, matrícula PR-BRB, foi recebido e, em 14 de novembro de 2001, foi colocado para voar realizando o voo 9052 entre Guarulhos para Petrolina, Maceió e Aracaju. Ao receber o “novo” equipamento, Humberto Folegatti afirmou: “Hoje os voos charter são uma realidade. Eles têm um futuro garantido com nossa marca registrada: qualidade com preço baixo.”

Os 150 funcionários da PanExpress foram incorporados pela Varig Travel e as operações aéreas começaram a ganhar corpo com a marca BRA/Rotatur aplicada aos jatos 737-300 e 400, rapidamente trazidos para transportar um número crescente de clientes. Na mesma época, dois fatos ocorridos chamam a atenção: a associação da BRA com o Grupo Varig e a simultânea falência da Soletur, às 17 horas do dia 24 de outubro de 2001, então empresa turística líder de mercado e grande parceira do grupo Varig; a diminuição de tráfego de passageiros e pacotes com perfil turístico nos aviões da Pioneira. Surpreendentemente, tanto a Varig Travel como a Rotatur passaram a priorizar a venda e o transporte de clientes compradores de pacotes turísticos nos aviões da BRA. Em 2001, segundo a própria BRA, a companhia transportou 450 mil passageiros. E somente quando a capacidade dos aviões da BRA era completada é que assentos dos aviões do grupo Varig eram vendidos.

Com a máquina de vendas do grupo Varig alavancando os resultados da BRA, não é de estranhar que a companhia tenha crescido rapidamente. Já ao final de 2001, mais de 12 voos diários eram realizados, operando somente com dois 737-300. O ano foi encerrado com faturamento de 140 milhões de reais. No ano seguinte, nos seis primeiros meses de 2002, a BRA transportou 230.000 passageiros. E continuou crescendo: em 11 de julho de 2002 recebeu um Boeing 737-400 (PR-BRC) com 170 assentos. Fechou 2002 servindo mais de 20 cidades em voos não regulares, com três 737-300 e o único 737-400. Juntos, os quatro Boeing transportaram ao longo de 2002 um total de 428 mil passageiros.

Carreira solo

No ano, seguinte, porém, essa controvertida associação com a Varig, que tão doces frutos tinha trazido à BRA – e amargas consequências à Pioneira – chegou ao fim. O conselho administrativo da Varig e a VPTA (Varig Participação em Transportes Aéreos) decidiram descontinuar as operações domésticas da Rotatur e transferir os voos internacionais para a “marca principal do grupo”. Em comunicado, o conselho anunciou em relação à esta estranha parceria, que decidira “descontinuar as operações domésticas, principalmente a efetuada em conjunto com a empresa BRA”.

Neste momento tanto a PNX e a BRA deram de ombros, pois já seguiam em voo solo – e em trajetória ascendente. Segundo fontes próximas ao processo, a grande dificuldade para a paralisação das operações da Varig Travel foi  o cancelamento dos acordos de exclusividade firmados com a própria BRA e a PNX. Enquanto a Varig amargava um período de desaceleração, a BRA aumentava sua presença. Segundo o Departamento de Aviação Civil (DAC), em setembro de 2003, a BRA pedia regularmente lotes de mais de 500 voos por mês e transportava mensalmente 35 mil pessoas. Em 2003, a frota já contava com 5 Boeing 737-300 e 1 Boeing 737-400. Nada menos que 640 mil passageiros foram transportados durante aquele ano.

Em 26 de maio de 2004, a BRA recebeu um segundo Boeing 737-400 (PR-BRH). O grande orgulho da frota não tardaria a chegar. Em 24 de setembro, a empresa arrendou o avião que viria a ser o “Flagship” da companhia: o Boeing 767-300ER PR-BRW, outro veterano trazido especialmente para realizar voos fretados para o exterior. Barcelona, Madrid e Lisboa foram as primeiras cidades servidas. Dias depois, Humberto Folegatti afirmou, em entrevista à Isto É Dinheiro revelando sua fórmula secreta para crescer ainda mais rápido: focar na emergente Classe C, “Meus passageiros jamais haviam entrado em um avião. São pessoas que só viajavam de ônibus”. E foi contando com estes clientes que os irmãos Folegatti arquitetaram um arriscado plano de voo para a BRA: o início, em 21 de outubro de 2004, de serviços “regulares” (ainda que não oficializados pela DAC), em competição direta com TAM, Gol, Varig e Vasp.

Nessa data, a companhia passou a oferecer nove voos “regulares” diários. Até então, a atuação da BRA restringia-se a fretamentos, cuja regulamentação permitia a companhia fixar e, se quiser, alterar o horário dentro do período de 36 horas. Folegatti falou grosso, ao afirmar à imprensa que iria praticar preços mais baixos, em média 30% inferiores à da concorrência. “Minha estrutura de custos enxuta me permite vender passagens baratas”, afirmou confiante e sem papas na língua, como aliás sempre foi seu estilo. “Somos uma empresa verticalizada. O catering e os serviços de rampa, por exemplo, são nossos. Economizo dois reais e cinquenta centavos por refeição.” Outro fato apontado como fundamental para o crescimento do grupo: a sinergia entre suas empresas. “Nossas agências montam pacotes turísticos com passagens da BRA e hospedagem nos dez hotéis da rede HWF. Com isso, nossos custos totais estão 15% a 20% abaixo do mercado”, afirmou um confiante Folegatti. O executivo afirmou não temer a concorrência e, por esta razão, anunciou que iria começar voos regulares em Congonhas. Declarou ainda que topava entrar na luta em uma eventual guerra tarifária. “Quando crescemos com fretamentos, as concorrentes praticaram dumping. Não tinha outra opção além de me tornar regular para enfrentá-las. Meus clientes continuarão comigo. Agora, vou buscar executivos e a população pobre que nunca voou.” O ano de 2004 foi encerrado com uma frota de cinco Boeing 737-300, três 737-400 (o 737-400 PR-BRI foi entregue em 1/12/2004) e o único 767-300ER. No total, 900 mil passageiros foram transportados ao longo daquele ano. Na folha de pagamento, a companhia já tinha mais de 1.000 funcionários.

Além de tudo isto, a sorte parecia também abrir suas asas sobre a companhia. A paralisação da Vasp, em janeiro de 2005, ajudou especialmente a BRA. Muitos dos passageiros da outrora grande empresa paulista agora embarcavam nos já veteraníssimos 737 da BRA, atraídos somente pelos baixos preços praticados pela novata. Mas, a despeito de todo este crescimento, a companhia ainda era, ao menos oficialmente, junto à DAC, uma operadora não-regular. E, como tal, pagava taxas de operação inferiores às praticadas pelas empresas aéreas regulares, o que se configurava em uma considerável vantagem competitiva. Esta situação começou a incomodar as concorrentes, que passaram a manifestar junto às autoridades aeronáuticas uma crescente insatisfação com este estado de coisas. Afinal, a BRA vinha anunciando – e vendendo – voos fretados com dia, hora e frequências regulares.

Pior: na Pátria do “Jeitinho”, era sobejamente conhecido que qualquer indivíduo podia comprar uma passagem em um voo “charter” da BRA sem ter que comprar o correspondente pacote turístico, nem tampouco fazer parte de um grupo. Ou seja: a BRA vendia como empresa aérea regular, mas pagava as taxas como empresa charter. Alertadas, as autoridades avisaram: ou estas práticas heterodoxas chegavam ao fim ou a empresa teria que se enquadrar como transportadora regular, arcando com custos mais elevados. Sem saída, os Folegatti optaram pela segunda opção. Em 3 de agosto de 2005, a BRA recebeu autorização do DAC para operar voos “oficialmente” regulares. A partir desta data, a companhia teria que cumprir uma série de novos requisitos, como por exemplo prestar contas da regularidade e pontualidade dos voos. “Nós já operamos hoje com regularidade. Não existia razão para não ser uma empresa regular”, afirmou candidamente Walter Folegatti.

Em novembro de 2005, em uma primeira etapa, a BRA passou a voar regularmente entre Salvador, Recife, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, perfazendo um total de 42 voos semanais. No dia 2 de dezembro, a malha aérea regular foi ampliada para 19 cidades. A empresa passou a voar com mais frequência para as capitais das regiões Norte e Nordeste do País e iniciou ligações diretas entre as cidades do Nordeste, unindo Teresina, Fortaleza, Recife e Salvador. Waldomiro Ferreira, diretor de tráfego da BRA, afirmou na ocasião que a taxa média de ocupação na primeira semana de voos regulares foi de 85%.

Aproveitando o embalo, a BRA pediu às autoridades a concessão de linhas internacionais regulares. Ao final de 2005, a CERNAI, (Comissão de Estudos Relativos à Navegação Aérea Internacional), autorizou a companhia a operar voos regulares para Portugal e Espanha. Para poder iniciar estes serviços, era preciso aumentar a frota de jatos de fuselagem larga. Em 23 de junho de 2006, chegou um segundo Boeing 767, este do modelo – 200ER, entregue originalmente à TWA em 1983. Recebeu a matrícula PR-BRV.

Com esta dupla de jatos 767, operações regulares internacionais tiveram início em 1º de julho para Lisboa e Madri. Eram dois voos semanais, um às sextas-feiras e outro aos sábados, com saídas do aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro e Guarulhos em São Paulo, respectivamente às 17h15 e 21h20. Os voos que saíam do Rio de Janeiro faziam escala em São Paulo e seguem para Lisboa e Madri. Já os que partiam de São Paulo faziam escala no Rio de Janeiro antes de seguir para Madri e Lisboa. Para Lisboa, as passagens de ida e volta custavam a partir de US$ 868 e para Madri, a partir de US$ 888.

Novos sócios, velhos hábitos

Os Folegatti sabiam que a expansão da companhia custaria caro. Para poder crescer, a BRA teria que buscar alguém que financiasse sua decolagem ou, melhor ainda, teria que encontrar sócios com capital para bancar os ambiciosos planos de expansão. Desde o começo de 2006, a BRA vinha sendo discretamente sondada por um grupo de investidores. As negociações levaram aproximadamente 10 meses. Então, no dia 19 de dezembro de 2006, veio o grande anúncio: a associação com um grupo de investidores brasileiros e estrangeiros, o Brazil Air Partners. Entre eles, a Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Os outros sócios eram a Goldman Sachs, Bank of America, Development Capital, Darby, HBK e Millenium Global. O valor final nunca foi oficialmente anunciado, mas fontes próximas ao negócio davam conta que a cifra era de 180 milhões de reais. Por esta soma, 42% do capital da BRA mudava de mãos, ainda que o controle majoritário continuasse com os irmãos Folegatti. A BRA afirmou em comunicado oficial que a ANAC já havia aprovado a negociação e que a participação dos investidores estrangeiros “respeitava a legislação”, que permitia apenas 20% de capital estrangeiro nas empresas nacionais. A equipe de gestão era formada por Humberto Folegatti – presidente; Walter Folegatti – diretor comercial; Luciano Corrêa – diretor-executivo superintendente; Waldomiro Ferreira – diretor de Planejamento e Tráfego; Coronel Evaristo Silva – diretor técnico; Marcos Guedes Pereira –Finanças e Cecilia Andreucci, Marketing.

O investimento da Brazil Air Partners na BRA não contemplava as outras companhias dos Folegatti, que manteriam sua estrutura de capital e de administração independentes. Na ocasião, Humberto Folegatti afirmou: “Até este momento foi possível crescer com uma gestão familiar. Com os novos desafios no setor, decidimos acessar capital de risco com investidores globais e investir em uma maior profissionalização da equipe de gestão. Este movimento potencializa nossas capacidades e permite acelerar o crescimento da BRA.”

Com um anúncio como este, fica fácil perceber que o ano de 2006 terminou muito bem para os Folegatti: novos sócios, capital fresquinho para investir, uma malha de serviços domésticos e internacionais que já era digna de respeito. A companhia servia 38 aeroportos no Brasil (Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Caldas Novas, Campina Grande, Campo Grande, Caruaru, Curitiba, Fernando de Noronha, Florianópolis, Fortaleza, Foz do Iguaçu, Goiânia, João Pessoa, Juazeiro do Norte, Maceió, Natal, Paulo Afonso, Petrolina, Porto Alegre, Porto Seguro, Recife, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Salvador, São Luis, São José do Rio Preto, São Paulo, Teresina, Uberlândia e Vitória). Eram oito as cidades servidas no exterior. Os destinos internacionais regulares eram Lisboa e Madri; Colônia (Alemanha), Buenos Aires, Córdoba, Rosário, Milão e Oslo eram servidos em voos fretados. O que os irmãos Folegatti não sabiam é que a nova e recapitalizada companhia não teria uma longa vida pela frente.

2007: um ano inesquecível

Com novos sócios, dinheiro em caixa e com a economia brasileira acelerando, a BRA tinha pressa em crescer ainda mais. Agora, a companhia optaria por associar-se, ao invés de somente contar com seu crescimento orgânico. Em 2007, o mercado de aviação brasileiro sofria nas mãos de um virtual duopólio. Em abril daquele ano, TAM e Gol dividiam entre si nada menos que 94,1% do mercado doméstico e, no internacional, 93,4%. Para efeito de comparação, naquele mesmo mês, a BRA tinha 2,58% de participação no mercado doméstico e a OceanAir, apenas 0,93%.

A aproximação entre estas duas “nanicas”, – como eram chamadas desdenhosamente as menores companhias por alguns executivos das empresas dominantes – já ocorria há algum tempo. Os irmãos Folegatti e German Efromovich, presidente da OceanAir, vinham reunindo-se discretamente com os presidentes das empresas aéreas de menor porte (TAF, Rico, Webjet) visando estudar uma estratégia conjunta para fazer frente ao duopólio. Destes encontros, surgiu a ideia de unirem esforços para poder enfrentar as gigantes. Com a benção da recém criada ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil, em operação desde março de 2006), BRA e OceanAir fecharam um acordo de compartilhamento de voos domésticos (code-share) por dois anos. Nenhuma rota seria transferida entre as companhias. Buscava-se sobretudo uma racionalização da oferta. Na ocasião do anúncio do acordo, German Efromovich afirmou: “A parceria com a BRA reflete um novo momento para a aviação brasileira e o passageiro acostumado a voar pela OceanAir poderá contar com o mesmo atendimento diferenciado, agora com ainda mais opções de rotas.”

A parceria prometia criar uma “terceira força” no mercado doméstico. Juntas, as duas empresas iriam servir 55 cidades no país, com 14 novos destinos por inaugurar. Combinadas, as frotas somariam 27 aeronaves. Estimavam alcançar 10% de participação do mercado e faturamento de aproximadamente R$ 1 bilhão, ao final de um ano de operações conjugadas. A taxa de ocupação das companhias era de 75% (BRA) e 57% (OceanAir). Em 17 de junho, tiveram início as operações conjuntas. O primeiro voo partiu de São Paulo para Brasília e Manaus. A BRA aproveitou para ampliar os serviços em Congonhas, e passou a oferecer novos destinos como, por exemplo, Bauru.

Ganhando novas asas

Com novo capital e sócios de reputação inquestionável, A BRA foi às compras.  Seus jurássicos 737 não podiam mesmo fazer frente aos Airbus e Boeing “Next Generation” empregados pelas concorrentes. A BRA passou a negociar a compra de uma nova frota, que atenderia à um novo modelo de negócios e desenvolvimento de linhas no Brasil: crescer em cidades de porte médio, evitando assim a competição frontal contra TAM e Gol.

A companhia voltou suas atenções para São José dos Campos, sede da Embraer. A BRA já havia manifestado interesse nos E-Jets em 2005. Porém, aquela época sem capital para bancar uma encomenda, o negócio não caminhou. Agora, tudo era diferente. Assim, em 19 de junho de 2007, a BRA anunciou, durante a feira internacional de Le Bourget, em Paris, a compra de 40 Embraer 195, de 118 assentos. O acordo preliminar envolvia um pedido firme para 20 aviões, por US$ 730 milhões a preços de tabela, e outras 20 opções de compra, com entregas previstas para o segundo semestre de 2008. “A expansão da empresa será agressiva. Investiremos US$ 1,5 bilhão na compra de aeronaves. A meta é passar das atuais 13 aeronaves, para 60 unidades até o final de 2009”, afirmou um eufórico Humberto Folegatti durante o anúncio da compra no Salão Aeroespacial de Le Bourget.

Foi um negócio muito bem costurado pelos novos e respeitáveis parceiros dos Folegatti. A BRA iria inaugurar uma nova linha de crédito do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para aviões fabricados no país – com financiamento atrelado ao real em vez do dólar. Nesta nova linha, o BNDES também adequaria as taxas de juros aos padrões internacionais para torná-la mais atrativa. A estas medidas, adotadas no ano anterior, se somaria à isenção de ICMS – em vigor desde setembro de 2005. Antes desta mudança, aviões importados, custavam menos que os nacionais por conta das isenções de impostos e tributos nos países de origem, que eram absorvidos pelos fabricantes. Estes pontos permitiriam à BRA não apenas renovar sua frota com jatos nacionais, como fariam na prática a empresa operar uma frota de porte suficiente para entrar no seleto clube das grandes companhias aéreas brasileiras. E havia ainda outra conquista de importância inegável, no campo da política: com o anúncio em Paris, a BRA seria a primeira empresa aérea brasileira a operar no Brasil os modernos E-Jets da Embraer.

Esta compra iria garantir milhares de empregos no Brasil. O fato foi devida e politicamente celebrado em 21 de agosto, em cerimônia de anúncio formal de conclusão do negócio na própria sede da Embraer. A festa contou com a presença do entusiasmado Presidente Lula. Ladeado por Frederico Curado, presidente da Embraer, e por Humberto Folegatti, Lula declarou seu apoio à compra anunciada: “Possivelmente o gesto que a BRA está fazendo será repetido por outras empresas aéreas brasileiras… Tenho certeza que a BRA vai colher com lucro e crescimento a aposta que está fazendo na aviação regional”.

Sob vários aspectos, a BRA atingia naquele instante o seu auge. De janeiro de setembro de 2007, quase 2 milhões de passageiros haviam sido transportados. Era então a quarta maior na aviação nacional, atrás da TAM, Gol e Varig. E vinha ganhando espaço: se em setembro de 2006 sua participação no mercado doméstico era de 3,41%, no mesmo mês de 2007 a BRA já detinha 4,6% do mercado. O que ninguém poderia imaginar é que esta seria a última festa da BRA.

Do céu ao inferno

Logo após a festa em São José dos Campos, nuvens carregadas começaram a se formar nos escritórios da companhia. A visão de negócio dos investidores da Brazil Air Partners ia cada vez mais contra as práticas heterodoxas e idiossincrasias dos irmãos Folegatti. As diferenças de estilo, métodos e visão de negócio, inicialmente relevadas, foram se avolumando e se convertendo em feudos cada vez mais claros – e intransponíveis. O estilo centralizador dos Folegatti também produzia estragos na parceria com a OceanAir. Tanto assim que o acordo, previsto para durar dois anos, foi discretamente desfeito em 30 de setembro.

Do lado de fora dos escritórios, a imagem da companhia junto aos seus usuários ia se complicando a cada dia. O serviço, que nunca foi grande coisa, não atraía novos clientes. Operacionalmente, os atrasos e cancelamentos eram os maiores do setor. Os surrados 737 e 767 apresentavam panes frequentes, obrigando os passageiros – inclusive fora do Brasil – a passar dias e noites em aeroportos. O quadro agravou-se rapidamente, obrigando as autoridades a intervir. Em 18 de outubro, a ANAC determinou a suspensão das vendas de passagens internacionais, determinando ainda que os usuários da BRA fossem realocados em voos de outras companhias. A decisão foi precipitada pelos contínuos problemas operacionais provocados por panes recorrentes nos Boeing 767. A situação era mesmo grave: dos dez aviões da empresa, apenas cinco encontravam-se em condições de voo. Fatos como estes enfureciam os novos investidores da empresa, que passaram a exigir mudanças na cúpula da companhia. Os irmãos Folegatti não abriam mão de manter o controle da companhia que haviam fundado. O problema é que eles se apegaram ao status de “donos” do negócio, e na prática não tinham mais cacife para bancar a manutenção deste estado de coisas. Os investidores simplesmente avisaram: ou os Folegatti abriam mão do comando da empresa, ou não entraria mais um único centavo no caixa. Xeque-mate.

Cai o pano

Em primeiro de novembro, o mercado recebeu a notícia da “renúncia” do presidente-executivo da BRA, Humberto Folegatti. Ele permaneceria, contudo, no conselho de administração da BRA. O anúncio era a manifestação pública de um acordo duramente negociado e concluído em 22 de outubro entre a Brazil Air Partners e os irmãos Folegatti. A troca de comando sempre havia sido uma das condições exigidas pela Brazil Air Partners para investir na BRA. Nos últimos meses, porém, os investidores da Brazil Air Partners debruçavam-se cada vez mais sobre números cada vez mais decepcionantes. Consultores foram contratados pelos novos investidores, mas tiveram dificuldade em conseguir informações e fazer mudanças na empresa por causa da resistência de Humberto Folegatti em abrir os números da companhia. Com dívidas crescentes  e sofrendo uma deterioração operacional flagrante, – com enorme desgaste de sua imagem – os novos sócios apuraram que seria necessário injetar imediatamente 30 milhões de dólares para equilibrar as contas. Por todo o mês de outubro, os investidores fizeram teleconferências diárias para decidir sobre este novo e fundamental aporte. A saída de Folegatti deveria abrir caminho para nova injeção de recursos. De acordo com um fornecedor da empresa, cerca de 100 dos 180 milhões de reais já haviam sido injetados na empresa desde dezembro de 2006.

Interna e externamente, a viabilidade econômica da empresa passou a ser questionada. Sobretudo quando ficou visível que a BRA, que detinha 4,6% dos vôos domésticos em setembro de 2007, iria mesmo ter que encolher sua presença. Uma nova malha foi apresentada à ANAC, adequando os serviços à frota reduzida a apenas cinco aeronaves em condições de operação. O anúncio pegou mal. Bancos que haviam se comprometido a fornecer crédito para a companhia voltaram atrás: a BRA ficou sem capital de giro.

Era o fim da linha. No dia 6 de novembro, a BRA informou em comunicado interno que 1.100 funcionários da companhia aérea entravam em “aviso prévio” de 30 dias a partir daquela data. A empresa evitou usar o termo “demissão”, ainda que a assessoria de imprensa da BRA informasse que esse número de 1.100 “correspondia a todos os funcionários da empresa.” As 21h00 daquela terça-feira, a empresa comunicou formalmente à ANAC a suspensão “temporária” de todos os seus voos, nacionais e internacionais, a partir das 12 horas do dia seguinte, 7 de novembro.

Em nota, a BRA informou publicamente que “Orientava os passageiros a não se dirigirem aos aeroportos ou às lojas e que ligassem para obter detalhes sobre a reacomodação em outras companhias aéreas ou sobre o reembolso da passagem.” A empresa tinha 70 mil passagens vendidas até março de 2008. No aeroporto de Guarulhos, os funcionários confirmavam que não poderiam atender mais ninguém. No madrugada do dia 6 e na manhã do dia 7, uma quarta-feira, os últimos Boeing 737 operaram um punhado de voos. As 12h00, a companhia de fato suspendeu operações. Era o último voo da BRA, que havia decolado em 1999.

Hora do troco               

Foi a vez de Efromovich dar a volta por cima. No dia 9 de novembro, a Ocean Air e a BRA fecharam um acordo para garantir voos aos clientes da BRA que adquiriram bilhetes para aquele final de semana. Com isso, dois 737 da BRA voltaram a voar. Ao todo, foram transportados 6.182 passageiros  em 121 trechos servidos pelas duas aeronaves da própria BRA e outras duas da Ocean Air. Para Lúcia Helena Salgado, do IPEA, a atitude rápida do governo diante do desaparecimento de uma companhia aérea foi muito positiva. “É importante que haja outro ator que tenha condições de ocupar algum espaço no mercado e que possa reduzir essa questão do duopólio que se perpetua e traz custos.” Na segunda-feira 12 de novembro, Efromovich informou que a Ocean Air iria atender os 70 mil passageiros que já compraram bilhetes da empresa, dos quais 43 mil em voos regulares e 27 mil em pacotes da agência de viagens PNX Travel. O executivo informou ainda que estava negociando com empresas arrendatárias para assumir as aeronaves da BRA. E confirmou que já havia viabilizado a transferência para a Ocean Air de dois Boeing 767-300ER, que haviam sido arrendados mas ainda não estavam sendo operados pela BRA. Um dos quais chegou até a ser pintado nas cores da BRA e matriculado (PR-BRU) nas oficinas da VEM no Galeão.

A volta dos que não foram         

Em julho de 2008, para surpresa de muitos, os irmãos Folegatti anunciaram que a BRA iria retomar operações. As primeiras notícias davam conta que a companhia iria elaborar um plano de recuperação judicial como uma das poucas alternativas para evitar a falência. A ideia havia sido proposta pela administração da empresa e aprovada por seus credores, que deverão avaliar a proposta dentro de um mês. O novo plano estabelecia que a BRA voltaria às origens e operaria somente voos fretados, nos mesmos moldes em que operou entre 1999, quando foi criada, e 2005, ano em que passou a ter voos regulares. O modelo de fretamentos exigiria “um aporte de capital menor para a retomada das atividades da BRA, bem como a utilização de um menor número de aeronaves inicialmente”, segundo a ata da assembléia de credores que aconteceu em 28 de julho de 2008, em São Paulo.

Sim, porque antes deste, a BRA já havia havia afirmado ao mercado que voltaria a voar, já com os Embraer encomendadas em 2007. Contudo, para que isso ocorresse, seria necessária a entrada de um novo investidor disposto a aportar cerca de R$ 50 milhões na companhia – sem contar os recursos necessários para a aquisição dos aviões. Os irmãos Walter e Humberto Folegatti, detentores de 58% do capital, injetariam R$ 20 milhões por meio da transferência de três imóveis. A Brazilian Air Partners (BAP), união de sete fundos de participação que detém os outros 42%, injetaria R$ 15 milhões. O restante teria que ser captado no mercado.

A administração da BRA havia contratado a consultoria Rosenberg & Associados para buscar interessados, mas nenhuma negociação avançou. Na avaliação de dois profissionais da Rosenberg, eram duas as razões do desinteresse de potenciais investidores: a incerteza em relação à capacidade de a BRA se recuperar e quitar dívidas que somam perto de R$ 250 milhões; e as dificuldades do setor aéreo geradas pela alta dos preços do petróleo e pelo aumento da concorrência no Brasil, sobretudo com a criação da Azul Linhas Aéreas.

A falta de investidores e, portanto, da possibilidade de a BRA dar prosseguimento aos seus planos, levou a companhia a estudar um pedido de auto-falência. Em entrevista ao jornal Valor, Joel Thomaz Bastos, do escritório Felsberg e Associados, contratado pela BRA para assessorar no projeto de recuperação, afirmou, resignado: “Foi o que nos restou, a primeira ideia que surgiu antes que se pensasse num novo plano de recuperação”, afirmou. “Enquanto houver alguma luz, vamos tentar. Se os credores não aprovarem um novo plano, não terá feito diferença pedir a falência ou trinta dias mais tarde”, diz. Segundo Bastos, a proposta que projeta uma BRA com voos fretados ficaria pronta por volta do dia 10 de agosto. No dia 28 do mesmo mês, seria apreciada em assembléia. Os investimentos previstos no novo plano seriam infinitamente menores do que no anterior. “Arrisco dizer que serão em torno de um décimo dos R$ 50 milhões”, disse Bastos.

Nada disso deu certo. Os planos foram arquivados. Mas nem por isto os irmãos Folegatti, mostrando um fôlego de gato, deixaram de arquitetar sua volta. Em 13 de fevereiro de 2009, arrendaram um Boeing 737-300 (PR-GLK) junto à Gol e oficializaram o anúncio do relançamento da BRA, realmente focando no mercado de fretamentos. O velho Boeing ganhou uma nova identidade, que seguia as cores oficiais da companhia, azul e amarelo. Exatamente um mês depois, A BRA anunciou que voltaria a operar como companhia charter a partir de meados de Março, concentrando as operações no Nordeste brasileiro, com ligações de São Paulo a Porto Seguro, Fortaleza, Maceió, Recife e Natal, prevendo iniciar em Abril os voos de Caldas Novas para Porto Seguro. Danilo Amaral, designado presidente e CEO da empresa, confirmou que a BRA, que continuava em recuperação judicial, iria realizar as primeiras operações em “14 e 15 de Março, devendo as vendas começar esta semana”. No entanto, a aviação brasileira em 2009 já tinha mudado muito desde o “longínquo” ano de 2007. Mais competitiva, com novos concorrentes, não havia mais espaço para a BRA, sua velha aeronave e sua imagem desgastada. Operando voos fretados com esta única aeronave, a companhia não conseguiu firmar-se no mercado. Menos de um ano após voltar aos céus, o único 737-300 da BRA “Mark II” deixou de voar. Em 11 de abril de 2010, o PR-GLK passou às mãos de sua nova operadora, a Puma Air. A BRA, com seus Boeing azuis e amarelos, que levaram os sonhos dos irmãos Folegatti – e os milhões de reais investidos pela Brazil Air Partners – deixaram definitivamente os céus do Brasil e do mundo.