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sexta-feira, 23 de junho de 2023

Vultee V-11 GB2 no Brasil

 


História e Desenvolvimento. 

Os empreendedores Gerard "Jerry" Freebairn Vultee (1900-1938) e Vance Breese (1904-1973) fundariam em 1932 na cidade de Los Angeles, Califórnia a Airplane Development Corporation, deste o primeiro sócio havia angariado ampla experiencia neste segmento quando de sua passagem pela equipe do renomado projetista John Knudsen "Jack" Northrop. O primeiro projeto uma aeronave de transporte executivo para até oito passageiros, o Vultee V-1 despertaria grande interesse da American Airlines, pronunciando grandes expectativas para a empresa. O programa de ensaios de voo se mostraria extremamente promissor, inclusive registrando recordes de velocidade e autonomia. Seguindo a lógica, seu primeiro cliente seria a American Airlines, com um contrato prevendo a compra de quatorze aeronaves, que seriam empregadas em rotas domésticas. A Bowen Airlines do Texas, se tornaria o segundo cliente do modelo. Este promissor futuro seria impactado por novas regulamentações impostas pela autoridade aeronáutica civil norte-americana que obrigaria o emprego de apenas aeronaves com dois motores em rotas regulares de transporte de passageiros. Isto limitaria as vendas das aeronaves, sendo entregues ao mercado apenas vinte e sete aeronaves. Devido à Lei do Correio Aéreo de 1934, a sociedade estabeleceria a Aviation Manufacturing Corporation (AMC) em 30 de novembro de 1934 através da aquisição das participações da Cord, incluindo a Vultee's Airplane Development Corporation. A Aviation Manufacturing Corporation seria liquidada em 1 de janeiro de 1936 e a Vultee Aircraft Division foi formada como uma subsidiária autônoma. Neste mesmo período, sete aeronaves que anteriormente pertenceram a American Airlines e outras oito células (adquiridas pelo governo espanhol para tarefas de transporte) foram empregadas pelas forças republicanas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), com quatro aeronaves Vultee V-1 sendo capturados e operados também pelas forças nacionalistas, apresentando assim apresentando uma nova faceta para qual o modelo nunca fora pensado inicialmente.

Este inusitado emprego militar, despertaria a diretoria da empresa, o vislumbre de um novo e promissor nicho de mercado, levando assim a Aircraft Manufacturing Co. Vultee Division, iniciar o desenvolvimento de uma versão militar do modelo V-1. Apesar das restrições operacionais existentes neste período, quanto ao emprego de aeronaves monomotoras para emprego em tarefas bombardeio, foi decidido levar adiante este projeto. Esta nova aeronave estava equipada com um motor radial Wrigth Cyclone SR 1830-F53, de 750hp, que conservava as excelentes características de desempenhos vistas no modelo comercial V-1. Este modelo receberia a designação de Vultee V-11, e fazia uso do mesmo motor, trem de pouso e estrutura alar de seu antecessor, com as demais parte e componentes sendo desenvolvidas para esta nova aeronave. Sua principal missão era atuar no perfil de bombardeio de mergulho (picado), com opção para emprego também como treinador avançado. O primeiro protótipo realizou seu voo inaugural em 17 de setembro de 1937, empreendendo um voo entre as cidades de Los Angeles e Glendale. Porém o início da campanha de ensaios em voo não seria exatamente auspicioso, visto que este protótipo sofreria uma pane no motor durante a decolagem, resultando na perda total de material e pessoal. Apesar deste contratempo o segundo protótipo seria concluído em 03 de outubro do mesmo ano, e incorporava alguns aperfeiçoamentos, como hélice tripa e a capacidade de portar uma metralhadora MG-40 calibre .30, em uma gondola, alocada na fuselagem inferior da aeronave. Desta vez a campanha de ensaios ocorreria tranquilamente definindo o projeto final com mais alguns aperfeiçoamentos permitindo assim a empresa a iniciar uma agressiva campanha comercial de exportação junto a nações amigas a partir do ano seguinte.
Este investimento inicial não tardaria a render bons resultados, com o primeiro contrato de exportação sendo celebrado com o governo da China Nacionalista, envolvendo a encomenda de trinta aeronaves da versão Vultee V-11G configurado para operação com dois tripulantes e a pedido do cliente equipado com o motor Wright R-1820-G2 Cyclone com 1.000 hp de potência. Um segundo contrato com este governo seria firmado em 1939, agora para vinte e seis aeronaves da versão Vultee V-12-C equipados com o motor Wright R1-820-G105B Cyclone de 1.100 hp, destes uma célula seria entregue pronta e as demais fornecidas na forma de kits para serem montadas na unidade fabril da Central Aircraft Manufacturing Company em Loiwing, perto da fronteira entre a China e a Birmânia.  Por fim um terceiro acordo seria celebrado para a montagem local de cinquenta e duas aeronaves na versão Vultee V-12-D, novamente empregando a evolução de seu grupo propulsor, fazendo uso agora do Curtiss Wright R-2600 Cyclone 14 de 1.600 hp. Após a montagem da primeira célula a fábrica sofreu um bombardeiro por parte das forças de invasão japonesas, ficando evidente o risco de novos ataques, assim desta maneira decidiu-se por transferir a linha de produção para a fábrica da Hindustan Aircraft Limited em Bangalore na Índia para que fossem concluídas as montagens das demais aeronaves, porém após a montagem de algumas unidades a produção foi interrompida de forma definitiva. Os Vultee V-11 e V-12 foram usados como bombardeiros leves e alcançaram algum sucesso, incluindo a missão de bombardear o aeródromo japonês com quatro aeronaves no Yuncheng em 5 de fevereiro de 1939, pelo 10º Esquadrão da Força Aérea da República da China (ROCAF), antes que as aeronaves fossem retiradas das missões de bombardeio, para treinamento e funções de ligação a partir de 1940.

O próximo cliente internacional seria a Turquia, que assinaria em 1936 com a Aircraft Manufacturing Co. Vultee Division, um contrato para a aquisição de quarenta e uma aeronaves na versão básica Vultee V-11GB. Neste mesmo ano, a União Soviética celebraria um contrato, envolvendo a compra de quatro aeronaves na versão de bombardeiro de mergulho, para três tripulantes e a produção sob licença de mais trinta e duas aeronaves da versão Vultee V-11GB que passariam a ser designados localmente BSh-1 (Bronirovanny Shturmovik). Estas aeronaves seriam configuradas para missões de ataque a solo passando a contar com um leve conjunto de blindagem extra, em pontos críticos da aeronave, visando assim melhorar sua capacidade de sobrevivência.  Com o início das operações junto a Força Aérea Soviética, verificou-se que este conjunto de blindagem, reduzia sensivelmente o desempenho da aeronave, não sendo assim recomendada a sua operação em missões de ataque. Este fator levaria a decisão de transferir todas estas aeronaves para a empresa estatal de transporte aéreo Aeroflot, onde o modelo passou a ser redesignado como PS-43, com emprego para transporte de passageiros em alta velocidade, executando com primazia esta tarefa até o advento da invasão alemã em 1941. Depois o início do conflito com a Alemanha, as aeronaves remanescentes seriam novamente incorporadas à Força Aérea Soviética para emprego em missões de ligação entre as bases aéreas.  O próximo pais a adquirir a aeronave em sua versão militar seria o Brasil, que em fevereiro de 1939 assinaria um contrato para entrega de vinte e seis aeronaves, para uso em sua Aviação Militar.
O Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC) assinaria em 1938 um contrato para a aquisição de sete células da versão militar designada localmente como Vultee YA-19. Estas aeronaves estavam armadas com seis metralhadoras bronwing calibre .30, operando com capacidade para até 490 kg de bombas de queda livre, transportadas em um bomb bay interno. Estas aeronaves de pré-produção seriam então submetidas a um extenso programa de avaliação e ensaios em voo, no entanto os resultados deste processo determinaram que os parâmetros operacionais deste modelo e aeronave, não atendiam as necessidades mínimas exigidas pelos Corpo Aéreo do Exército dos Estados Unidos (USAAC).  Neste mesmo período, o mais provável cliente potencial da aeronave, a Marinha Americana (US Navy), estava em pleno processo de introdução de suas novas aeronaves de bombardeio de mergulho Douglas TBD Devastador, cerceando assim todas as expectativas de sucesso deste modelo, levando assim ao cancelamento dos esforços de desenvolvimento das aeronaves em sua versão militar.  Ao todo seriam produzidos até fins de 1940 um total de duzentos e vinte e cinco células, sendo dispostas em doze versões distintas.

Emprego nas Forças Armadas Brasileiras.
No final da década de 1930, a Aviação Militar do Exército Brasileiro iniciava um programa de modernização de suas aeronaves de caça, ataque, bombardeio e treinamento. No que tange as missões de bombardeio, buscava-se especificadamente a aquisição de uma aeronave de bombardeio de precisão (picado), no intuito de substituir os já antigos e obsoletos biplanos Vought V-65B Corsair e Boeing 256 e 267, que representavam o esteio da aviação de ataque brasileira, e que no momento se encontravam muito defasados tecnologicamente devido aos grandes avanços ocorridos durante esta década. Uma concorrência internacional seria aberta pelo Governo Brasileiro, com o comando do Exército Brasileiro, passando a receber propostas comerciais de diversos fabricantes europeus e americanos. Estas propostas seriam então analisadas pela Diretoria de Material da Aviação Militar do Exército (DAvM), com a decisão de escolha recaindo sobre a proposta comercial apresentada pela empresa norte-americana, Aircraft Manufacturing Co. Vultee Division. Esta escolha seria profundamente influenciada pelas percepções obtidas quando da apresentação do modelo Vultee V-11, realizada no Brasil em abril de 1937 durante um tour de promoção desta aeronave militar. Assim em 9 de dezembro do mesmo ano seria assinado com o fabricante norte-americano, um contrato no valor de US$ 1,4 milhões de dólares para a aquisição de vinte células da versão V-11GB2, incluindo neste acordo, um amplo suprimento de peças de reposição, ferramental, documentação e treinamento de pilotos e equipes de manutenção. De acordo com o contrato original, estas aeronaves seriam entregues com o novo motor radial Wrigth Cyclone R-1820-G2 com 850 HP de potência, sendo superior a versão anterior. As aeronaves brasileiras seriam equipadas com duas metralhadoras Colt MG-53 de calibre .50 e duas metralhadoras Colt MG-40 de calibre .30 instaladas nas asas, ao contrário das quatro metralhadoras Browning .30 que equipavam as demais versões militares da aeronave.

Ademais também, as aeronaves adquiridas, receberiam um armamento de autodefesa suplementar, sendo composto por duas metralhadoras móveis Colt MG-40, dispostas na posição dorsal e ventral. Dispunham ainda de seis pontos duros, subalares que poderiam portar até 1.681 kg de carga útil, sendo fornecidos neste mesmo contrato bombas de demolição de 45 a 500 kg, e bombas químicas de 45 kg, produzidas pela empresa norte americana Lake Erie Chimical Co. Para as missões de bombardeio vertical, a aeronave estava equipada com um sistema de visor de mira Stoppey D-48 que podia ser complementado com uma câmera vertical Fairchild K3B, para emprego em missões de reconhecimento ou documentação fotográfica dos ataques. As primeiras aeronaves foram transportadas ao Brasil por via naval, sendo recebidas e posteriormente montadas nos hangares da Panair do Brasil, localizados no Aeroporto Santos Dumont (Rio de Janeiro). As demais células seriam montadas nas instalações do Parque Central da Aeronáutica da Aviação Militar, com este processo sendo finalizado no dia 5 de junho de 1938. Os Vultee V-11-GB2 brasileiros, receberam as matrículas seriais de "105 a 129", sendo esta sistemática mantida durante toda a sua operação no Exército Brasileiro. Assim que foram incorporadas, as aeronaves foram destinadas ao 1º Regimento de Aviação (1º RAv), sendo lotadas no Grupo de Bombardeio (esta unidade ostentava como emblema, um "jacaré" estilizado montado em uma bomba). Os primeiros voos operacionais das novas aeronaves, passariam a ocorrer a partir da primeira semana de novembro de 1938. Em setembro de 1939, três aeronaves foram transferidas ao 3º Regimento de Aviação (3ºRAv), sediado em Porto Alegre (RS). A Escola de Aviação Militar (EAvM) sediada no Campo dos Afonsos, receberia em 13 de abril de 1939 três aeronaves deste modelo, com a finalidade de adestrar os instrutores e cadetes do último ano.
As alterações solicitadas ao fabricante pela Diretoria de Aviação Militar do Exército, fizeram com que os Vultee V-11GB2 brasileiros, apresentassem um desempenho ligeiramente inferior aos V-11GB originais, principalmente em termos de velocidade máxima, razão de subida e teto operacional, porém como contrapartida, passava a apresentar um alcance significativamente maior. Esta autonomia pode ser praticamente aferida em um dos feitos mais marcantes na Aviação Militar Brasileira, com esta aeronave norte-americana sendo, responsável pelo estabelecimento do recorde de permanência no ar e distância por aeronaves brasileiras, ao completar no dia 8 de julho de 1939, um voo sem escalas com duração de 11:45 horas no trecho compreendido entre as cidades de Fortaleza no estado do Ceará no Nordeste e Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul,  na região sul do país. Este perfil operacional encorajaria a Diretoria de Aviação Militar (DAvM) a aumentar a quantidade de aeronaves em sua frota operacional, agregando mais cinco células da aeronave ao contrato original firmado anteriormente, com estas nova células, configuradas com duplo comandos para as tarefas de instrução. Além disso a Aircraft Manufacturing Co. Vultee Division chegaria a desenvolver uma versão com flutuadores, denominada Vultee V-11GB2F, a qual se destinava a uma possível compra por parte da Aviação Naval da Marinha do Brasil, com a construção de um protótipo que seria apresentado em 1939 no Rio de Janeiro, e diante da negativa desta arma, seria posteriormente incorporado a Aviação Militar do Exército.

A nova década trouxe poucas alterações quanto as atividades dos Vultee V-11GB2 em operação no 1º Regimento de Aviação (RAv), mantendo assim o programa anual de instrução desta unidade, sendo executado dentro das limitações da época, e periodicamente pontuada por exercícios de pequena envergadura. Curiosamente, apesar de existir uma aeronave com duplo comando, esta célula seria reconfigurada para o padrão das demais aeronaves. Como consequência e a partir de 1940, a instrução dos novos pilotos era realizada de forma peculiar, e como parte do ciclo de instrução, o piloto era obrigado a alojar-se de bruços diretamente atrás e acima em um espaço que existia na aeronave, espiando por cima do ombro do piloto, em uma posição totalmente desconfortável. Com a criação do Ministério da Aeronáutica (MAer) em 27 de janeiro de 1941, as vinte e três células remanescentes seriam incorporadas ao acervo da recém-criada Força Aérea Brasileira, mantendo temporariamente suas marcações originais da Aviação Militar, passando a ostentar novas matriculas com seriais de quatro dígitos. As necessidades de incremento de missões de patrulhamento no litoral nordestino, obrigariam o deslocamento de seis V-11-GB2 do 1º Regimento de Aviação (RAv) para Recife, onde foram empregados nesta tarefa no período compreendido entre outubro de 1941 a maio de 1942, quando foram substituídos por aeronaves especializadas para este tipo de missão. Apesar do grande número de horas voadas em missões de patrulhamento do litoral brasileiro neste período, não existem registros oficiais que indiquem o ataque de algum aparelho deste modelo a submarinos alemães. Em 17 de abril de 1945, foram transferidos três aviões do 1º Regimento de Aviação (RAv)  para o 3º Regimento de Aviação (RAv), com o objetivo de reforçar as atividades de patrulhamento no litoral sul do Brasil.
Ao término do conflito as dezesseis aeronaves restantes, seriam transferidas ao 1º Grupo de Bombardeio Picado (1ºGBPi) sediado na Base Aérea de Santa Cruz, nesta fase a disponibilidade das células estava muito reduzida, pois a maioria das aeronaves necessitava ser submetida a uma ampla revisão geral no Parque de Aeronáutica de São Paulo (PqAerSP), para onde seriam transladadas em voo no dia 7 de outubro de 1947. Neste momento as primeiras avaliações estruturais levariam a decisão de se condenar e descarregar a maior parte destas células, por não ser economicamente recomendável sua recuperação. Somente dois aviões, que estavam em melhores condições (FAB 5005 e FAB 5009), seriam revisados e entregue em plenas condições operacionais, sendo então destinados para operação junto ao destacamento da Base Aérea de Curitiba em 24 de março de 1949, onde seriam utilizados em tarefas de transporte, ligação  e adestramento. Sua carreira nesta unidade, no entanto seria efêmera, sendo desativadas e descarregadas da frota da Força Aérea Brasileira em 8 de março de 1950.

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