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domingo, 7 de junho de 2020

A SAGA DOS INDESEJADOS “CORONADOS”: O Convair 990 na VARIG – Parte II

PP-VJE aguarda sua entrega à Varig no pátio da fábrica em San Diego, em março de 1963 (San Diego Air & Space Museum)
Nesta segunda parte da história do Convair 990 em operação pela Varig, abordamos a chegada dos aviões ao Brasil, os voos especiais realizados, rotas operadas, incidentes e sua final revenda para os operadores subsequentes.
Na primeira parte da história (publicada na semana passada) descrevemos o intrincado cenário que precedeu à entrada do avião em serviço pela empresa.
AFINAL OS 990 TOCAM O SOLO BRASILEIRO
Decolando desde o Aeroporto Lindbergh de San Diego, adjacente à fábrica da Convair, pouco antes das 7hs da manhã de 3 de abril de 1963, em direção à Porto Alegre, o PP-VJE (s/n 13) foi o primeiro dos três 990A recebidos pela Varig. Após escalas na Cidade do Panamá (onde pernoitou) e em Lima, o avião chegou na tarde de 4 de abril ao aeroporto da capital gaúcha, sendo recebido por convidados, empregados e diretores da empresa.
Compunham a tripulação do ferry o Comandante W. D. Carrier (da Convair), Comandante Silveira (Varig), Engenheiro de Voo Falkenthal (Convair), e ainda pela Varig, o Comandante Scalabrim, e os F/Es Kern e Petersen.
O PP-VJE, aguardado por pessoal da Varig, finalmente chega a Porto Alegre no dia 4 de abril de 1963, finalizando seu voo de entrega iniciado em San Diego (Orlando Machado, via coleção Flávio Amaral Jr.)
Em 17 de abril, o PP-VJE realizou um voo de apresentação de Porto Alegre para São Paulo (Congonhas), percurso realizado em apenas 1h de voo, demonstrando a superior velocidade de cruzeiro da aeronave.
Até o final de abril, chegaram a Porto Alegre, vindos de San Diego, os outros dois Coronado, matriculados PP-VJF (s/n 19) e PP-VJG (s/n 20), o que possibilitou o início dos voos regulares na malha da empresa, com os anúncios veiculados na imprensa chamando a atenção por ser o 990A “o mais rápido jato da atualidade”.
O PP-VJF decolando de Lindbergh Field rumo ao Brasil (coleção Marcelo Magalhães)
Ruben Berta, que não perdia a oportunidade de apresentar a Varig perante o alto escalão do governo, disponibilizou o Coronado para a volta do Presidente João Goulart em visita oficial à Montevidéu. Assim, antes mesmo da aeronave entrar em serviço regular, efetuou o deslocamento que trouxe o mandatário da capital uruguaia para Brasília, onde pousou na noite do dia 26 de abril, após 2h40 de voo.
A primeira linha regular operada pelos 990A na Varig teve início em 28 de abril de 1963, o voo que saía do Rio (Galeão) para Buenos Aires, com escalas em São Paulo (Congonhas), Porto Alegre e Montevidéu. Em relação à configuração, os Convair vieram equipados incialmente com 16 assentos na cabine de primeira classe e 87 na econômica, para um total de 103 passageiros. Mas ao final de suas operações pela Varig, a configuração foi alterada para um total de 117 assentos, em duas classes.
Propaganda veiculada na imprensa nacional quando da chegada do Coronado na frota da Varig (Coleção Marcelo Magalhães)
Contudo – e apesar da insistência da Varig em que se demostrasse a capacidade do 990 em operar eficientemente em Congonhas -, os Coronado operaram por pouquíssimo tempo no aeroporto central paulistano, por cerca de dois meses. De fato, a grade de voos da Varig conforme publicada no Guia Aeronáutico, mostra que já a partir de julho de 1963 os voos com aquela aeronave haviam sido transferidos para a Base Aérea de Cumbica (e mais tarde, para Viracopos, conforme os horários publicados em meados de 1964). O avião retornou ainda a Congonhas, mas também por pouco tempo, pois a sua operação naquele aeroporto sempre foi considerada algo crítica entre o pessoal de voo da empresa em certas condições de peso ou de tempo reinante no aeródromo, dado o curto cumprimento e slope da pista.
Raro registro de um Coronado da VRG operando no Aeroporto de Congonhas (via Flávio Amaral Jr.)
De destacar que embora a princípio a Varig tivesse tido restrições em receber os Coronado, as aeronaves acabaram se mostrando providenciais para a expansão da malha. De fato, desde o acidente com o 707-441 PP-VJB, que se chocou com o terreno na aproximação final para Lima, em 27 de novembro de 1962, a Varig vira-se forçada a suspender a linha do “Pacífico” (ligando o Rio de Janeiro à Los Angeles, com escalas em São Paulo/Viracopos, Lima, Bogotá e Cidade do México). A incorporação dos Coronado possibilitou a reativação daquela importante rota, reinaugurada pelo PP-VJE em 18 de junho de 1963, tendo à frente da tripulação os Comandantes Waldemar Carta e Costa.
Publicidade da Varig, destacando a operação do Coronado (Coleção Flávio Amaral Jr.)
Fazendo novamente uso de um Coronado para deslocamentos do mandatário nacional, em 28 de junho de 1963 embarcava a bordo do PP-VJF, no Rio de Janeiro, o Presidente João Goulart que se dirigia com comitiva à Roma, onde participaria da cerimônia de coroação do recém-eleito Papa Paulo VI, no Vaticano. A aeronave chegou à Roma na manhã do dia 29, e antes realizou uma escala em Dacar para reabastecimento. Jango retornou à Brasília no início da manhã do dia 2 de julho, também a bordo do PP-VJF.
voo que trouxe a Miss Universo Ieda Maria Vargas a Porto Alegre a bordo de um Convair 990 da VARIG.
Outra participação do Coronado em um momento histórico para o Brasil coube ao PP-VJG, que trouxe a Porto Alegre, em 22 de agosto de 1963 a Miss Universo, Ieda Maria Vargas. Antes do pouso no Salgado Filho a aeronave foi interceptada e escoltada por uma esquadrilha de Gloster Meteor F-8 do 1º/14º Grupo de Aviação de Caça da Base Aérea de Canoas, liderada pelo Tenente Jaeckel.
Convair CV990 ‘PP-VJF’ em Los Angeles. (Foto: Bob Proctor / Coleção de Jon Proctor)
Cerca de um ano após terem entrado em operação regular e já consolidados na frota, os três Coronados aparecem realizando os seguintes voos pela Varig no timetable de junho de 1964 (ida e volta): Buenos Aires/Montevidéu/São Paulo (Viracopos)/Rio de Janeiro; Rio de Janeiro/São Paulo (Viracopos)/Lima/Bogotá/Cidade do Panamá/Cidade do México/Los Angeles; Buenos Aires/Montevidéu/Porto Alegre/São Paulo (Viracopos)/Rio de Janeiro; Rio de Janeiro/Belém/Caracas/Santo Domingo/Miami; Rio/São Paulo (Viracopos)/Porto Alegre; Rio/Porto Alegre e Rio/Belém.
Rara foto de um Coronado da RG, no aeroporto de Nova Iorque, que era o domínio dos Boeing 707 (Coleção Flávio Amaral Jr.)
Já em 1965 os “indesejados” Coronados se mostrariam novamente providenciais à Varig ao assumirem os voos da Panair do Brasil para a Europa e o Cone Sul, a partir de fevereiro, quando o governo federal abruptamente cancelou as linhas daquela companhia, posteriormente decretando sua falência. Os 990 passaram a operar os seguintes voos, ainda com o designativo “PB” da Panair: PB26; Rio/Recife/Dakar/Lisboa/Paris/Londres e o PB63; Rio/São Paulo/Assunção/Santiago do Chile. A partir de setembro de 1965, a Varig incorporaria dois DC-8-33 ex-Panair, matriculados PP-PEA e PP-PDS, que foram colocados nos voos da Europa em substituição aos 990.
Foto do Convair CV-990-30A-8 PP-VJE no Aeroporto de Los Angeles em 1966. Depois de deixar a Varig, o PP-VJE teve breves carreiras com o Alasca e a AREA Ecuador antes de ingressar na Modern Air. Varou a pista ao aterrar em Acapulco enquanto completava um voo de translado e queimou, em 8 de agosto de 1970. (Foto: Bob Proctor / Coleção de Jon Proctor)
Os DC-8-33, mesmo equipados com turbojatos, tinham maior alcance que os 990 e podiam fazer os voos para o Velho Continente sem a escala técnica em Dakar, para reabastecimento. Quanto aos Coronados, passaram a operar os voos para o Cone Sul e EUA (com exceção de NY, que era domínio dos 707 – ao menos “oficialmente”, pois há registro do Coronado no pátio do aeroporto JFK). Com isso, a empresa brasileira passava a operar com os três modelos a jato de aviões de grande porte produzidos no Ocidente na época: DC-8, CV-990 e 707.
Pouso do Convair 990 no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.
1966: O ANO DA “BRUXA SOLTA” PARA OS CORONADOS!
Nesse ano, a frota de 990A da Varig experimentaria dois acidentes, felizmente sem fatalidades: o primeiro, acontecido em 24 de setembro, envolveu o PP-VJF e ocorreu em Bogotá (El Dorado), no voo iniciado em Los Angeles (RG811). Ao realizar um procedimento de rejeição de decolagem, com 80 passageiros a bordo, o avião desviou-se da pista, vindo a quebrar o trem de pouso dianteiro. O avião sofreu danos, mas foi posteriormente recuperado.
O PP-VJF quando do seu acidente em Bogotá, em 24 de setembro de 1966. (Foto: Cmd. Costa / AeroMuseu, via Flávio Amaral Jr.)
Meses mais tarde, em 20 de novembro, foi a vez do PP-VJG se acidentar, agora em Caracas (Maiquetia): o avião experimentou pane no sistema hidráulico e pousou sem o trem de pouso, após sobrevoar a área do aeroporto por 2h30 a fim de reduzir o peso estrutural para a aterrisagem. Os danos, apenas materiais, foram de monta, mas o ‘VJG foi recuperado.
Brasilidade total! Wilson Simonal à frente do CV990 PP-VJG (Coleção Flávio Amaral Jr.)
1967: O PRIMEIRO 990 DEIXA A FROTA
A utilização de três aeronaves de fabricantes distintos nas linhas de longo curso, com configurações, motores, pessoal técnico, programas de treinamento e peças de suprimento diferentes acarretava em oneroso custo à Varig. O relatório da administração da companhia relativo ao ano encerrado em 1967 chegava a utilizar a expressão “verdadeiro jardim zoológico” para a heterogênea composição do material de voo!
Ciente dessa questão e procurando diminuir os custos atinentes, a empresa decidira alocar recursos para a aquisição de mais 707, agora da versão ‘320C, aeronave que seria o esteio da frota internacional da Varig até que fosse iniciada sua gradual substituição pelos DC-10-30, a partir de 1974. Os primeiros três 707-320C foram recebidos entre janeiro a março de 1967 e até julho de 1969 a Varig adquiriu mais cinco 707 desse modelo de maior alcance e versatilidade.
A versatilidade e performance de payload/range em longo alcance do Boeing 707-320C apressou o fim do Coronado na frota da Varig. Na foto, o 707-341C PP-VJT em NY em junho de 1967 (Coleção Marcelo Magalhães)
Nesse cenário, os 990 deveriam deixar a frota. De fato, em maio de 1967 o PP-VJE foi negociado com a Alaska Airlines (onde voaria como N987AS) pelo preço de US$ 3.810.910 (incluindo 3 motores de reposição). Agora, restavam na frota os Coronados PP-VJG e o PP-VJF.
O PP-VJE ainda em Porto Alegre, mas pronto para deixar o Brasil, já nas cores da Alaska Airlines (Coleção Flávio Amaral Jr.)
Com a reinauguração dos voos para o Japão com o 707-320C, como extensão da linha para Los Angeles, em junho de 1968, os 990 deixaram de operar a rota do Pacífico. Na grade de voos de maio de 1969, os dois Coronados eram empregados nas seguintes rotas (ida e volta): Rio/Brasília/Manaus/Caracas/Miami; Rio/Belém e Rio/Manaus (Com retorno via Brasília).
Em 1970 ficava claro que devido à crescente frota de 707, aos dois 990 estava destinada sua definitiva aposentadoria. Nesse sentido, assim expressamente mencionava o relatório da administração daquele ano:
“As aeronaves 707-320C constituem o cerne de nossa frota internacional. A utilização avião/dia, no exercício de 1970, foi de 10h46. A maximização da utilização desses quadrirreatores é, em grande parte, responsável pela sua rentabilidade crescente e fruto, também, da padronização.
O ex-PP-VJE, no GIG, pronto para deixar o país agora já com a matricula norte-americana. (via Flávio Amaral Jr.)
Ainda no âmbito internacional, continuamos a utilizar dois outros tipos de quadrirreatores: Convair 990A e DC-8. Os primeiros, em número de dois, estão em negociação de venda.”
Com efeito, o ano de 1970 foi o último ano completo do emprego dos Coronados na frota da transportadora gaúcha.
O FIM DA ERA CORONADO NA VARIG
Em agosto de 1970, os 990 estavam relegados somente aos seguintes voos: Rio/Brasília/Manaus/Caracas/Miami; Rio/Manaus/Bogotá/Cidade do México; Rio/Brasília Manaus e Rio/Manaus.
Os remanescentes 990 foram negociados no ano de 1971 com a empresa norte-americana de voos charter Modern Air, sendo o PP-VJG por US$ 1 milhão em 12 de fevereiro. A aeronave contava com 12.157 horas totais de voo e recebeu a matrícula N5623. O ‘VJF foi negociado com a Modern, por igual valor em 1º de abril e recebeu a matrícula N5625.
O Convair 990 da Modern Air N5625 é o ex-Varig PP-VJF, visto aqui em Berlim Tempelhof em 1974 (Ralf Manteufel)
Chegava ao fim a breve carreira dos Coronado na Varig, uma aeronave que – embora à princípio indesejada – acabou se mostrando providencial à transportadora, mormente em um período de grande expansão internacional, onde os 990 cumpriram fielmente com o papel de alargar os horizontes da que se tornava (e foi efetivamente por muitos anos) a empresa de bandeira de nosso país.
Confiar CV990-30A-8 ‘PP-VJF’.
FROTA CONVAIR 990A
VARIG 
REG.S/NTIPOPERÍODO DE OPERAÇÃOOBS
PP-VJE13CV990-30A-8ABR/63 – MAI/67To Alaska Airlines reg. N987AS
PP-VJF19CV990-30A-8ABR/63 – JAN/71Dmgd Bogotá 24/SET/66; To Modern Air reg. N5625
PP-VJG20CV990-30A-8JUN/63 – JAN/71Dmgd Caracas 20/NOV/66; To Modern Air reg. N5623

Nota do Autor: Agradecemos de modo especial aos amigos Flávio Amaral Jr. e Martin Bernsmüller pelo apoio dado para a realização do artigo, com envio de material iconográfico e revisão do texto.

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