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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

TRANSBRASIL – O fim do arco-íris



Pelo ar para o seu lar

Omar Fontana era filho de Attilio Fontana, fundador da Sadia, empresa líder no setor de alimentação, baseada inicialmente em Concórdia, Santa Catarina.

Omar, órfão de mãe desde cedo, foi mandado para o internato do Colégio Arquidiocesano, em São Paulo. Seu pai precisava manter o filho em lugar seguro e garantir sua educação e o internato parecia ser uma excelente ideia, então, Omar foi mandado para São Paulo.

Um dia, na hora do recreio, Omar assistiu fascinado a um avião sobrevoar o pátio do internato, descobriu naquele exato momento sua vocação: era louco por aviões. Tão logo completou 16 anos, Omar foi para o Campo de Marte tomar lições de voo e para pagar pelas aulas, vendeu a enciclopédia que recebera de presente de seu pai, e logo conseguiu seu brevê.

Mas ele queria mais! Foi estudar Direito no  Largo São Francisco, mas sua cabeça só sonhava com a aviação. Um domingo, enquanto passava o dia vendo aviões subir e descer em Congonhas, constatou que sempre havia um DC-3 da Panair que permanecia parado por todo o dia. Omar pensou: “pego esse DC-3 e com ele posso trazer carne fresca da Sadia, em Santa Catarina, para São Paulo”. Levou a idéia a seu pai, que a princípio desdenhou do plano. Mas Omar era teimoso como todo bom capricorniano e no fim seu pai cedeu.

Em fevereiro de 1954 começaram os voos, todos os domingos. A ideia provou ser um sucesso, o que levou Omar a convencer seu pai a comprar uma aeronave semelhante e constituir a Sadia Transportes Aéreos. Relutantemente, Attilio acedeu, mas disse a Omar: “Compre o bendito avião, mas não vire piloto. Não criei meu filho para ser chofer de avião”. Assim, em 16 de março de 1956, o DC-3 PP-ASJ iniciou os serviços mistos (carga/passageiros) da Sadia Transportes Aéreos, na rota Florianópolis/Videira/Joaçaba/São Paulo.

Omar pilotava quando podia e sua esposa, dona Denilda, dividia com ele a “diretoria operacional”: preparava os lanches servidos a bordo e ainda costurava as cortinas das janelas do avião. O crescimento foi rápido: em 1957 a Sadia e a Real assinaram um acordo operacional, que permitiu a Omar ocupar uma cadeira na diretoria de operações da Real e aprender a dirigir uma companhia aérea, seguindo os passos do presidente da Real, Linneu Gomes.

Sua empresa era, então, a décima maior companhia aérea do mundo. O acordo permitiu à Sadia crescer: em 1961 a empresa adquiriu a Transportes Aéreos Salvador, ampliando sua frota e malha aérea, passando a servir 53 cidades, de Porto Alegre a Fortaleza, com uma frota composta por 15 Douglas DC-3 e 11 Curtiss C-46.

Crescimento e ousadia

Omar, como todo bom piloto, sempre deu muita importância às aeronaves de sua empresa. Sabia que era necessário trazer mais conforto aos seus passageiros e foi buscar na Inglaterra o próximo modelo da companhia. Em 18 de dezembro de 1963 recebeu o primeiro Handley Page Dart Herald, arrendado por curto tempo. Finalmente, em janeiro de 1964 a Sadia encomendou cinco Dart Herald, seus primeiros turboélices e principal motivo de orgulho da empresa nos anos 60. O primeiro Herald próprio começou a voar na empresa em outubro de 1964. Ao final, foram dez aeronaves do tipo voando entre 1963 (duas arrendadas) e 1976. Trouxe, em caráter experimental, um Short Skyvan, que voou por poucos meses, ganhando o apelido de “Patinho Feio”.

Uma década a jato

Os anos 70 foram marcados pelo crescimento e pela difícil luta contra as gigantes Varig, Cruzeiro e Vasp. Mas a obstinação de Omar e seus funcionários garantiu a sobrevivência da empresa. Em setembro de 1970, um velho sonho de Omar se concretizou: o primeiro jato da Sadia, um BAC One Eleven (arrendado da Austral) foi recebido e logo apelidado de “Jatão”. No mês seguinte, chega mais um, desta vez comprado pela empresa.

Gradativamente, mais oito BAC 1-11 são incorporados, relegando o Herald a uma gradual aposentadoria. Com seus “Jatões”, Omar inova no serviço de bordo: inaugura a época das Anfitriãs do Ar, chefes de cabine que supervisionavam um serviço inovador: por exemplo, era servida, às quartas e aos sábados, feijoada a bordo, acompanhada por caipirinha. Foi um sucesso.

Em 1973, Omar resolve abrir o capital aos seus funcionários. Aproveita o embalo para mudar a razão social da empresa para Transbrasil S.A. Linhas Aéreas. Empolgado, resolve pintar os aviões em cores alegres e chamativas, inovando mais uma vez.

A Transbrasil, em parceria com o governo da Bahia, funda a Nordeste Linhas Aéreas, que começou operando cinco Bandeirante EMB-110C transferidos da frota da Transbrasil.

Alguns anos depois, a Transbrasil vendeu suas ações remanescentes e encerrou sua participação na Nordeste. Em 1979, a Transbrasil resolve adotar um nova identidade visual, escolhendo as cores do arco-íris, esta imagem permaneceu, com modificações, até os dias de hoje.

Antes da década terminar, a Transbrasil já era a terceira maior empresa aérea do Brasil, servindo quase todos os Estados e voando com uma frota de dez Boeing 727-100, total que chegaria a 19 aeronaves do tipo operadas simultaneamente, a maior frota dessa aeronave na América do Sul.

Crescimento e problemas

Os anos 1980 foram intensos. Começaram mal, com um desastre em Florianópolis em 12 de abril de 1980, quando um 727 bateu em um morro em Ratones, matando 54 ocupantes. Talvez tenha sido um presságio das dificuldades que a empresa teria à sua frente. Omar preparava a Transbrasil para seu grande salto: anunciou em 1981 a compra de 12 novos Boeing, sendo nove do modelo 757-200 e três do modelo 767-200, com os quais esperava substituir todos os 727.

Em junho de 1983 chegaram os três primeiros Boeing 767-200, com os quais Omar iniciou vôos charters internacionais para Orlando, Flórida. Os 757 foram cancelados, mas a frota crescia mesmo assim. Trouxe os Boeing 707 para fazer vôos cargueiros, começando com o PP-VJS arrendado da Varig.

A partir de 1985, acabou também trazendo os 707 para passageiros. Estes, de diferentes procedências e totalmente despadronizados entre si, trouxeram muitos problemas operacionais, com panes e atrasos constantes.

Farta dos problemas enfrentados com os 707 e precisando substituir seus veteranos 727, a Transbrasil, em 1986, começou a renovar sua frota de médio e curto alcance: os dois primeiros Boeing 737-300 chegaram em junho. Também encomendou dois Boeing 757-200PF, para substituir os 707 nos vôos de carga, embora esta encomenda posteriormente tenha sido cancelada.

A “Década Perdida” deixou marcas na empresa: os sucessivos planos econômicos desastradamente congelaram preços mas A década da destruição Pouco mais de um ano depois, em novembro de 1989, a intervenção foi levantada e a empresa devolvida ao seu fundador.

Como lembrança desse período, a Transbrasil voltou a Omar com seu patrimônio dilapidado: o interventor vendeu boa parte dos ativos e Omar Fontana e sua empresa nunca mais foram os mesmos. Mas Omar estava convicto de que a saída para a empresa passaria pela expansão dos serviços internacionais, que trariam divisas fortes para honrar suas dívidas e custos dolarizados.

Os anos 90 começaram. Com eles, uma rápida renovação e expansão da frota, incorporando mais Boeing 737-300 e 737-400 e transferindo os três Boeing 707 remanescentes para a subsidiária de carga Aerobrasil.

Mais 767 foram recebidos, incluindo-se cinco 767-300ER, orgulho de Omar, que pilotou o primeiro desde a fábrica até Guarulhos. Omar então encomendou três Boeing 777-200, com os quais esperava consolidar-se como segunda empresa de bandeira: iria tentar, a todo custo, uma ousada expansão internacional.

As rotas internacionais, Omar finalmente conseguiu: Miami em 1990, não custos, levando a Transbrasil e suas congêneres a uma severa descapitalização. Omar, defendendo sua empresa, em agosto de 1988 entrou na Justiça com um processo contra o poder concedente, exigindo reparações pelas perdas. Uma semana depois, num gesto de pura vingança – e como era de se esperar, atabalhoado, arrogante e despropositado, espelho de nossa “classe” política –, a empresa sofreu uma intervenção federal.

Na ótica da administração José Sarney, “a empresa estava sendo mal gerenciada” e Omar foi afastado e um interventor nomeado.

A Transbrasil entrara em rota de colisão e não percebia

O sonho acalentado da volta ao mundo, com vôos até Tóquio e Beijing, quase se tornou realidade: Omar chegou até mesmo a fazer um vôo de reconhecimento para Beijing, via Amsterdã, em dezembro de 1995. Mas Omar cometeu um erro fatal: buscando a expansão internacional, esqueceu-se do mercado doméstico. A ousadia da TAM, a força política da Vasp e a massa crítica da Varig foram encurralando sua empresa. Os 35% de participação de mercado em 1990, load factors (taxas de ocupação dos assentos) acima dos 100% para atingir o break-even.

Os vôos internacionais, vistos como tábua de salvação, tornaram-se um fardo difícil de carregar. Em 1998, com problemas de saúde, Omar foi deixando o dia-a-dia da empresa. Teve a alegria de ver a ação que movera dez anos antes ser ganha pela Transbrasil, o que ajudou bastante a já debilitada situação financeira da companhia.

Mas assistiu ao gradual cancelamento de quase todos os vôos internacionais, ficando apenas com Miami, Orlando, Lisboa e Buenos Aires. A empresa foi deixando de servir as sonhadas linhas para Nova York, Washington, Londres, Viena, Amsterdã, Córdoba e Santiago. No front doméstico, a frota foi sendo reduzida. Pior: alguns 737 eram devolvidos aos arrendadores e acabavam indo parar nas mãos da Varig, tomando da Transbrasil ainda mais participação de um mercado duramente conquistado.

O vácuo

Em 7 de dezembro de 2000, o coração da velha águia parou de bater. Omar foi enterrado num domingo de sol, homenageado por um 767-300 que fez evoluções sobre o cemitério. Naquele dia, a empresa não apenas perdeu seu fundador, mas parece ter perdido o farol que ainda mantinha alguma luz no seu caminho. Omar não preparou seu sucessor.

Agonizando, a Transbrasil e sua subsidiária regional Interbrasil, criada em 1995, mudaram suas operações para aeroportos centrais (Congonhas, Santos Dumont e Pampulha).

Num gesto de desespero, as duas empresas passaram a oferecer descontos de até 69% nas tarifas. Mesmo assim os balcões continuaram vazios. O mercado não acreditava mais numa reação, a GECAS, empresa arrendatária de algumas aeronaves da frota, entrou com um pedido de falência contra a companhia.

Quando a Transbrasil chegou ao segundo lugar no ranking do DAC, foram sendo gradativamente perdidos. A insistência em operar sua modernas aeronaves em vôos com múltiplas escalas e conexões, encarecia a operação e afastava o público executivo.

Indignado, Antônio Celso Cipriani, presidente da Transbrasil e genro de Omar, convocou uma coletiva de imprensa em 7 de novembro para anunciar “que a Transbrasil não iria fechar”.

Isso me lembrou o que costuma acontecer no futebol: após uma fragorosa derrota, é comum a diretoria do clube perdedor afirmar que o técnico “está prestigiado”, mandando-o embora no tropeço seguinte.

A qualidade de receita caiu: muitos vôos internacionais da empresa precisavam de Os 2.900 funcionários não haviam ainda recebido os salários de setembro. Dos mais de 2.000 demitidos no último ano, nenhum recebeu os direitos trabalhistas.

O mergulho

A queda mostrou-se inevitável, vertiginosa: a empresa despencou em um ano para menos de 5% de participação no mercado. Até mesmo a novata Gol acabou ultrapassando a Transbrasil. Sua frota transformou-se num arremedo do que um dia fora: apenas cinco Boeing 737-300 e quatro Brasilia. Dos três 767-200 que sobraram, apenas um estava voando.

Os outros dois estavam sem seus motores, arrestados por falta de pagamento. O tempo foi correndo sob os pés da Transbrasil. Seu site na Internet já não mostrava mais os horários dos vôos, apenas um telefone para reservas e os dizeres: em manutenção. Discando o número indicado, uma gravação atendia dizendo que o sistema estava fora do ar.

Veio o dia 3 de dezembro, uma segunda-feira. Os Boeing que pousaram em Congonhas não saíram nos vôos da noite: os fornecedores de combustível não aceitavam mais nem os pagamentos à vista, exigência imposta à Transbrasil semanas antes. Eles foram claros: ou a Transbrasil pagava o que devia ou as aeronaves não seriam mais reabastecidas.

No dia seguinte, os passageiros que se apresentaram em Congonhas deram com balcões vazios e um comunicado lacônico, informando que “a empresa havia suspendido operações por tempo indeterminado”. Até o fechamento desta edição não obtivemos informações sobre a volta das atividades da empresa, ficando em aberto os 46 anos de história, lutas e pioneirismo.

Gianfranco Beting foi vice-presidente da house-agency Intermarket entre 1990 e 1992 e diretor de marketing da Transbrasil entre 1995 e 1997. Apaixonado pela empresa e amigo íntimo de Omar Fontana, é uma das pessoas mais credenciadas para escrever a biografia da empresa.


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