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sábado, 18 de novembro de 2023

LOCKHEED SR-71 BLACKBIRD








“ Eu acredito que posso dizer com sinceridade que tudo no avião, dos rebites aos fluidos, passando pelos materiais e pelos motores, tudo teve que ser inventado do começo”

Clarence L. “Kelly” Johnson (1910-1990) – engenheiro-chefe – Lockheed Advanced Projects Development Group (Skunk Works)

 

Voando a 56 km por minuto e a 25 km de altitude, fotografando uma faixa de 100 km de largura, o SR-71 está sempre em um ambiente a – 60 °C, e mesmo assim, suas superfícies que atacam bem de frente o pouco ar que lá existe se aquecem a quase 350 °C. E ele pode fazer isso por mais de uma hora sem desacelerar.

Só essa informação, bem lida e digerida,  já dá uma ideia do desafio de projetar esse marco da aviação, quase certamente o projeto mais difícil de todos os tempos de uma máquina voadora que não sai da atmosfera terrestre. Coloquei os números em quilômetros, para ficar mais próximo de nosso hábito de distância e velocidade.

Me lembro muito bem de um texto escrito pelo piloto e jornalista Wolfgang Langewiesche na revista Seleções do Reader’s Digest, em português, que li quando tinha uns 13 anos de idade sobre esse avião. A revista já tinha alguns anos, não era nova, não era minha e não lembrava o nome do autor, mas o Bob Sharp, com sua memória prodigiosa, me disse prontamente. Gostaria de conseguir uma cópia dessa matéria para relembrar o delicioso texto, que pela primeira vez me trouxe informações que só depois de um bom tempo fui compreender melhor, como, por exemplo, aprender que a altitude que ele voa permite ver nitidamente a curvatura da Terra, e o céu muito escuro acima, a qualquer hora do dia. Estrelas são visíveis mesmo ao meio-dia no horário local.

Em 1976 o SR-71 havia batido recordes de velocidade que permanecem até hoje para aeronaves a jato — não contando aqui os propulsionados por foguete, categoria na qual o North American X-15 é até hoje o maioral — e até mesmo propagandas em revistas no Brasil foram publicadas. O objetivo era chamar a atenção, pois a Lockheed tentava sempre aproveitar o SR-71 para vender seu maior avião comercial, o L-1011 Tristar.

O avião é uma vitória da engenharia sobre um problema dos mais graves, o do abate de seu predecessor nesse negócio arriscado de voar sobre território não permitido, ou inimigo, se falarmos da Guerra Fria. Em 1º de maio 1960 o capitão reformado da Força Aérea Americana, trabalhando para a CIA, Francis Gary Powers, foi atingido por um míssil terra-ar SA-2 sobre a Rússia, voando no também produto da Lockheed,  o U-2, praticamente um planador com motor a jato, que, mesmo voando muito alto — 21.300 metros — era também muito lento, com velocidade de cruzeiro de 690 km/h. Powers sobreviveu saltando do U-2, foi capturado e feito prisioneiro.

A Lockheed como fabricante,  e a NASA, que operava o U-2 para a CIA, já sabiam extraoficialmente que os russos tinham certeza de que os americanos voavam clandestinamente fotografando o territórios dominados por governos comunistas, e era questão de tempo um U-2 ser colocado fora de operação dessa forma. A intriga política que se seguiu é incrível, e gerou muitos livros e filmes, o mais novo deles sendo “A Ponte dos Espiões”, dirigido por Steven Spielberg e estrelado com o grande ator e fanático por assuntos aeroespaciais históricos Tom Hanks.

Por essa certeza técnica da possibilidade de derrubada de um U-2, já estava sendo trabalhado o projeto de uma aeronave que pudesse voar ainda mais alto e muito mais rápido, rápido a ponto de, se fosse detectada, o tempo que um míssil levaria para ser armado e disparado já garantiria que ele estivesse se afastando de tal maneira que não poderia ser atingido.

O projeto começou em 1959, e o primeiro resultado foi o A-11, anunciado publicamente apenas em fevereiro de 1964 pelo presidente Lyndon Johnson, que disse que o A-12, número para o avião de produção, havia atingido 2.000 mph (3.200 km/h) e 70.000 pés (21.336 metros). Foram fabricadas 15 unidades do A-12   entre 1962 e 1964, que atuou na USAF entre 1963 e 1968.

Ao mesmo tempo, foi feita a variante YF-12A numa inteligente manobra para iludir os soviéticos e seus aliados, dizendo que o avião era um caça interceptador, armado, para defender o bloco não comunista. O YF-12A voou em testes até 1966 e foram apenas três unidades, nunca tendo operado na função designada, sendo apenas usado politicamente para evitar que os soviéticos tentassem chegar aos Estados Unidos com seus bombardeiros.

Em julho de 1964, o presidente Johnson fez outro anúncio público sobre o desenvolvimento de uma aeronave de reconhecimento de capacidade global. Era o SR-71, sigla de Strategic Reconnaissance, ou reconhecimento estratégico, sendo uma alteração do projeto inicial, mais pesado mas com maior alcance, um desenvolvimento que se provaria o definitivo para a linhagem.

Em 1969 dois YF-12A voltaram a voar, como avião de pesquisas, operado pela NASA, e fez esse trabalho até 1979. O terceiro avião havia sido perdido em acidente.

Um dos exemplos desse trabalho foi o Cold Wall (parede ou muro frio), onde um cilindro refrigerado por nitrogênio líquido era montado sob o avião, que subia e acelerava até Mach 3, quando um fio explosivo rompia o isolamento e fazia os sensores instalados serem expostos rapidamente ao aumento de temperatura pelo atrito do ar. Os dados de pressões, temperaturas e atrito eram depois comparados com valores teóricos e os obtidos em túneis de vento, gerando uma grande quantidade de dados para estabelecer a correlação entre teoria e prática, reforçando a pesquisa de mecânica dos fluidos.

Passa-se então, a focar o SR-71, pois seu uso foi eminentemente sobre territórios hostis, e suas missões de espionagem enriquecem o assunto. O Blackbird é resultado do maior e mais desafiador trabalho de um grupo de engenharia da Lockheed, que operava separado de todo restante da empresa, o Advanced Projects Development Group, apelidado de Skunk Works, cujo símbolo é um divertido gambá. O nome vem de uma tira de jornal que foi publicada por 43 anos nos EUA e em outros países, de autoria de Al Capp, chamada Li’l Abner (O Pequeno Abner) em que um dos personagens, gozador total, atendia ao fone com um sonoro ” Skonk Works!”, significando um local onde se faziam atividades fora dos padrões ou das leis. Na Lockheed se alterou para Skunk, para evitar problemas.

O avião e sua linhagem A-12 / YF-12A e SR-71 tem diferenças interessantes. O desenho básico é de uma asa delta interrompida pelas enormes naceles (carcaças)  dos motores. A asa emenda uma superfície estendida no eixo transversal do avião que vai até o nariz, contornando- o e fazendo-o parecer um disco voador quando visto de frente. Esses chines, como são chamados em inglês e sem tradução simples e exata em português, são interrompidos no YF-12A pelo sistema de guia dos mísseis, e a estabilidade que se perde nisso requereu três estabilizadores na parte inferior do avião, o central sendo dobrável, pois é maior que a altura do trem de pouso. Como o SR-71 tem essa área contínua desde o nariz, e um sistema de estabilidade eletrônico mais apurado, não há as aletas inferiores como no YF-12A.

No SR-71B, versão de treinamento, há uma cabine elevada para o instrutor, e isso também requereu dois estabilizadores ventrais, sob as naceles, para mais estabilidade direcional.  O chine tem a função primária de maior sustentação, mas também de compensar o momento fletor de força que dobrava a fuselagem para baixo  em altas velocidades, tendo como resultado diminuir o arrasto, o grande inimigo de um bom desempenho.

Já o A-12 era mais similar ao SR-71, mas na área junto da cabine, até o nariz, tinha os chines menores, diferença mínima mas ainda facilmente visível.

As asas, com área de 170 m², não tem flapes, pois a área de sustentação permite pousos suaves sobre o colchão de ar que forma efeito solo, ainda que em velocidade um pouco acima dos padrões, e os bordos de fuga das asas são ocupados por quatro superfícies que atuam como profundores e ailerons, permitindo sobe/desce e giro longitudinal. São chamados de elevons, e comuns em aviões de asa em delta.

Os lemes são inclinados 15° para dentro, para minimizar a rolagem com derrapagem. Ambas derivas se movem na sua totalidade, não apenas o leme,  para permitir grande autoridade dessa superfície em caso de um motor parado.

Para garantir a tranquilidade, há um sistema eletrônico de aumento de estabilidade, que corrige movimentos decorrentes de turbulências ou comandos excessivos do piloto, que está a cerca de 15 metros à frente do centro de gravidade, e sente com um pequeno atraso a resposta de seus comandos aerodinâmicos.

As temperaturas variam de 230 °C a 650 °C no avião, o que requereu novos vedadores, combustível, lubrificantes, fluidos hidráulicos e até mesmo o gás que iria inflar os pneus, além de uma borracha única para estes, com alumínio em pó na mistura, fazendo-os serem cinza claros. A liga metálica  B-120, composta de titânio, cromo e alumínio, é aplicada em 93% da estrutura do avião. A temperatura devido ao atrito com o ar foi o ponto principal nas dificuldades do desenvolvimento, e as superfícies das asas tem área com corrugado longitudinal que foi adotado para eliminar as distorções de painéis lisos e/ou planos. Também em foguetes a solução é a mesma. Kelly Johnson contou depois de alguns anos, com ótimo humor, que ele foi acusado de tentar fazer o Ford Trimotor de 1932 voar a Mach 3, já que esse avião também tinha painéis externos corrugados, mas não por aquecimento, já que era extremamente lento, mas para poupar elementos estruturais internos e diminuir o peso.

Uma enormidade de informações foi aprendida ao se trabalhar com o titânio pela primeira vez em um avião. Os fluidos de refrigeração utilizados na fabricação de peças metálicas eram todos incompatíveis com o metal, pois ele reage de forma a ficar frágil em contato com cloro, flúor e cádmio, além de elementos similares. O nível de detalhe a que se teve que chegar é exemplificado ao se descobrir que peças das asas falhavam com pouco tempo de voo quando haviam sido fabricados no verão, e duravam (veio a se saber depois) quase que indefinidamente quando haviam sido feitos no inverno. Na investigação, se descobriu que a água da rede pública usada na composição do fluido de refrigeração de usinagem era tratada com muito cloro no verão, para evitar a  propagação de algas, mas que esse cloro era removido no inverno. O cloro contaminava a liga, que se tornava mais fraca.

O fluido hidráulico para os comandos de voo foi desenvolvido parcialmente pela Universidade da Pensilvânia e concluído pelos químicos da Lockheed. O custo em 1960 era de 130 dólares o galão. Os pistões hidráulicos utilizados para os movimentos tiveram que ser tratados com revestimentos e banhos químicos que precisaram ser criados, pois deslizavam dentro de cilindros também em titânio, e o atrito entre o metal o fazia fundir e travar o movimento facilmente, mesmo com o melhor lubrificante disponível. Esse fluido tem o oxigênio, que permanece naturalmente em seu interior quando fabricado,  removido por pressurização e em seu lugar é inserido nitrogênio, inerte ao fogo.

Depois de 35 minutos de voo se atinge o máximo de temperatura em todos os pontos, e a radiação térmica é o que garante que não fique pior, por isso ele é pintado de preto, a melhor cor para refrigerar nessas condições. Certa vez li uma informação de que a pintura era em azul escuro, indigo blue, mas nunca mais vi nada sobre isso, assim suponho que deve ter sido delírio de alguém.

Para chegar ao domínio da fabricação de peças em titânio, o caminho foi demorado e caro. As peças extrudadas custavam 119 dólares por pé (30,48 cm) e uma polegada (25,4 mm) de usinagem custava 19 dólares. Isso na década de 1960. Uma peça de teste feita antes de se começar a construir o avião foi feita 40.000 vezes, com aproveitamento de 5%, ou seja, apenas 2.000 boas e 95% de refugo.

Incrível é o combustível específico, o JP-7, que de tão pouco volátil é usado para refrigerar o sistema do trem de pouso e a área ao redor da cabine dos tripulantes. Ele não inicia sua combustão apenas com temperatura. Precisa ser incendiado com TEB, tri-etil-borano, para em seguida entrar em combustão normal. Se tentarmos colocar fogo no JP-7 com um fósforo, ele apaga a chama.

Os tanques do Blackbird são a própria superfície das asas e partes da fuselagem, sem reservatórios por dentro, apenas com um revestimento pastoso aplicado.  Isso faz com que depois de alguns ciclos de aquecimento e esfriamento comece a vazar JP-7 constantemente, sem perigo real devido ao altíssimo ponto de ebulição. Só quando o avião sobe e começa a aquecer as partes se expandem e os vazamentos são selados. Inconcebivelmente de outro mundo!

Esses vazamentos eram monitorados por setor do avião, e se a quantidade de pingos passava de um certo número por minuto (DPM – dips per minute), a manutenção trabalhosa de abrir os tanques e refazer a selagem química interna era obrigatória.

Havia injetores de combustível dentro dos tanques, para espalhar combustível na parte superior deles, de forma a refrigerar a superfície interna, que ia ficando seca ao longo do voo e mais aquecida por fora.

Os aviões-tanques Boeing KC-135, versão militar tanqueira do 707, também precisaram ser modificados para levar apenas o JP-7, e foram batizados como KC-135Q, formando uma frota exclusiva para atender os Blackbirds.

 

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Fuselagem e asas alojam 36.200 kg de combustível, indicado pelas  áreas esbranquiçadas do desenho

O óleo do motor é sólido em temperatura ambiente, e precisa ser aquecido a 12 °C por hora até os 30 °C antes de serem ligados os motores. É um trabalho só encurtado quando o clima estivesse quente.

As baterias são pressurizadas com nitrogênio para não explodirem com baixa pressão e alta temperatura. Os terminais elétricos tem banho de ouro para conter as deformações e maus contatos. Os pneus são os primeiros da história a serem preenchidos também com nitrogênio.

Dentro da cabine os 15 °C só são atingidos pelo ar-condicionado e pela passagem de combustível ao redor do habitáculo, já que do lado de fora são mais de 200 °C.

As roupas dos tripulantes são idênticas às de astronautas dos tempos da Apollo, depois evoluindo com o tempo e tinham pressurização  própria, pois o avião em si não é pressurizado. Custavam cerca de 120 mil dólares cada e salvaram a vida de alguns tripulantes que se ejetaram em acidentes, um deles o tendo feito a Mach 3.

 

O piloto Terry Pappas com o traje pressurizado (cloudfront.net)
O piloto Terry Pappas com o traje pressurizado (cloudfront.net)

Motores

O segredo principal para se chegar e manter na velocidade de mais de 3 vezes a do som está nos motores, mais especificamente nas aberturas móveis que variam de acordo com o regime de voo. Para se ter uma ideia de onde o grupo de Clarence “Kelly” Johnson chegou com não mais de 150 profissionais,  a essa velocidade o empuxo dos motores corresponde a apenas 17% da força, 58% são resultado da tomada de ar, e 25% vem do desenho do saída de gases. Só esse conjunto já dá um texto incrível, portanto, impossível detalhar totalmente aqui.

O motor funciona com afterburner (pós-combustor) em cruzeiro, mas as vantagens do sistema de passagem de ar permite autonomia de mais de 4.800 km com os 36.200 kg de JP-7, uma economia notável. Esse peso de combustível é maior que o do avião vazio, 27.240 kg.

Basicamente, para entender a coisa toda, precisamos saber que motores a jato não podem receber ar em velocidade acima da do som. Assim, os spikes – pontas alongadas na entrada das naceles —  desaceleram o ar de impacto para que cheguem à pás do compressor frontal a menos de Mach 1. Esses spikes são móveis, entrando e saindo da nacele em um curso de 0,66 metro. Há também várias aberturas móveis, ao redor da entrada de ar e dentro do spike.  O conjunto trabalha para prender o ar a Mach 3 dentro da nacele, mas antes do compressor do motor Pratt & Whitney JT11D-20, designação militar J58. A força de atuação do spike chega a até 14 toneladas, e ainda precisa ser sensível, para operar de acordo com o computador de controle, que busca sempre o mínimo de arrasto e o máximo de empuxo.

Em uma explicação que sei ser um pouco grosseira, entendemos que a grande quantidade de ar a Mach 3 que entra na carenagem é dividida em uma parte para o compressor, freada, e outra passa por tubos ao redor do motor, sendo despejadas junto da saída, em alta velocidade, e somando sua energia — descontadas as perdas de carga devido às curvas dos tubos — à da combustão. As persianas ao redor da entrada e próximas das saídas administram os excessos de ar quando necessário, abrindo e fechando.

Muito ficção científica? Imagine que o número de série na fábrica para os SR-71 começou no numeral 2001!

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Os caminhos do ar dentro do motor, de acordo com a condição de voo

 

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Pratt & Whitney JT11D-20 (J58 para a USAF) em berço de transporte (autor)

Depois desses dados impressionantes, uma pausa para um histórico resumido  do que veio a ser o SR-71:

1958 – Clarence Johnson é chamado a Washington e informado que seu projeto ganhara a concorrência para um avião de espionagem, concorrendo com a Convair. O contrato foi assinado em 1959.

30 de abril de 1962 – primeiro voo do A-12

29 fevereiro de 1964, Lyndon B. Johnson anunciou o A-12, código de projeto do YF-12A, um protótipo de caça e interceptador de alta velocidade.

25 de julho de 1964, foi revelado que o avião aprovado era na verdade o SR-71, que deveria ser Strike Reconaissance (ataque e reconhecimento), mas que se tornou na verdade Strategic Reconnaissance (reconhecimento estratégico), sem armas.

Setembro de 1964, Kelly Johnson recebe na Casa  Branca o Collier Trophy, por grandes serviços prestados à aviação.

Mesmo mês, aparição para  a imprensa do YF-12A em Edwards AFB.

1º de maio de 1965 – YF-12A bate nove recordes de velocidade e altitude. 2.062 mph (3.318 km/h ou Mach 3,17) em percurso reto de 15 e 25 km, altitude sustentada de 80.000 pés (24.384 metros).

22 dezembro 1964 – primeiro voo do SR-71.

Janeiro de 1966 – começam as entregas dos aviões de produção para  a USAF.

O YF-12A teria mísseis, mas nunca chegou a usá-los, mas o SR não tinha armamento algum, jamais teve; sua defesa sempre foi a velocidade.

Depois da promessa dos EUA de que a União Soviética não seria mais sobrevoada com os U-2, não se sabe se os A-12 o fizeram, e nem mesmo se tem certeza se houve alguma missão dele, já que a informação nunca foi divulgada. O que se sabe com certeza é que o Vietnã era sobrevoado regularmente a partir de base na Tailândia, Korat, e também Cuba e Oriente Médio era pontos de missão constantes. Os Blackbirds estavam baseados também em Kadena, na ilha de Okinawa no Japão, na Inglaterra em Mildenhall e em Beale, Califórnia.

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Belíssimo “escritório”

A China foi visitada centenas de vezes, mais de quinhentas com certeza, abrangendo a época da histórica visita do presidente Richard Nixon ao país comunista, em 1971.

O Egito foi espionado na guerra do Yom Kippur, em 13 de outubro de 1973, passando incólume por todo o território, incluindo Cairo, e depois voando para o Mediterrâneo, para voltar à base na Inglaterra.

O que se sabe é que a geografia dos conflitos e dos quase-conflitos foi alterada por essa aeronave inigualável, com suas informações fotográficas precisas e abrangentes de vários pontos do planeta, até mesmo nas ilhas Falklands/Malvinas, em 1982.

Na guerra da Líbia em 1986 foram dezenas de missões a partir da Inglaterra para fotografar todas as regiões de combate e arredores, além de pesquisar possíveis fábricas de armas químicas.

Os russos e norte-coreanos dispararam vários mísseis nos SR-71 de 1979 a 1981, sobre vários pontos próximos a seus territórios, todos sem sucesso. O número estimado é ao redor de 4 mil disparos!

As missões típicas de uma única perna, com distâncias totais de cerca de 4.500 km, consistiam em decolar, subir a cerca de 8.000 metros subsonicamente, reabastecer e depois acelerar e subir a 25.000 m, fotografar a área objetivo a Mach 3 e depois escapar,  voltando para a base. As multipernas chegavam a 13.200 km, com três reabastecimentos. Para cada um dos reabastecimentos quando em altitude de missão, era necessário descer dos 25.000 metros para 8.000 metros, ou seja, “posto de gasolina” 17 km abaixo, diminuindo a velocidade de 3.500 km/h para cerca de 800 km/h.

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Missão de uma única perna em vermelho, e multipernas em azul

Descobri a existência do avião pela primeira página dos jornais em 2 de setembro de 1974, quando o recorde da travessia do Atlântico foi batido um dia antes por um Blackbird a caminho Feira Aeronáutica de Farnborough, na Inglaterra. A primeira página com a notícia, publicada na Folha de S. Paulo, está aqui nesse link , e tem números imprecisos.

O tempo correto do voo foi 1 hora, 54 minutos e 56,4 segundos, em que o avião foi de Nova York a Londres (Southampton), voando entre dois pontos demarcados, e tendo saído lançado, com o tempo marcado entre pontos ou gates, não considerando tráfegos de decolagem e pouso. A velocidade nesse trecho de 5.570,79 km foi de 2.908,027 km/h. O avião decolou de Beale, Califórnia, fez dois reabastecimentos, um logo após a decolagem como é de praxe, e outro na costa das Carolinas, subindo para o norte em direção a Nova York e aí acelerando ao máximo para cruzar o oceano. Todo esse voo durou 5h45 minutos. A volta também teria sua marca para os registros.

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Recordes de ida e volta marcados no mapa (Lockheed Martin)

Os recordes oficiais de velocidade pura, velocidade entre pontos e de cruzamento do Atlântico são vários, mas os maiores tendo sido os batidos em 28 de julho de 1976, altitude de 25.929 metros e velocidade de 3.529,6 km/h, obtidos por dois aviões diferentes, sobre território dos EUA.

Para provar definitivamente a capacidade inigualável de velocidade do avião, no dia de seu último voo em serviço foi planejado um trajeto para estabelecer mais recordes. No dia 6 de março de 1990, o SR-71 de número de série 61-7972 foi tripulado e saiu de Palmdale, Califórnia, em direção a Washington D.C. para ser entregue ao Instituto Smithsonian, especificamente ao museu aeronáutico no Centro Steven F. Udvar, em Chantily, Virgínia, batendo quatro marcas:

Los Angeles a Washington, D.C., distância 3.701 km, velocidade média 3.451,7 km/h, em tempo de  64 minutos e 20 segundos.

Costa Oeste a Costa Leste, distância 3.869 km, velocidade média 3.419,1 km/h, em tempo de 67 minutos e 54 segundos.

Kansas City, Missouri a Washington, D.C., distância 1.516 km, velocidade média 3.502 km/h, em tempo de 25 minutos e 59 segundos.

St. Louis, Missouri a Cincinnatti, Ohio, distância 501,1 km, velocidade média 3.524,3 km/h, em  8 minutos e 32 segundos.

Em um dos pontos de medição, o avião foi detectado a 3.609 km/h em relação ao solo (ground speed).

No dia seguinte, o senador John Glenn Jr., o primeiro astronauta americano a orbitar a Terra, fez no Congresso uma crítica ao Departamento de Defesa e um apelo ao presidente, dizendo que o SR-71 nunca havia sido utilizado em seu potencial completo, e que a retirada do avião de serviço ativo era um grave erro.

Em junho de 1995 o SR-71 voltaria a voar, após tensões políticas no oriente Médio e Coreia do Norte se ampliarem, e ficando claro que o tempo necessário para aguardar o momento correto na órbita e ajustar os satélites de espionagem para obter informações consistentes era maior que aquele gasto pelo SR-71. Mas os custos de manter aeronaves já antigas e de manutenção tão especializada, delicada e frequente pesava fortemente, e o SR-71 seria definitivamente retirado de serviço em 9 de outubro de 1999, exatamente 17 anos atrás — no dia em que esta matéria é publicada no AE.

Alguns apelidos:

Além do nome extraoficial Blackbird, que não é apenas “pássaro negro”, mas sim o melro-preto, ave comum na América do Norte, o avião também é chamado de Sled (trenó), Lady in Black (dama de preto) e um apelido proveniente da base de Kadena em Okinawa, no Japão, Habu, uma serpente venenosa de cor escura, às vezes negra, que só existe no arquipélago de Ryukyu, onde a ilha de Okinawa está inserida.

Sites:

http://www.sr-71.org/blackbird/ (tem diagramas de sistemas, manual de voo etc.)

http://www.habu.org/multimedia.html (aqui a página de vídeos)

http://rnzaf.proboards.com/thread/20127/lockheed-sr-71-detail (muitos detalhes gerais do avião)

http://projecthabu.com/ (fotos magníficas tiradas pelo criador do site, que trabalhou em solo com o SR-71)

Livros:

Sled Driver – Brian Shul – 1992

De antes das fotos digitais, o autor foi piloto do SR-71. Escreveu e fotografou tudo que aparece no livro, exceto duas fotos, e disse ser comum gastar um rolo de 36 poses aproveitando apenas uma foto.  Descreve sua biografia até chegar ao SR-71, relatando o acidente que quase ceifou sua vida e o fez ficar um ano em um hospital, para depois de candidatar a piloto do SR-71, e conseguir. É bem explicado, sem excesso de informações técnicas, o avião e os voos, com opiniões de outros pilotos incluídas. A foto da capa está também no interior, e Shul conta que foi a primeira vez que fotografou o avião em voo, de um tanque KC-135Q, e para ele, é a melhor foto de todas que ele tirou, a que melhor sintetiza a beleza e presença majestosa do “Sled”.

Está nesse livro um fato curioso e engraçado que aconteceu com Shul e Watson, seu RSO (reconnaissance systems officer, oficial de sistemas de reconhecimento, mais simplesmente navegador). Voando sobre a Califórnia e se aproximando da área de tráfego de Los Angeles, o rádio é sintonizado nesse controle apenas para monitorar outras aeronaves como precaução, mesmo estando bem acima de todas. O controle de tráfego aéreo tem o SR-71 também em suas telas de radar, com o nome de chamada Aspen 20 nesse dia, mas não o controla, pois é uma aeronave  tratada como exceção devido a não interferir no tráfego. Um Cessna solicita ao controle a leitura de sua velocidade no radar, e o controle responde “90 nós” (167 km/h). Momentos depois, um Beechcraft bimotor faz o mesmo pedido, e o controle responde “120 nós” (222 km/h). Entra então a mesma solicitação de um piloto da Marinha, que com um tom de voz claramente arrogante, pergunta sua velocidade, e o controle responde “525 nós em relação ao solo” (972 km/h). Eis que Walter Watson pede educadamente e com a mais humilde das entonações ao controle uma leitura de velocidade, e o controle, após uma certa pausa, diz “Aspen 20, eu tenho 1.742 nós” (3.226 km/h). Não foram pedidas mais leituras de velocidade naquela frequência…

The Untouchables – Brian Shul e Walter Watson Jr. – 1993

Piloto e navegador escreveram juntos as descrições das missões para levantar informações na Líbia, em 1986, na guerra contra Kadafi, desde sua preparação até o que acontece depois do pouso. Intercalado com os capítulos sobre esses voos estão outros, escritos pelas pessoas e equipes que faziam a coisa acontecer na sua totalidade, incluindo as atividades realizadas por civis ligados às empresas necessárias para manter a operacionalidade do SR. Shul diz que uma vez viu o maquímetro marcar 3,5 após acelerar ao máximo para escapar de um míssil lançado pelos líbios, 0,2 Mach acima do que se sabia ser possível.

SR-71 Revealed – The Inside Story – Richard Graham – 1996

O autor  foi comandante da 9ª Ala de reconhecimento, baseada em Beale, Califórnia, piloto e instrutor do SR-71, tendo voado nele por sete anos. O livro tem cerca de 50 fotos em preto e branco e conta como é o avião e seus vários sistemas — bem mais detalhado do que nos livros de Shul —, o treinamento, as missões e termina com os acontecimentos políticos que fizeram a CIA e a NASA  colocar três unidades de volta ao serviço ativo em 1995, depois de cinco anos de aposentadoria. Tem várias histórias interessantes e engraçadas com as pessoas que viveram ao redor e dentro do SR-71.

SR-71 – Inside Lockheed’s Blackbird – Michael O’Leary e Eric Schulzinger – 1991

Escrito e publicado quando da desativação do avião, é um livro com ênfase em fotografias, e tem como mérito reunir os onze aviões da 9ª Ala de uma única vez para uma sessão fotográfica, uma ideia dos autores e que foi entusiasticamente aceita pela equipe da base aérea de Beale, além do primeiro texto escrito e publicado por um piloto do Blackbird, Terry Pappas.

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Onze Blackbirds juntos!

 

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Estes são alguns das dezenas de livros sobre essa máquina inigualável (autor)

Vídeos:

Desenho animado mostrando o funcionamento dos motores, e os caminhos do fluxo de ar dentro das naceles, nas diferentes configurações e velocidades.

 

Jeremy Clarkson, em um de seus programas extra-Top Gear – https://www.youtube.com/watch?v=ogJSRa5cukc

Longa entrevista com Richard Graham – https://www.youtube.com/watch?v=CeBu6mRDaro

O mesmo Graham mostra a cabine do avião, em detalhes – https://www.youtube.com/watch?annotation_id=annotation_494067029&feature=iv&src_vid=CeBu6mRDaro&v=tj9UwKQKE3A

Brian Shul conta sua história, com um entusiasmo que todos devemos ter pelo que fazemos – https://www.youtube.com/watch?v=o_Gyd6EYuXI

E para encerrar, mais uma frase do engenheiro-chefe, crítico combatente de sistemas complicados de gerenciamento, proferida há mais de cinco décadas e verdadeira ainda hoje:

“…Ninguém  mais é capaz de tomar decisões. Há muitas camadas de burocracia, nas empresas e nos governos. Como resultado, você não consegue fazer nada estúpido, e você não consegue  fazer nada brilhante”.

Clarence Leonard Johnson (1910-1990)
Clarence Leonard “Kelly” Johnson (1910-1990)

 

Produção

Dezoito A-12 foram feitos para a CIA
Três YF-12A para a USAF
Trinta e dois SR-71 para a USAF, depois operado pela NASA

 

Principais especificações

Tripulação: 2.  Piloto e Oficial de Sistemas de Reconhecimento (Reconnaissance Systems Officer – RSO)
Carga útil: 1.600 kg de sensores, câmeras e similares
Comprimento 32,74 m
Envergadura 16,94 m
Altura 5,64 m
Área alar 170 m2
Peso sem combustível 30.600 kg
Peso máximo de decolagem 78.000 kg
Motores. Dois Pratt & Whitney JT11D-20 (J58), empuxo de 15.400 kgf cada
Velocidade máxima: Mach 3,3  ou 3.540 km/h a 24.000 m
Autonomia sem reabastecimento 5.400 km
Alcance em traslado 5.925 km\h
Teto de serviço 25.900 m
Razão de subida 11.820 ft/m (3.878 m/min ou 216 km/h)
Carga alar 410 kg/m²

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